Acórdão nº 131/22 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Fevereiro de 2022

Data15 Fevereiro 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 131/2022

Processo n.º 1013/2021

1.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Benedita Urbano

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), em que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público (MP) e B., foi interposto recurso de constitucionalidade pelo primeiro, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e g), 75.º n.º 1, e 75.º-A, n.os 1 e 2, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15.11, na redação que lhe foi dada, por último, pela Lei Orgânica n.º 4/2019, de 13.09 - LTC), dos acórdãos do tribunal a quo de 01.07.2021 e de 09.09.2021.

A decisão do TRL de 01.07.2021 negou provimento ao recurso e confirmou a decisão de 25.02.2021, proferida pelo Juízo Central Criminal do Funchal do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, que condenou o ora recorrente, então arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de seis anos e seis meses de prisão, e ao pagamento das quantias de €3.000,00 e de €25.000,00 às duas assistentes do processo, respetivamente, a ex-cônjuge e a filha do recorrente.

A decisão do TRL de 09.09.2021 julgou não verificados os vícios imputados pelo ora recorrente ao acórdão de 01.07.2021.

2. No recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade apresentado, o recorrente delimitou o objeto do recurso nos seguintes termos:

“[...]

apreciação da inconstitucionalidade da interpretação feita por este Tribunal da Relação, das seguintes normas:”

“A) Da inconstitucionalidade das normas constantes dos art.º s 123, 97 n.º 5, 414º, nº 4, aplicável “ex vi” do 379º, nº 1 al) c, ambos do CPP, na interpretação feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e a sua conjugação com as normas dos art.º s 32 n.º 1 e 205, n.º 1, ambos da CRP, i.e., a interpretação feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa, segundo a qual, não obstante o arguido ter arguida a irregularidade do despacho da 1.a instância por falta de fundamentação, entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa, que a remessa dos autos ao tribunal a quo “...só teria como efeito o atraso na decisão destes autos, que são urgentes, por se tratar de violência doméstica", e ainda (segundo o Tribunal da Relação de Lisboa) "...no nosso anterior acórdão, entendemos que o acórdão proferido pela 1.ª instância não padece de nulidades, pelo que o resultado sempre seria o mesmo, o de concluirmos que não padecia de nulidades, assim ficando prejudicada a apreciação da irregularidade suscitada”, conforme se alcança de fls.,12 do acórdão proferido em 09/09/2021 (ref: 17347410);

B) Da inconstitucionalidade das normas constantes dos art.º s 410 n.º 2, als., b, e c, 379 n.º 1 al) c do CPP, na interpretação feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e a sua conjugação com as normas constitucionais dos art.ºs 32 n.º 1 e 205, n.º 1, ambos da CRP, ou seja, na interpretação feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa, segunda a qual (contradição insanável entre fundamentação) "...Existindo, na verdade, essa contradição, o nosso anterior acórdão não é omisso sobre a questão, uma vez que, depois de apreciar expressamente outra contradição, invocada, dissemos : Não existe, pois, a apontada contradição e também não vislumbramos na decisão recorrida qualquer outra destas contradições " (cfr: fls., 12 do acórdão proferido em 09/09/2021 - ref: 17347410);

C) Da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 412.º, n.º 3 e n.º 4 e 417 n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que ainda que o Recorrente faça todas as menções referida naquela primeira norma (412 n.º s 3 e 4 do CPP), o Tribunal pode, ainda assim, se as indicações a que estes artigos aludem não constarem das conclusões da motivação de Recurso - não se pronunciar sobre as questões suscitadas no referido Recurso, mais concretamente o não conhecimento da impugnação da matéria de facto e a improcedência do Recurso nessa parte, sem que ao recorrente seja dada a oportunidade de suprir tal suposta deficiência, em especial, quando o Tribunal da Relação considera que o arguido não impugnou corretamente a matéria de facto, e portanto, não convidou o mesmo para corrigir as conclusões da motivação do seu recurso, "porque as mesmas deficiências técnicas constavam no corpo da motivação e o aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação (art.º 417/4 do CPP) - cfr: fls., 12 e 13 do acórdão com a ref: 17347410”.

