Acórdão nº 96/16.3T9MGD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelFÁTIMA FURTADO
Data da Resolução08 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães.

(Secção penal) I.

RELATÓRIO No processo comum singular nº 96/16.3T9MGD, do Juízo Local de Competência Genérica de Mogadouro, do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, foi submetida a julgamento a arguida H. A.

, com os demais sinais dos autos.

A sentença, proferida a 7 de outubro de 2020 e depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo: «A. CONDENAR a arguida H. A. pela prática, em 4 de Novembro de 2016, em autoria material e na forma consumada: 1) de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, previsto e punido pelos artigos 148.º, n.º 1 e 3, 144.º, alínea b), 15.º, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal (em concurso aparente, com a contra-ordenação, prevista e punível pelo artigo 46.º, n.º 1 e 2 e 145.º, alínea f), do Código da Estrada (marcha atrás) e, com a contra-ordenação, prevista e punida pelo artigo 11.º, n.º 3 e 4, do Código da Estrada), na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta), o que perfaz a quantia total de € 1.040,00 (mil e quarenta euros), a que corresponderão, em caso de incumprimento, 106 (cento e seis) dias de prisão subsidiária; B. CONDENAR a arguida H. A. na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, prevista pelo artigo 69º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, pelo período de 6 (seis) meses.

  1. JULGAR parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela assistente/demandante civil ... e, consequentemente, CONDENAR a demandada civil X – Companhia de Seguros, SA no pagamento aos herdeiros daquela, devidamente habilitados nos autos, a quantia total de € 32.775,45 (trinta e dois mil setecentos e setenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora legais desde a presente data até efectivo e integral pagamento, à qual deverá ser deduzida a quantia de € 8.014,19 (oito mil e catorze euros e dezanove cêntimos), já paga pela demandada.

  2. CONDENAR a arguida H. A. nas custas do processo, fixando em 2 UC’s (duas unidades de conta), nos termos do disposto nos artigos 513.º, n.ºs 1 a 3, e 514.º, todos do Código do Processo Penal e tabela III do Regulamento das Custas Processuais, com referência ao artigo 8º, n.º 9 do mesmo diploma.

  3. Custas do pedido de indemnização civil a cargo do demandante civil A. C. e da demandada civil na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.

    *Notifique, sendo a arguida, com a advertência expressa de que: .

    deverá entregar a sua carta de condução neste Tribunal ou em qualquer posto da polícia, no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença, nos termos do disposto no artigo 500º, n.º 2, do Código do Processo Penal, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º1, alínea a), do Código Penal; .

    caso venha a conduzir no período de proibição, incorrerá na prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido no artigo 353.º do Código Penal.

    Após trânsito: .

    comunique aos Serviços de Identificação Criminal, nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1, alínea a), da Lei nº 57/98, de 18 de Agosto; .

    comunique à “Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária” e ao “Instituto da Mobilidade e dos Transportes”, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 500.º, n.º 1, do Código do Processo Penal; Proceda ao depósito da sentença, nos termos do preceituado nos artigos 372.º, n.º 5 e 373.º, n.º 2, ambos do Código do Processo Penal.» *Inconformada, a arguida H. A. interpôs recurso, apresentando a competente motivação que remata com as seguintes conclusões: I. «Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo no dia 07/10/2020, que condenou, além do mais, a Arguida “pela prática, em 4 de Novembro de 2016, em autoria material e na forma consumada: 1) de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, previsto e punido pelos artigos 148.º, n.º 1 e 3, 144.º, alínea b), 15.º, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal (em concurso aparente, com a contra-ordenação, prevista e punível pelo artigo 46.º, n.º 1 e 2 e 145.º, alínea f), do Código da Estrada (marcha atrás) e, com a contra-ordenação, prevista e punida pelo artigo 11.º, n.º 3 e 4, do Código da Estrada), na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,50 (seis euros e cinquenta), o que perfaz a quantia total de € 1.040,00 (mil e quarenta euros), a que corresponderão, em caso de incumprimento, 106 (cento e seis) dias de prisão subsidiária; B. CONDENAR a arguida H. A. na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, prevista pelo artigo 69º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, pelo período de 6 (seis) meses. (…)”; II. Sucede, porém, que, salvo o devido e sempre merecido respeito por opinião contrária aquela que ora se propugna, a Arguida, ora Recorrente, não se pode conformar com a decisão proferida, por considerar, no seu modesto entendimento, que a sentença padece de nulidade por ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento, atendendo a que a segunda acusação ora deduzida pelo Ministério Público, nos presentes autos, viola a norma constitucional do artigo 29.º n.º 5 - princípio ne bis in idem - e, bem assim, do disposto no artigo 32.º n.ºs 1 e 2 segunda parte da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade esta que aqui se deixa expressamente arguida para todos os efeitos legais.

