Acórdão nº 21/22 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução10 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 21/2022

Processo n.º 9/2022

Plenário

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, no Plenário, do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. O Partido Aliança, através do seu mandatário eleitoral para a candidatura apresentada no Círculo Eleitoral do Distrito de Coimbra às eleições para a Assembleia da República, designadas para o próximo dia 30 de janeiro, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 32.º, n.ºs 1 e 2, da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, aprovada pela Lei n.º 14/79, de 16 de maio, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 4/2020, de 11 de novembro (doravante, «LEAR»), do despacho proferido em 31 de dezembro de 2021 pelo Juiz Presidente da Comarca de Coimbra, que indeferiu a reclamação apresentada pelo recorrente contra a admissão das candidaturas apresentadas pelo CDS – Partido Popular (CDS-PP) e pelo Partido Chega.

2. Na decisão recorrida lê-se o seguinte:

«O Partido Aliança apresentou reclamação contra a admissão das candidaturas do Partido CDS-PP e do Partido Chega, afirmando que as respetivas listas de candidatos não cumprem a obrigação de representação mínima de 40% de cada um dos sexos imposta pelo artigo 2.º, n.º 1, da Lei da Paridade nos Órgãos Colegiais Representativos do Poder Político (Lei Orgânica n° 3/2006, de 21 de agosto, retificada pela Declaração de Retificação n.º 71/2006, de 4 de outubro, e alterada pela Lei Orgânica n° 1/2017, de 2 de maio, e pela Lei Orgânica n° 1/2019, de 29 de março).

Notificados para o efeito, os mandatários das listas do Partido CDS-PP e do Partido Chega apresentaram respostas, nas quais procedem à correção das respetivas listas, de modo a satisfazerem a referida representação mínima.

Importa apreciar e decidir a reclamação apresentada, nos termos do artigo 30.º, n.º 4, da L.E.A.R.

Como se postula no artigo 109.º da Constituição da República Portuguesa, “a participação direta e ativa dos homens e mulheres na vida política constitui condição e instrumento fundamental da consolidação do sistema democrático, devendo a lei promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação em função do sexo no acesso aos cargos políticos”.

Desse modo, as listas de candidatura à eleição para a Assembleia da República deverão observar os ditames da Lei da Paridade.

Ora, neste diploma legal, a noção de paridade consta do seu artigo 2.º n.º 1:a representação mínima de 40% de cada um dos sexos, arredondada, sempre que necessário, para a unidade mais próxima”.

Como elemento de materialização e de operacionalização prática deste limite mínimo, estabelece o artigo 2.º, n° 2, da referida lei, a impossibilidade de colocação de mais do que dois candidatos do mesmo sexo, consecutivamente, na ordenação das listas. Este requisito de intercalação constitui o mecanismo que assegura a efetivação do requisito da paridade de representação de cada sexo no universo de candidatos.

A lei não prevê, assim, dois requisitos cumulativos (o mínimo de 40% de cada sexo + o requisito de intercalação). Ao invés, a lei operacionaliza a noção de paridade (o mínimo de 40% de cada sexo) através do requisito de intercalação.

Por conseguinte, para dar cumprimento ao pressuposto do artigo 2.º da Lei da Paridade, basta que a lista de candidatos satisfaça o referido requisito de intercalação, ou seja, que não sejam colocados mais de dois candidatos do mesmo sexo, consecutivamente, na ordenação da lista.

E para a aplicação desta regra, relevam todos os candidatos efetivos e suplentes até ao número igual ao dos efetivos.

É certo que a redação original do n.º 1 do artigo 2.º da Lei da Paridade previa uma representação mínima de cada sexo de apenas 33,3% (um terço), totalmente consonante com os termos do requisito de intercalação do n° 2 da mesma norma legal. Porém, a redação dessa norma legal veio a ser alterada pela Lei Orgânica n° 1/2019, de 29 de março, em cujo artigo 2.º se estabeleceu:

Artigo 2.º

Alteração à Lei Orgânica n.º 3/2006, de 21 de agosto

Os artigos 1.º, 2.º, 4.º e 8.º da Lei Orgânica n.º 3/2006, de 21 de agosto, na sua redação atual, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 1.º Âmbito

1 — As listas de candidaturas apresentadas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para os órgãos eletivos das autarquias locais, bem como a lista de candidatos a vogal das juntas de freguesia, são compostas de modo a assegurar a paridade entre homens e mulheres.

2 — As listas de candidatos às mesas dos órgãos deliberativos das autarquias locais são compostas de modo a respeitar a paridade entre homens e mulheres.

Artigo 2.º

[...]

1 — Entende-se por paridade, para efeitos de aplicação da presente lei, a representação mínima de 40 % de cada um dos sexos, arredondada, sempre que necessário, para a unidade mais próxima.

2 — Para cumprimento do disposto no número anterior, não podem ser colocados mais de dois candidatos do mesmo sexo, consecutivamente, na ordenação da lista.

3 – (Revogado.)

4 — .....”

Como se pode observar, esta lei, que alterou a Lei da Paridade, consagrou uma nova redação para ambos os números (1 e 2) do artigo 2º da Lei da Paridade, impondo no número 1 a representação mínima de 40% de cada sexo (em vez dos anteriores 33,3%), mas mantendo expressamente o requisito de intercalação do número 2 nos mesmos termos, ou seja, exigindo de forma expressa apenas a não colocação de mais de dois candidatos do mesmo sexo, consecutivamente, na ordenação da lista.

Como se dispõe no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. Assim sendo, cremos que não restará ao intérprete mais do que aceitar a vontade expressa do legislador, que colocou como requisito de cumprimento da Lei da Paridade apenas a satisfação do mencionado requisito de intercalação (artigo 2.º, n.º 2, da Lei da Paridade),

Ora, ambas as listas impugnadas (Partido CDS-PP e Partido Chega) deram cumprimento ao referido pressuposto (não colocação de mais de dois candidatos do mesmo sexo, consecutivamente, na ordenação da lista), pelo que cumprem os ditames da Lei da Paridade.

A reclamação revela-se, portanto, improcedente.

Não se justificava, em consequência, a emissão de qualquer convite aos mandatários das listas do Partido CDS-PP e do Partido Chega no sentido da correção das listas apresentadas com base nos ditames da Lei da Paridade.

De todo o modo, o Tribunal Constitucional entendeu já que o suprimento das irregularidades processuais na apresentação de candidaturas pode ser feito por iniciativa dos interessados, sponte sua, independentemente de despacho do juiz (Acórdão do T.C. n° 218/85). Assim, se o processo de apresentação de candidaturas contiver irregularidades, estas tanto podem ser supridas após a notificação do tribunal, como por iniciativa espontânea do mandatário, independentemente de notificação efetuada para o efeito, até ao despacho de admissão ou rejeição (Acórdãos do T.C. n° 227/85, 236/85 e 527/89).

Admite-se, portanto, a possibilidade de substituição de um candidato dentro do prazo facultado para o suprimento de irregularidades, com o argumento de que “se se pode substituir um candidato que venha a ser considerado inelegível e se se pode completar uma lista que inicialmente não continha o número total de candidatos, parece evidente que por igualdade ou até maioria de razão, se pode substituir um candidato que não pode ser admitido por, em relação a ele, se não terem provado os chamados requisitos de apresentação” (Acórdão do T.C. n° 207/87). Seguindo a mesma linha de raciocínio, se um partido ou coligação concorrente a uma eleição tem a faculdade de aditar candidatos em falta, não se vislumbra qualquer razão para que não possa, por igualdade ou maioria de razão, proceder, sponte sua, no prazo de suprimento de irregularidades, a substituições nos candidatos primitivamente apresentados em virtude de desistência ou por outro motivo, uma vez que ainda não estava definitivamente admitida a respetiva lista (Acórdão do T.C. n° 565/89).

Contudo, no caso em apreço, não apenas já se esgotou o prazo de suprimento de irregularidades (artigo 27.º da L.E.A.R.), como se entende que estas não se verificavam, como acima se referiu. E é certo que não se verifica, in casu, qualquer dos pressupostos de que depende a faculdade de substituição de candidatos (artigo 37°, n° 1, da L.E.A.R. – “eliminação em virtude de julgamento definitivo de recurso fundado na inelegibilidade”, “morte ou doença que determine impossibilidade física ou psíquica”', “desistência do candidato”)

Em consequência, não são admissíveis as alterações que o Partido CDS-PP e o Partido Chega pretendem introduzir nas respetivas listas.

Concluindo, e pelo exposto, decide-se:

- Indeferir a reclamação apresentada pelo Partido Aliança:

- Indeferir as alterações que o Partido CDS-PP e o Partido Chega pretendem introduzir nas respetivas listas, mantendo-se estas inalteradas.

Notifique.

Proceda à afixação à porta do edifício do tribunal da relação completa de todas as listas admitidas - artigo 30.º, n.º 5, da L.E.A.R.

Proceda ainda à comunicação prevista no artigo 30.º, n.º 6, da L.E.A.R.»

3 . Desta decisão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, através de requerimento com o seguinte teor:

«Tendo sido notificado da decisão a 31/12/2021, despacho onde se determinava também a afixação de listas ao abrigo do n.º 5 do artigo 30.º da LEAR, facto que posteriormente ocorreu, pelo que se apresenta recurso do mesmo ao abrigo do artigo 32.º da referida LEAR.

1. O ora recorrente reclamou, em tempo, do despacho de afixação de listas pelo douto Tribunal...

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