Acórdão n.º 1/2002, de 05 de Novembro de 2002

Acórdão n.º 1/2002 Processo n.º 952/2001 Acordam no pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça: I O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação do Porto interpôs, ao abrigo do disposto no artigo 446.º do Código de Processo Penal, o presente recurso extraordinário do douto Acórdão daquele Tribunal de 20 de Dezembro de 2000, com o fundamento de haver sido proferido contra a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Assento n.º 2/98, de 4 de Novembro, publicado no Diário da República, 1.' série, de 17 de Dezembro de 1998, segundo a qual 'uma arma de fogo, com calibre 6,35 mm, resultante de uma adaptação ou transformação clandestina de uma arma de gás ou de alarme, constitui uma arma proibida, a ser abrangida pela previsão do n.º 2 do artigo 275.º do Código Penal de 1995, antes da alteração pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro'.

Nas conclusões da douta motivação, o recorrente afirmou a referida contradição do decidido em relação ao sentido da aludida jurisprudência anteriormente fixada, argumentou que no acórdão recorrido não se aduzem novos argumentos susceptíveis de invalidar essa jurisprudência e defendeu que o Supremo Tribunal de Justiça, deveria limitar-se, nos termos do artigo 446.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, a aplicar a jurisprudência fixada, revogando a decisão recorrida e determinando, em consequência, a sua substituição por outra que mande seja recebida pelo tribunal de 1.' instância a acusação que o Ministério Público deduziu contra o arguido pela prática de um crime previsto e punido pelo artigo 275.º, n.º 2, do Código Penal.

Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, o Exmo.

Procurador-Geral-Adjunto, na sua douta promoção quando da vista nos termos do artigo 440.º, n.º 1, ex vi do artigo 446.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, pronunciou-se no sentido da admissibilidade do recurso e do reconhecimento de que o acórdão recorrido, fundamentando, diverge do decidido pelo acórdão para fixação de jurisprudência. Em conformidade, promoveu o prosseguimento dos autos, com observância do disposto no artigo 442.º do Código de Processo Penal.

No exame preliminar considerou-se admissível o recurso e existente a invocada divergência entre o acórdão recorrido e o acórdão para fixação de jurisprudência.

Corridos os vistos, teve lugar conferência nos termos do artigo 441.º, aplicável por força do artigo 446.º, n.º 2, na qual se decidiu ser o recurso admissível -atento que a decisão recorrida contraria a jurisprudência fixada- e se determinou o prosseguimento dos autos nos termos dos artigos 442.º e seguintes, ex vi do artigo 446.º, n.º 2, todos do Código de Processo Penal, considerando a possibilidade de se entender ultrapassada aquela jurisprudência.

Apenas o Ministério Público apresentou alegações, muito doutas, subscritas pelo Exmo. Procurador-Geral-Adjunto, que defendeu a alteração da citada jurisprudência, propondo seja fixada no seguinte novo sentido: 'Uma arma de fogo com calibre 6,35 mm, resultante de uma adaptação ou transformação artesanal de uma arma de gás ou de alarme, não constitui uma arma proibida, para os efeitos do n.º 3 (antigo n.º 2) do artigo 275.º do Código Penal, sendo no entanto subsumível ao conceito de arma de defesa constante da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, pelo que a detenção, uso e porte dessa arma, não estando ela manifestada nem registada, constitui o crime previsto no artigo 6.º da mesma lei.' Corridos os vistos, procedeu-se a julgamento, em conferência do pleno das secções criminais, cumprindo apreciar e decidir.

II A questão de fundo sobre que incidiu o citado Assento, para fixação de jurisprudência, n.º 2/98 consistia em saber se, à luz da legislação em vigor após a revisão de 1995 do Código Penal e antes da alteração introduzida pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, uma arma de fogo, com calibre 6,35 mm, resultante de uma adaptação ou transformação clandestina de uma arma de gás ou de alarme, deve considerar-se arma proibida para os efeitos de integração de crime previsto e punido pelo então n.º 2 (actual n.º 3) do artigo 275.º do Código Penal.

A jurisprudência que veio a ser fixada -no sentido de dever considerar-se arma proibida, para o efeito de ter-se por integrada a previsão de tal normabaseou-se essencialmente nos seguintes fundamentos: As armas transformadas ou alteradas são insusceptíveis de serem manifestadas ou registadas, como flui do Decreto-Lei n.º 37313, de 21 de Fevereiro de 1949 (citam-se os seus artigos 38.º, §§ 2.º e 3.º, e 77.º, § 8.º), porque, se o fossem, o Estado não teria o controlo eficaz dessas armas e não estaria garantida a segurança do seu uso.

Ora do § 2.º do artigo 72.º do Decreto-Lei n.º 37313, de 21 de Fevereiro de 1949, resultou a equiparação dessas armas às elencadas na lei como proibidas, ao determinar que os transgressores do prescrito nesse artigo (onde se proíbe que nas oficinas anexas ou dependentes de estabelecimentos de armeiro para reparação de armas se receba armamento não manifestado e que nas oficinas não dependentes de armeiro se reparem armas ou se recebam para esse fim) se consideram abrangidos pelas disposições do § único do artigo 169.º do Código Penal de 1886 (ver nota 1), que previa crime integrado pela importação, fabrico, guarda, compra, venda ou cedência por qualquer título e o transporte, detenção, uso e porte de armas proibidas.

Pelo que, mantendo-se em vigor essa disposição do § 2.º do artigo 72.º do Decreto-Lei n.º 37313, a remissão dele constante para o citado § único do artigo 169.º do Código Penal de 1886 deve considerar-se verificada para as idênticas disposições do artigo 260.º do Código Penal, versão de 1982, e, depois, do artigo 275.º, n.º 2, do Código Penal, versão de 1995 (antes da sua alteração pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro).

O entendimento contrário da maioria dos numerosos votos de vencido registados no citado Assento, para fixação de jurisprudência, n.º 2/98 (seguindo os doutos votos dos Exmo.s Conselheiros Leonardo Dias e Pedro Marçal) enfatiza sobretudo, em conformidade com o acórdão fundamento, que o sentido da jurisprudência fixada viola o princípio da legalidade, consagrado no artigo 1.º do Código Penal, uma vez que de nenhuma disposição legal decorre que, para além das armas elencadas como proibidas no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 207-A/75, de 17 de Abril, se devem considerar como tal as armas de fogo de calibre 6,35 mm resultantes de adaptação ou transformação clandestina de uma arma de gás ou de alarme. Argumenta-se ainda que nada na lei permite concluir pela invocada absoluta impossibilidade de manifesto ou registo de uma pistola de calibre 6,35 mm resultante da transformação de uma arma de gás ou de alarme; e que, mesmo que, eventualmente, se devesse interpretar o citado artigo 72.º e seus parágrafos no sentido, defendido no Assento n.º 2/98, de que a detenção de uma pistola de calibre 6,35 mm não registada ou manifestada, resultante de adaptação ou transformação fora das condições legais, constituía crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artigo 169.º do Código Penal de 1886, então o que se devia concluir era que o § 2.º daquele artigo 72.º fora revogado pelo artigo 275.º do Código Penal, na versão de 1995, em harmonia com o Assento n.º 3/97, de 6 deMarço.

Os factos objecto das decisões opostas, do acórdão recorrido e do acórdão fundamento, sobre a referida questão de direito, haviam ocorrido respectivamente em 6 de Agosto de 1995 e 25 de Setembro de 1995.

III O douto acórdão da Relação do Porto, ora recorrido, negando provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, confirmou douto despacho de 21 de Fevereiro de 2000 do Exmo. Juiz do 1.º Juízo de Competência Especializada...

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