    1. No âmbito dos presentes autos, por despacho proferido em 13 de Julho de 2018 (fls. 360 a 362), foi liminarmente rejeitada a acusação pública deduzida pelo Ministério Público contra a Arguida imputando-lhe a prática de um crime, com fundamento na insuficiente descrição do elemento subjectivo do tipo legal de crime em causa, porém, em 26 de Outubro de 2018, após devolução dos presentes autos ao Ministério Público, foi deduzida, nos presentes autos, nova acusação pública (fls. 376 a 383), que veio a ser recebida, por despacho de 7 de Dezembro de 2018, e que conduziu ao julgamento da Arguida e à sua condenação por sentença proferida em 07/10/2020, pela prática de um crime de ofensa à intrigada física grave por negligência.

      IV.

      In casu, a acusação deduzida pelo Ministério Público contra a Arguida foi rejeitada por insuficiente descrição do elemento subjectivo do tipo de crime em causa – ofensa à integridade física por negligência -, tendo os autos sido devolvidos ao Ministério Público para deduzir nova acusação.

    2. Porém, no humilde entendimento da Arguida e sempre ressalvando douto entendimento em sentido contrário ao que ora se propugna, os autos não deveriam ter sido devolvidos ao Ministério Público para dedução de nova acusação, isto porque, o Juiz que recebeu a acusação inicial, face às insuficiências dela constantes, deveria ter procedido ao arquivamento dos autos, pois o despacho proferido de rejeição da acusação tem alcance de caso julgado material.

    3. Nas duas acusações deduzidas contra a Arguida são narradas duas realidades fácticas que descrevem o mesmo evento em termos naturalísticos, em termos objetivos e também em termos de dignidade e de reacção penal, sendo que na acusação que culmina na sentença ora em crise, estamos perante a submissão do mesmo facto a juízo, pelo que há violação de caso julgado material.

    4. Pelo exposto, a aceitação da presente acusação que conduziu à sentença ora recorrida contende com princípios estruturantes do processo penal, como com as garantias e direitos fundamentais do arguido, sendo que este princípio da estrutura acusatória do processo penal está consagrado no artigo 32.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.

    5. Por seu turno, o artigo 29.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, ao proibir o mais - duplo julgamento - proíbe o menos, ou seja, a existência de um duplo processo, uma dupla acusação ou pronúncia do mesmo arguido pelos mesmos factos.

    6. Pelo exposto, se conclui que, e sempre ressalvando a mais reverenciada vénia por opinião em sentido contrário aquele que ora se propugna, as normas do artigo 283.º, 311.º n.ºs 1, 2 al.ª a) e 3 al.ª d) todas do Código de Processo Penal, conjugadas entre si e interpretadas e aplicadas no sentido de que, tendo sido deduzida acusação em processo contra a Arguida, imputando-lhe a prática de um crime de ofensa à integridade física grave por negligência, previsto e punido pelos artigos 148.º, n.º 1 e 3, 144.º, alínea b), 15.º, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, e tendo a acusação sido liminarmente rejeitada, nos termos e ao abrigo da citada norma do artigo 311.º do Código de Processo Penal, com o fundamento da insuficiente descrição do elemento subjectivo do tipo legal de crime em causa, vindo a ser deduzida nova acusação, pela prática, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, do mesmo crime, de igual modo, são materialmente inconstitucionais, porque são violadoras, designadamente, do disposto no artigo 29.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (princípio ne bis in idem) e, bem assim, do disposto no artigo 32.º n.ºs 1 e 2 segunda parte, do mesmo diploma, inconstitucionalidade esta que aqui se deixa expressamente arguida, para todos os efeitos legais.

    7. Assim, a douta sentença do Tribunal a quo, ao decidir como decidiu violou o disposto nos artigos 283.º e 311.º n.ºs 1, 2 alínea a) e 3 alínea d) do Código de Processo Penal, 621.º, 580.º e 581 n.º 1 do Código de Processo Civil e 4.º do Código de Processo Penal, termos em que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedentes as excepções invocadas e, em consequência, considere nula a decisão proferida no âmbito dos presentes autos, com as consequências legais, julgando extinto o procedimento criminal.

    8. Caso assim não se entenda, deverá atentar-se que, na douta sentença proferida, o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT