Acórdão nº 738/22 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Novembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução04 de Novembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 738/2022

Processo n.º 508/22

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82 de 15.11 (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17 de fevereiro de 2022 que negou provimento ao recurso por ele interposto, confirmando integralmente a sentença recorrida.

O recorrente foi condenado em 1.ª instância pela prática de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. p. pelo artigo 165.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal (CP), na pena de 3 anos e 6 meses de prisão e, bem assim, no pagamento de indemnização à lesada pela prática criminal no valor de € 10.000,00.

2. Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pelo sobredito acórdão de 17 de fevereiro de 2022, negou provimento ao recurso, como relatado.

O arguido apresentou de seguida requerimento, pedindo a aclaração do acórdão sobre um conjunto de questões e reclamando para que o Tribunal se pronunciasse quanto a outras.

Sobre este requerimento recaiu o acórdão de 7 de abril de 2022, que indeferiu o requerido.

3. A. veio então interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e, pela decisão sumária n.º 422/2022, o relator decidiu não conhecer do mérito do recurso com fundamento em inidoneidade do respetivo objeto, numa parte e, noutra, por a norma e interpretação normativa cuja fiscalização se peticionava não constituírem ratio decidendi do acórdão recorrido.

Os fundamentos foram os seguintes, para o que ora importa:

adiantamos desde já que o objeto do recurso definido pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso não reúne os requisitos supra expostos, pelo que não será possível proceder à sua apreciação de mérito.

Desde logo, no que respeita à norma do artigo 379.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal (CPP), o alegado pelo arguido a propósito de “omissão de pronúncia sobre as declarações da assistente proferidas na Polícia Judiciária, que foram alvo de confrontação em Tribunal, as restantes declarações das testemunhas quanto ao caráter do arguido e a forma como foram valoradas as SMS” (artigos 1.º) e uma inerente “nulidade” de que enfermasse o acórdão recorrido, pretensamente por “violar os requisitos do artigo 374.º, n.º 2, do CPP” (artigos 2.º e 3.º) – dispositivo legal que estabelece os requisitos formais de fundamentação das decisões finais em processo-crime –, deixa por manifesto que não estamos perante uma questão normativa que se inserisse nos poderes cognitivos do Tribunal Constitucional e que se coadunasse com o objeto necessário do recurso de fiscalização, em consonância com o supra exposto, mas, em completa oposição, com um pedido de apreciação da validade do aresto.

De forma idêntica, igualmente não é passível de conformar objeto do presente recurso o pedido de fiscalização do artigo 97.º, n.º 4 (artigos 2, 1.ª parte) ou da interpretação normativa do artigo 374.º, n.º 2, do CPP “segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª Instância (...) não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal, quer quanto aos factos provados, quer quanto aos não provados, por os considerar inócuos e colocar meios de prova nos factos, omitindo pronuncia sobre documentos ” (artigos 4.º e 5.º).

Quanto ao primeiro dos preceitos, em momento nenhum da decisão recorrida o artigo 97.º, n.º 4, do CPP é convocado a suportar o decidido e, de resto, atendendo ao seu conteúdo estatutivo (sobre a forma, escrita ou oral, das decisões jurisdsicionais em processo-crime) e ao objeto do recurso junto do Tribunal da Relação, seria francamente extravagante que pudesse ter sido.

Quanto à pretendida dimensão normativa do artigo 374.º, n.º 2, do CPP, em nenhum ponto do acórdão recorrido se encontra patenteado o entendimento sobre a disposição que se caracterizasse por admitir que as decisões em matéria de facto fossem fundamentadas da forma descrita pelo recorrente, assim sem necessidade de realizar apreciação de elementos probatórios, omitindo a enunciação dos processos lógicos de formação da convicção e descurando a análise da prova documental. Este excerto do requerimento, em verdade, traduz uma crítica que o recorrente dirige ao acórdão e é uma forma de lhe dirigir censura, não o destaque de um produto normativo em que assentasse o julgado; melhor dizendo, em substância não é mais do que a imputação ao Tribunal “a quo” da violação do dever de fundamentação quando decidiu, já não que tivesse decidido adotando uma forma peculiar de definir o alcance normativo do dever de fundamentação estabelecido no citado artigo 374.º, n.º 2, do CPP.

Enfim, o recorrente limita-se, nos excertos citados, a reclamar contra a validade do acórdão, censurando o julgado e imputando-lhe a inobservância de requisitos formais referentes à elaboração e organização das decisões em processo-crime. Conquanto, como dissemos, ao Tribunal Constitucional não é consentido formular juízo sobre essas matérias (cfr. artigo 6.º da LTC) e porque este foro não se acha sequer enquadrado na jurisdição criminal e em relação de hierarquia para com o Tribunal “a quo” para estes efeitos, não é possível conhecer das questões colocadas.

A inidoneidade do objeto do recurso é ainda mais flagrante no que tange os pedidos de fiscalização das normas do artigo 71.º, n.º 2 (o recorrente indica o “n.º 1”, mas será de relevar o lapso de escrita), alíneas d) e e) do CP (critérios para a determinação concreta da pena), por apelo a “apreciação da conduta [do recorrente] anterior e posterior aos factos” (artigos 8.º) e, bem assim, do artigo 50.º, n.º 1, do CP (pressupostos e duração da suspensão da pena), que se pretende sindicado quando interpretado “no sentido que apesar de nunca ter praticado um crime deste teor, que tenha a sua vida familiar e profissional devidamente enquadrada, ou seja estar inserido social e laboralmente, nunca mais tendo importunado a vitima, não é digno de lhe ser aplicada a suspensão da pena” (artigos 9.º).

Da formulação constante do requerimento de interposição resulta que o recorrente se insurge, não contra um quadro legal ou programa normativo, mas contra a própria decisão, que entende não ter aplicado devidamente o quadro normativo de determinação concreta da pena e de substituição da pena de prisão, quando em confronto com a factualidade apurada a respeito de indicadores de entrosamento do recorrente e necessidades de prevenção especial. Pretende-se, pois e nesse seguimento, que a decisão seja revista pela mediação do sistema jurídico-penal (cuja compaginação com a Constituição ou para com lei de valor reforçado, em bom rigor, não se discute) tendo em vista obter uma orientação e resultado que o recorrente entenderá mais conforme com os princípios constitucionais que se podem entender subjacentes ao seu argumentário.

Estamos perante, está bom de ver, o paradigma do tipo de matérias excluídas dos poderes cognitivos do Tribunal Constitucional, em que, já resulta do que ficou dito, não se compreende “a valoração jurídico-penal dos factos pertinentes ” ou a sua melhor subsunção para com o Direito ordinário, maxime a respeito da operação de determinação concreta da pena e da aplicabilidade do catálogo de penas de substituição (v., C. LOPES DO REGO, op. cit., p. 166, que cita também os acórdãos do TC n.º 78/09 e 604/99). Neste segmento, pois, é tanto mais transparente que não está colocada a sindicância da compaginação de norma ou interpretação normativa para com princípios ou normas constitucionais, mas, apenas e somente, um impulso impugnatório que aborda este Tribunal como se se tratasse de uma instância integrada na jurisdição criminal e que possuísse no seu leque de competências o controlo da legalidade de decisões judiciais. Como vimos, não é esse o caso.

Em face de todo o exposto, resta concluir que se sinalizam vícios da instância de recurso por falta de verificação de pressupostos processuais típicos e próprios do meio de processo em causa (recurso para o Tribunal Constitucional) de sindicância oficiosa e que obstam à apreciação de mérito do recurso, impondo-se a inerente decisão de inadmissibilidade (cfr. artigos 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa e artigos 6.º, 70.º, n.º 1, alínea b), 71.º, n.º 1 e 79.º-C, todos da LTC”

4. O recorrente reclamou para a conferência desta decisão, ora nos seguintes termos:

“(…)

Decidiu o Tribunal Constitucional («TC»), na decisão reclamada, que não se encontravam reunidos os pressupostos processuais para o conhecimento do recurso interposto pelo ora Reclamante. Embora o recurso tivesse sido admitido pelo Tribunal recorrido, veio o Juiz Conselheiro Relator alegar que "em face de todo o exposto resta concluir que se sinalizam vícios da instancia de recurso por falta de verificação de pressupostos processuais típicos e próprios do meio de processo em causa (recurso para o Tribunal Constitucional) de sindicância oficiosa e que obstam à apreciação de mérito do recurso, impondo-se a inerente decisão de inadmissibilidade (cfr.art 280º nº 1 alinea b) da CRP e artigos 6º, 70º, nº 1 alínea b), 71º nº 1 e 79º-C , todos da LTC, articulados com o disposto nos artigos 576º nº 2 e 2 , 577º, corpo do texto e 578º, todos do Código processo Civil, ex vi artigo 69º da LTC)

Decidindo "não tomar conhecimento do objecto do recurso" e fixando a taxa de justiça a pagar pelo Recorrente em 7 (cinco) UCs.

2.º

Subjacente a essa decisão está, por um lado, o entendimento de que não teria sido suscitado durante o processo e de...

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