Acórdão nº 121/23.1PAENT-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2024-02-06

Ano2024
Número Acordão121/23.1PAENT-A.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora


Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
O MP veio recorrer do despacho proferido pelo JIC que indeferiu a prestação de declarações para memória futura do ofendido (B), nos autos de Inquérito que correm termos contra o arguido (A), pela prática de factos suscetíveis de consubstanciar um crime de violência doméstica contra a sua ex-companheira (C) praticados na presença e também sobre a pessoa do (B).
Para o efeito apresentou as seguintes conclusões:
I. Por despacho judicial (com a referência 95109436, de 13.12.2023) proferido nestes autos, em que se investiga a prática do crime de violência doméstica (artigo 152º do Código Penal), por parte do arguido (A), na pessoa da sua ex-companheira (C) (artigo 152º do Código Penal), foi rejeitada a tomada de declarações para memória futura à criança (ofendida) (B).
II. É desta decisão que discordamos, e daí a interposição do presente recurso.
III. Nos presentes autos, em 06.12.2023 (com a referência 95067505) o Ministério Público promoveu a tomada de declarações para memória futura à testemunha (B) nos seguintes termos:
«Para o JIC:
Nos presentes autos investiga-se a prática de factos suscetíveis de configurar, em abstrato, a prática, pelo arguido (A), do crime de violência doméstica, na pessoa da sua ex-companheira (C) (artigo 152º do Código Penal).
Resulta dos autos que o arguido (A) e (C) têm um filho em comum, o (B), nascido em (…..).
Segundo aquilo que resulta dos autos, o filho comum terá presenciado situações agressivas.
Na verdade, resulta, das declarações da ofendida, que o arguido a agredia fisicamente, na presença do filho comum, que enquanto viveram juntos o denunciado por diversas vezes a colocou na rua juntamente com o filho menor.
Resulta ainda do teor do aditamento n.º 7, que o arguido, quando telefona ao filho comum profere expressões injuriosas, referindo-se à ofendida (como «não presta, mete nojo, …»).
Segundo a testemunha (D) (fls. que antecedem) «o arguido injuriou a ofendida e ameaçou a própria testemunha na frente do filho (B); que o arguido telefone ao (B) e diz ‘a tua mãe não vale um caralho, é uma puta’».
Em sede de interrogatório, (A) negou os factos.
Importa, assim, proceder à inquirição de (B), em sede de declarações para memória futura, de forma a impedir que o mesmo seja diversas vezes confrontado com os factos, revivendo-os, de forma a evitar a vitimização daquele e a evitar o agravamento da sua saúde e estado psicológico/ emocional.
Só com a audição de (B), em sede de declarações para memória futura, se garantirá a frescura da sua memória e declarações.
Importa proceder à audição de (B), em ambiente formal e sem a presença do arguido, de modo a assegurar que o mesmo seja o mais livre e imparcial possível, sendo as declarações de (B) fundamentais para a prova dos factos e para a realização da justiça.
Atendendo aos factos indiciados nos autos e aos elementos de prova recolhidos temos que (B) é particularmente indefeso, desde logo, pela sua tenra idade.
A criança terá sido ainda exposta a situações de violência doméstica, acabando por ser destinatária de atos de violência, sendo vítima daquele crime (artigo 2º, al. a) da lei 112/2009 de 16.09; artigos 152º, n.º 1, al. d), e), CP e 67º-A, n.º 1, al.), iii) CPP).
Impõe-se que o ofendido (B) seja ouvido, desde já, existindo o risco que o denunciado poder exercer pressão sobre o seu filho, comprometendo a recolha das suas declarações de forma livre.
Assim, apresente aos autos ao Mmo JIC, com a promoção que seja designada data para tomada de declarações para memória futura ao ofendido (B), nascido em (…..), nos termos dos artigos 1º, alínea j) e artigo 67.º-A, n.º 1, alínea a), ponto i), alínea b), n.º 3 e n.º 4 do Código de Processo Penal, 152º, 67º-A/1/a)iii)/b)/3 do Código Penal, 16º, n.º 2, artigos 2º, al. a), 33º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro (com a redação da Lei n.º 57/2021, de 16/08), 28º da Lei n.º 93/99, de 14 de julho, 17º, 21º, al. d), 22º, 24º da lei n.º 130/2015 de 04 de setembro, e da Diretiva n.º 5/2019 da PGR (Ponto IV – A – 1 e 2), a fim de as mesmas poderem ser tomadas em conta aquando do julgamento, bem como a aferir da necessidade de aplicação de medida de coacção para além do TIR, e bem assim para evitar a vitimização secundária decorrente de futuras inquirições do ofendido (B).
Importando que a audição de (B) seja feita o mínimo de vezes e o mais breve possível, assim se acautelando a frescura das suas memórias e se acautelando sucessivos e eventuais confrontos com o sistema judicial.
Mais se promove, que as declarações sejam tomadas na ausência do arguido, com a assistência de técnico especializado, a fim de garantir a espontaneidade dos seus depoimentos e bem assim que a documentação das declarações seja efetuada através de gravação audiovisual.
Nestes termos, e em conformidade com o que antecede, remeta os autos ao Mmo. Juiz de Instrução Criminal.»

IV. Por seu turno, no despacho ora recorrido, decidiu-se do seguinte modo:
«Investiga-se nos presentes autos a prática, pelo arguido (A), de factos suscetíveis de crime de violência previsto e punido pelo artigo 152.º do Código Penal, na pessoa da sua ex-companheira (C).
Ambos têm um filho comum (B), nascido em (…..), contando atualmente com 7 anos.
O Ministério Público veio requerer a prestação de declarações para memória futura por parte da referida criança.
Sustentou, para tanto, que os autos demonstram o seguinte:
«Na verdade, resulta, das declarações da ofendida, que o arguido a agredia fisicamente, na presença do filho comum, que enquanto viveram juntos o denunciado por diversas vezes a colocou na rua juntamente com o filho menor.
Resulta ainda do teor do aditamento n.º 7, que o arguido, quando telefona ao filho comum profere expressões injuriosas, referindo-se à ofendida (como «não presta, mete nojo, …»).
Segundo a testemunha (D) (fls. que antecedem) «o arguido injuriou a ofendida e ameaçou a própria testemunha na frente do filho (B); que o arguido telefone ao (B) e diz ‘a tua mãe não vale um caralho, é uma puta’»
Refere ainda que «a criança terá sido ainda exposta a situações de violência doméstica, acabando por ser destinatária de atos de violência, sendo vítima daquele crime (artigo 2º, al. a) da lei 112/2009 de 16.09; artigos 152º, n.º 1, al. d), e), CP e 67º-A, n.º 1, al.), iii) CPP».
Apreciando.
Ora, nos termos do artigo 33.º da Lei n.º 112/2009 de 16 de setembro «O juiz, a requerimento da vítima ou do Ministério Público, pode proceder à inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.»
É consabido que as declarações para memória futura constituem uma exceção ao princípio da imediação, pois as provas recolhidas sob a égide do juiz de instrução podem ser tomadas em conta no julgamento. Trata-se, no fundo, de uma antecipação parcial do julgamento.
Subjacente à admissibilidade deste instituto – declarações para memória futura – está o interesse público da descoberta da verdade material, a conservação da prova e o interesse da vítima.
Como é bom de ver, tal meio probatório reveste um caráter excecional, devendo ser sopesados os interesses da investigação com outros interesses que devam ser protegidos.
Tal ocorre justamente no caso de as declarações para memória futura deverem ser prestadas por uma criança, circunstância que exige uma prévia ponderação sobre a necessidade de a mesma ser utilizada como meio probatório e, como tal, sujeitá-la à tensão inerente à prestação de um depoimento em Tribunal no âmbito de uma ação penal.
Nestes termos, haverá que atender aos meios de prova disponíveis, concretamente assentes na prova pessoal, personificada na assistente (C) e na testemunha (D), seu companheiro, como também na eventual existência de prova documental materializada nas mensagens trocadas entre o arguido e a assistente.
Ademais, importa não desconsiderar que a testemunha (D) como também a própria assistente afirmaram que a criança era destinatária das chamadas do arguido que se traduziam em expressões insultuosas dirigidas à mãe.
Assim, perante a diversidade de meios de prova existentes no caso em apreço, revela-se desnecessária a prestação de declarações por parte da criança.
É clara a intenção do legislador que na recolha da prova se protejam as vítimas, nomeadamente as crianças de tenra idade, sendo que a sua capacidade limitada de contextualizar factos no espaço e no tempo e de produzir relatos detalhados e coerentes implica que as suas declarações têm uma utilidade mais limitada como meio de prova.
Por outro lado, a sujeição de uma criança desta idade a esta diligência, no âmbito de um conflito que opõe os seus pais, é suscetível de causar na mesma trauma considerável.
Assim sendo, o mais elementar bom senso leva a que só se recorra ao testemunho de crianças neste tipo de situações traumáticas quando seja absolutamente necessário à obtenção da prova e a realização das finalidades do processo penal, o que, como vimos, não é o caso dos autos.
Pelo exposto, indefiro o requerido.
Notifique e devolva.».

V. Salvo o devido respeito, o Ministério Público não concorda com a decisão proferida pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal (JIC).
VI. Resulta dos autos que (B) terá sido exposto a situações de violência dirigidas a sua mãe, assim sofrendo danos psicológicos, traumáticos.
VII. Não obstante a jovem idade de (B) o mesmo sente o sofrimento, a tristeza, o medo de sua mãe.
VIII. Por outro lado, o (B) acabou também por ser destinatário direto de violência por parte do progenitor/arguido. Na verdade a mãe de (B) (a ofendida (C)) disse que «enquanto viveram juntos o denunciado por diversas vezes a colocou na rua juntamente com o filho menor» (fls. 22 a 23).
IX. Nesta medida, (B) é testemunha e ofendido, é vítima especialmente vulnerável, desde logo, atenta a sua jovem idade e bem
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