No recurso em apreço foram formuladas as seguintes conclusões:

“II - Das Conclusões:

22.º

Não tendo a 1.ª instância fundamentado a alegada inexistência de tal irregularidade por falta de fundamentação como supra exposto, impunha-se pois ao Tribunal da Relação de Lisboa, que devolvesse os autos àquela instância, para que suprisse tal irregularidade processual, assim garantindo também em tal questão o direito do arguido ao recurso.

23.º

Não tendo o tribunal da relação de Lisboa, devolvido os autos à 1.a instância, nem tendo conhecido da dita irregularidade (conforme requerimento então apresentado na referida 1.° instância e por esta remetido ao Tribunal da mencionada Relação), impõe-se pois concluir-se legitimamente que o Tribunal da Relação de Lisboa, no seu acórdão proferido em 01/07/2021 e acórdão proferido em 09/09/2021, na interpretação que ali faz de tais normativos legais (supracitados) padece de manifesta inconstitucionalidade por violação das normas constitucionais a que aludem os art.s 32 n.º 1 da CRP e 205 n.º 1 da CRP, interpretação aquela cuja inconstitucionalidade impõe-se declarar no presente caso.

24.º

Não tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, emitido qualquer pronúncia sobre a então invocada contradição insanável entre fundamentação (conforme apontada em 164.º, 165.º e 175 das conclusões do recurso apresentado em 26/03/2021), nos termos identificados em B) e fazendo a interpretação normativa ali exposta, também impõe-se concluir que tal interpretação encontra-se ferida de inconstitucionalidade por manifesta violação do direito ao recurso (art.º n.º 1 da CRP e também ferida de inconstitucionalidade por violação do art.º 205 n.º 1 da CRP, no que tal norma constitucional impõe que os Tribunais fundamentem as suas decisões, sendo que tais inconstitucionalidades foram também suscitadas em requerimento endereçado ao referido Tribunal da Relação de Lisboa, em 14/07/2021, inconstitucionalidades que urge aqui declarar com as devidas consequências legais.

25.º

Tendo decidido o TRL (no seu acórdão datado de 09/09/2021 que não houve a tal respeito (reapreciação da matéria de facto acima referida) omissão de pronúncia, é manifesto que tal acórdão, tal como o acórdão proferido pelo mesmo Tribunal, em 01/07/2021 fez uma interpretação abusiva e claramente violadora, quer do art.º 412 n.º 3, quer dos art.s 417 n.º 3 e 414 n.º 2, todos do CPP, e por conseguinte, fez uma interpretação de tais normas que manifestamente violam a norma do art.º 32 n.º 1 e 205 n.º 1, ambos da CRP, em especial, por ter violado o direito ao recurso do arguido, ao não ter reapreciado tal matéria de facto impugnada, bem como decidiu em sentido contrário a jurisprudência já firmada a tal respeito pelo TC, nomeadamente, através do Ac. (TC) n.º 685/2020 (proc: 22/20), inconstitucionalidades aquelas que impõe-se também aqui declarar com as devidas consequências legais.

[...]”.

3. No TC foi proferida, nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, a Decisão Sumária n.º 737/2021, em que se decidiu “não conhecer do objeto do recurso”, com os fundamentos que de seguida parcialmente se reproduzem.

3.1. Quanto à convocação da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC como um dos fundamentos legais do recurso:

“[…]

No que concerne aos requisitos da admissibilidade previstos na alínea em questão, é necessária a aplicação, pelo tribunal a quo, de norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo TC. A este respeito, Lopes do Rego refere que “é admissível este tipo de recurso quando a decisão recorrida tiver afrontado – não uma decisão de inconstitucionalidade – mas uma precedente decisão interpretativa do Tribunal Constitucional fundada no disposto no artigo 80.º, n.º 3, fixando a interpretação normativa que se considera adequada para evitar a inconstitucionalidade de certa norma. (…) A admissibilidade do recurso previsto na alínea g) pressupõe uma estrita e perfeita coincidência entre a norma ou interpretação normativa já precedentemente julgada inconstitucional e a norma (ou uma interpretação dela) efetivamente aplicada à dirimição do caso pelo tribunal ‘a quo’: esta situação torna-se particularmente evidente nos casos em que o precedente juízo de inconstitucionalidade incidiu apenas sobre determinada parcela, segmento ou interpretação da norma (como ocorre nas decisões de inconstitucionalidade parcial, quantitativa ou qualitativa) – não sendo admissível o recurso fundado na alínea g) quando o tribunal ‘a quo’ tenha, afinal, aplicado outros segmentos ou dimensões da norma, não abrangidos pelo anterior juízo de inconstitucionalidade” (cfr. C. Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Coimbra, 2010, p. 147). Ora, o recorrente não identificou a aplicação pelo tribunal a quo de norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo TC, daí que não seja admissível o presente recurso com fundamento na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.

3.2. Quanto às alegadas ‘interpretações normativas’ que teriam sustentado a decisão recorrida:

“Como facilmente se percebe, é de juízos concretos que realmente se recorre, disfarçando-os sob a aparência de um pedido...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
4 temas prácticos
  • Acórdão nº 731/22 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Novembro de 2022
    • Portugal
    • 3 de novembro de 2022
    ...2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 32.º da Constituição da República Portuguesa. Assim, na senda da fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 131/2022, de 15 de fevereiro de 2022, e contrariamente ao decidido sumariamente pelo Colendo Conselheiro Relator, não estamos perante qualquer ......
  • Acórdão nº 740/22 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Novembro de 2022
    • Portugal
    • 4 de novembro de 2022
    ...2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 32.º da Constituição da República Portuguesa. Assim, na senda da fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 131/2022, de 15 de fevereiro de 2022, e contrariamente ao decidido sumariamente pelo Colendo Conselheiro Relator, não estamos perante qualquer ......
  • Acórdão nº 89/23 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Março de 2023
    • Portugal
    • 16 de março de 2023
    ...de razão, para dele conhecer-se) cabe pois ao Plenário deste Tribunal. 6. Assim, na senda da fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 131/2022, de 15 de Fevereiro de 2022, e contrariamente ao decidido sumariamente, não estamos perante qualquer tipo de impugnação direta da pró......
  • Acórdão nº 4/23 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Janeiro de 2023
    • Portugal
    • 18 de janeiro de 2023
    ...de razão, para dele conhecer-se) cabe pois ao plenário deste Tribunal. 6. Assim, na senda da fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 131/2022, de 15 de Fevereiro de 2022, e contrariamente ao decidido sumariamente, não estamos perante qualquer tipo de impugnação direta da pró......
4 sentencias
  • Acórdão nº 731/22 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Novembro de 2022
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 3 de novembro de 2022
    ...2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 32.º da Constituição da República Portuguesa. Assim, na senda da fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 131/2022, de 15 de fevereiro de 2022, e contrariamente ao decidido sumariamente pelo Colendo Conselheiro Relator, não estamos perante qualquer ......
  • Acórdão nº 740/22 de Tribunal Constitucional (Port, 04 de Novembro de 2022
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 4 de novembro de 2022
    ...2.º, 20.º, n.º 1 e n.º 4 e 32.º da Constituição da República Portuguesa. Assim, na senda da fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 131/2022, de 15 de fevereiro de 2022, e contrariamente ao decidido sumariamente pelo Colendo Conselheiro Relator, não estamos perante qualquer ......
  • Acórdão nº 89/23 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Março de 2023
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 16 de março de 2023
    ...de razão, para dele conhecer-se) cabe pois ao Plenário deste Tribunal. 6. Assim, na senda da fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 131/2022, de 15 de Fevereiro de 2022, e contrariamente ao decidido sumariamente, não estamos perante qualquer tipo de impugnação direta da pró......
  • Acórdão nº 4/23 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Janeiro de 2023
    • Portugal
    • [object Object],Tribunal Constitucional (Port
    • 18 de janeiro de 2023
    ...de razão, para dele conhecer-se) cabe pois ao plenário deste Tribunal. 6. Assim, na senda da fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 131/2022, de 15 de Fevereiro de 2022, e contrariamente ao decidido sumariamente, não estamos perante qualquer tipo de impugnação direta da pró......

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT