Acórdão nº 604/99 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Novembro de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Tavares da Costa
Data da Resolução09 de Novembro de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 604/99

Proc. nº 53/98

  1. Secção

Rel. Cons. Tavares da Costa

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional

I

1. - C... foi condenado, em processo comum, no Tribunal de Círculo de Vila do Conde, por acórdão de 4 de Dezembro de 1996, como autor de um crime previsto e punido pelo artigo 37º, nºs. 1 e 3, do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, na pena de 3 anos de prisão e 100 dias de multa, à taxa diária de 10.000$00, ou, em alternativa, em 66 dias de prisão, e, bem assim, condenado na restituição ao Estado da importância de 71.893.296$00, ao abrigo do artigo 39º do mesmo diploma legal.

Foi, no entanto, suspensa a execução da pena, pelo período de dois anos e meio, sob condição de proceder à efectiva reposição integral da referida importância em dinheiro, no prazo de doze meses.

O arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo, nas respectivas alegações, suscitado a questão de inconstitucionalidade daquele artigo 37º, na interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida, implicando uma interpretação extensiva do preceito, "violadora dos princípios da tipicidade, proporcionalidade, danosidade social, subsidariedade e fragmentaridade do direito penal, isto é, uma interpretação inconstitucional do preceito, por ofensiva do disposto nos artigos 29º, nº1, e 18º, nº 2, CRP" (Constituição da República Portuguesa).

O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 6 de Novembro de 1997, negou provimento ao recurso, confirmando na íntegra a decisão recorrida.

2. - Inconformado, o arguido interpôs deste aresto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade (da norma) do artigo 37º, nº 1, do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, na interpretação adoptada no acórdão impugnado, "de considerar abrangidas pela norma as hipóteses em que não ocorre a frustração da concretização dos programas que, relativamente às acções promovidas no âmbito do Fundo Social Europeu, determinaram a outorga do subsídio" - interpretação essa "de natureza extensiva e violadora dos princípios da tipicidade, danosidade social, subsidariedade e fragmentaridade do direito penal, e, por essa via, dos artigos 29º, nº 1, e 18º, nº 2, CRP".

Admitido o recurso, alegaram o recorrente e o Ministério Público, como recorrido.

O primeiro concluiu assim:

"1.- O tipo legal de crime previsto no artº 37º, nº 1 do DL 28/84, de 20 de Janeiro, só é preenchido se e quando se frustra a concretização dos programas que determinaram a outorga do subsídio. Ora,

  1. - no caso vertente a formação profissional que justificou a atribuição do subsídio supostamente desviado foi executada, com qualidade, nos moldes acordados com o FSE.

  2. - apenas se imputando ao Recorrido o comportamento ilícito de ter atribuído à acção despesas e montantes arbitrariamente pré-ordenados ao limite do orçamento aprovado, sem qualquer correspondência com os reais custos suportados.

  3. - A inclusão deste comportamento no âmbito do citado artº 37º, nº 1, implica uma interpretação extensiva do preceito, violadora dos princípios da tipicidade, proporcionalidade, danosidade social, subsidaridade e fragmentaridade do direito penal e ainda do princípio non bis in idem.

  4. - Assim interpretada, com tão lata extensão, essa norma é inconstitucional, por ofensiva do disposto, entre outros, nos artºs. 29º, nº 1, e 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa,

  5. - nomeadamente porque quer o direito comunitário quer o direito nacional (este pela previsão directa do caso e pelo que resulta de lugares paralelos) prevêem sanções de outra natureza diferente da criminal para as condutas agora tidas em consideração."

    Por sua vez, o magistrado do Ministério Público formulou as seguintes conclusões:

    "1. O interesse público da "correcta aplicação de dinheiros públicos" exige a tipificação legal, no plano da criminalidade económica, de condutas eticamente censuráveis;

  6. O juízo sobre a necessidade do recurso aos meios penais cabe, em primeira linha, ao legislador, só devendo censurar-se as soluções legislativas que forem manifestamente excessivas;

  7. Haverá, assim, que concluir que a norma constante do artigo 37º, nº 1, do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro, não se mostra violadora das normas constitucionais invocadas pelo recorrente;

  8. Termos em que deverá improceder o presente recurso."

    Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    II

    1. - Constitui objecto do presente recurso de constitucionalidade a apreciação da norma do nº 1 do artigo 37º, nº 1, do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro - na interpretação enunciada - a qual, inserida no diploma que alterou o regime em vigor em matéria de infracções antieconómicas e contra a saúde pública, dispõe assim:

    "1.- Quem utilizar prestações obtidas a título de subvenção ou subsídio para fins diferentes daqueles a que legalmente se destinam será punido com prisão até 2 anos ou multa não inferior a 100 dias."

    Pretende-se, com esta incriminação tutelar criminalmente a fraude na obtenção de créditos, dada não só a gravidade dos efeitos da correspondente actuação como a necessidade de proteger o interesse da correcta aplicação de dinheiros públicos nas actividades produtivas, até então ignorados pela nossa ordem jurídica - como se lê no preâmbulo do diploma.

    ...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
5 temas prácticos
  • Acórdão nº 376/23 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Junho de 2023
    • Portugal
    • 7 de junho de 2023
    ...jurídico aplicável (cfr. artigos 6.º e 71.º, n.º 1, ambos da LTC; (v., C. LOPES DO REGO, op. cit., p. 166; também acórdãos do TC n.º 78/09 e 604/99, aí citados): também aqui, a matéria colocada é inteiramente estranha ao objeto necessário do recurso de Dito de outra forma, o recorrente, nes......
  • Acórdão nº 13/22 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Janeiro de 2022
    • Portugal
    • 6 de janeiro de 2022
    ...da matéria de facto, sedimentada ao longo do processo” (v., C. LOPES DO REGO, op. cit., p. 166, que cita também os acórdãos do TC n.º 78/09 e 604/99). Conclui-se, em face de todo o exposto, que os recurso interpostos são inidóneos face à ausência de carácter normativo dos respetivos objetos......
  • Acórdão nº 740/22 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Novembro de 2022
    • Portugal
    • 4 de novembro de 2022
    ...das decisões ou escolher a melhor interpretação de Direito (v., C. LOPES DO REGO, op. cit., p. 166; também acórdãos do TC n.º 78/09 e 604/99, aí citados). Concluímos já, sendo assim, que não se acha formulado um pedido de fiscalização da compaginação de um ato normativo para com princípios ......
  • Acórdão nº 738/22 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Novembro de 2022
    • Portugal
    • 4 de novembro de 2022
    ...da aplicabilidade do catálogo de penas de substituição (v., C. LOPES DO REGO, op. cit., p. 166, que cita também os acórdãos do TC n.º 78/09 e 604/99). Neste segmento, pois, é tanto mais transparente que não está colocada a sindicância da compaginação de norma ou interpretação normativa para......
  • Peça sua avaliação para resultados completos
5 sentencias
  • Acórdão nº 376/23 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Junho de 2023
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 7 de junho de 2023
    ...jurídico aplicável (cfr. artigos 6.º e 71.º, n.º 1, ambos da LTC; (v., C. LOPES DO REGO, op. cit., p. 166; também acórdãos do TC n.º 78/09 e 604/99, aí citados): também aqui, a matéria colocada é inteiramente estranha ao objeto necessário do recurso de Dito de outra forma, o recorrente, nes......
  • Acórdão nº 13/22 de Tribunal Constitucional (Port, 06 de Janeiro de 2022
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 6 de janeiro de 2022
    ...da matéria de facto, sedimentada ao longo do processo” (v., C. LOPES DO REGO, op. cit., p. 166, que cita também os acórdãos do TC n.º 78/09 e 604/99). Conclui-se, em face de todo o exposto, que os recurso interpostos são inidóneos face à ausência de carácter normativo dos respetivos objetos......
  • Acórdão nº 740/22 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Novembro de 2022
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 4 de novembro de 2022
    ...das decisões ou escolher a melhor interpretação de Direito (v., C. LOPES DO REGO, op. cit., p. 166; também acórdãos do TC n.º 78/09 e 604/99, aí citados). Concluímos já, sendo assim, que não se acha formulado um pedido de fiscalização da compaginação de um ato normativo para com princípios ......
  • Acórdão nº 738/22 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Novembro de 2022
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 4 de novembro de 2022
    ...da aplicabilidade do catálogo de penas de substituição (v., C. LOPES DO REGO, op. cit., p. 166, que cita também os acórdãos do TC n.º 78/09 e 604/99). Neste segmento, pois, é tanto mais transparente que não está colocada a sindicância da compaginação de norma ou interpretação normativa para......
  • Peça sua avaliação para resultados completos

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT