Acórdão nº 4094/19.7T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelLEONOR CRUZ RODRIGUES
Data da Resolução08 de Junho de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Procº nº 4094/19.7T8PRT.P1.S1 4ª Secção LR/JG/CM Acordam em conferência na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

“STRONG CHARON – SOLUÇÕES DE SEGURANÇA, S.A.” notificada do despacho proferido pela Relatora em 16 de Março de 2021 que não admitiu o recurso de revista pela mesma interposto contra o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ….. em 21 de Outubro de 2020, vem apresentar reclamação para a Conferência, ao abrigo do disposto no artigo 652º, nº 3, aqui aplicável por força do artº 679º, ambos do Código de Processo Civil.

  1. O despacho proferido pela Relatora, ora reclamado, tem o seguinte teor: “1. Pela Ré “Strong – Charon – Soluções de Segurança, S.A.” foi interposto recurso do acórdão, proferido em 21 de Outubro de 2020, pelo Tribunal da Relação …., que julgando procedente o recurso interposto pela Ré “Prestibel, S.A.”, a condenou a reintegrar os Autores AA e BB e a pagar a cada um dos Autores € 906,76 da retribuição correspondente ao mês de janeiro de 2019, bem como todas as remunerações vencidas e vincendas posteriormente (aí se integrando a retribuição de férias, correspondentes subsídios e subsídios de Natal), estas a quantificar em incidente de liquidação.

  2. Por despacho da relatora de 16 de Fevereiro de 2021 foi suscitada a questão prévia da inadmissibilidade do recurso interposto, por, estando-se perante uma situação de coligação voluntária activa de dois Autores, os valores dos pedidos, considerados individualmente, serem de valor inferior ao valor da alçada do tribunal de que se recorre, ou seja, inferior a 30 000,00.

  3. Cumprido o contraditório veio a recorrente referir o seguinte: “1. Pese embora se esteja nos presentes autos perante uma situação de coligação ativa voluntária de dois Autores com o valor da ação, fixado pelo Tribunal Judicial da Comarca do …., Juízo do Trabalho do …. - Juiz …., na quantia de € 31.812,52, entende a Recorrente que deverá ser admito o recurso de Revista.

    Vejamos então, 2. Efetivamente, peticionaram os Autores que o Tribunal conhecesse sobre a verificação da transmissão da unidade económica e em consequência declarasse transmissão da posição de entidade empregadora, vide alínea a) do pedido vertido na douta petição inicial.

  4. Peticionaram ainda os Autores e a título subsidiário que a Recorrente fosse condenada a reintegrá-los no seu local de trabalho e no pagamento, a cada um deles, do valor de € 15.906,76 a título de retribuição correspondente ao mês de janeiro de 2019 e danos morais.

    4. Não obstante o valor dos pedidos líquidos individualmente formulados por cada um dos dois Autores se fixar na quantia de € 15.906,76, acontece que peticionaram igualmente os Autores que fosse reconhecida a transmissão da unidade e económica e a condenação na reintegração, vide alínea b) do pedido vertido na douta petição inicial.

  5. Estes dois pedidos de índole mais abstrata deverão igualmente ser tidos em consideração para efeitos de determinação do valor da ação.

  6. Em virtude do estatuído no art.º 305.º, n.ºs 1 e 2 do Código Processo Civil, a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido, ao qual se atenderá para determinar a competência do tribunal, a forma do processo, bem como da possibilidade de recurso das decisões e fixação do valor da taxa de justiça inicial.

  7. Se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro será esse o valor da causa; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente ao benefício – art.º 306.º, n.º 1 do Código Processo Civil.

  8. No que respeita aos pedidos efetuados pelos Autores de condenação da Recorrente no pagamento de danos morais e da retribuição do mês de janeiro de 2019 não se oferece grande dúvida quanto à expressão pecuniária destes dois pedidos.

  9. Ora, quanto ao pedido declarativo de reconhecimento da transmissão da posição da entidade empregadora por verificação da transmissão da unidade económica [objeto do presente recurso] e ao pedido de condenação de reintegração pelo despedimento ilícito não dispunham as partes qualquer mecanismo para atribuir um valor de expressão monetária, uma vez que representam interesses imateriais.

  10. Com efeito, os trabalhadores Recorridos pretendem que a sua pretensão jurídica seja acolhida juridicamente e nessa medida o Tribunal conheça e declare, em primeiro lugar, quem é a sua entidade empregadora, e consequentemente, seja condenada na obrigação de reintegração (facere).

  11. Por “interesses imateriais”, para efeitos do disposto no artº 312º do Código Processo Civil, terá de entender-se os que sejam insuscetíveis de serem reduzidos a mera expressão económica, ou seja, as ações em que estejam em causa relações jurídicas sem expressão pecuniária, sem conteúdo económico, ou em que este é meramente fictícia, nelas se incluindo as que têm por objeto direitos indisponíveis.

  12. Acresce ainda que a interpretação firmada por essa Casa sobre o valor da ação nos casos de coligação ativa voluntária resultar, não do valor global da ação, mas sim do valor dos pedidos individualmente formulados, não tem acolhimento na letra da lei, porquanto o artigo 629.º, n.º 1 do CPC prescreve que O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre. Realces nossos.

  13. Na verdade, a norma jurídica ínsita no artigo 629.º, n.º 1 do CPC faz referência ao valor da causa e não ao valor dos pedidos formulados, e utilizando o velho brocardo “onde a lei não distingue, não deverá o intérprete distinguir” 14. Neste contexto, a interpretação sedimentada sobre a regra da admissibilidade do recurso no que respeita ao valor da causa nas situações de coligação ativa voluntária não poderá, sempre com o devido respeito, subsistir por violação das regras interpretativas, presentes no artigo 9.º do Código Civil.

  14. Importa ainda destacar, ainda que a mero título exemplificativo, a admissão do recurso de revista no âmbito do processo n.º 357/13.3TTPDL.L1.S1, com decisão de 06-12-2017 (cfr. cópia acórdão n.º 357/13.3TTPDLL1.S2, que se junta em anexo), por diversas vezes transcrita nos presentes autos, 16. Nesse processo, em sede de despacho saneador foi fixado à causa o valor de € 75.421,89, correspondente à soma dos valores indicados nas 16 petições iniciais que lhe deram, contando com 16 pedidos individuais formulados pelos AA, circunstância que não impediu a admissão do recurso que foi sujeita à análise da Formação nos termos do artigo 672.º/3 do C.P.C.

  15. Ora, a par do que aconteceu nesse processo, nos presentes autos, o valor da causa fixado, por ser superior à alçada do Tribunal da Relação não pode, s.m.o. impedir o conhecimento do recurso de revista.

    Nestes termos, e nos melhores de Direito, deverá ser admitido o presente Recurso ordinário de Revista por verificação do pressuposto geral respeitante ao valor da causa” Cumpre decidir.

    Nos presentes autos estamos, o que não é controvertido, em presença de uma coligação voluntária activa de dois Autores, AA e BB.

    Os Autores atribuíram à acção o valor de € 31 812,52, correspondendo à soma do valor dos pedidos liquidados por cada um formulados.

    No despacho saneador foi fixado à causa o valor de € 31 812,52.

    No despacho preliminar sobre a admissibilidade do recurso interposto pela Ré sobre a admissibilidade do recurso foi entendimento da Relatora que o recurso interposto pela Ré “Strong – Charon – Soluções de Segurança, S.A.” foi suscitada pela Relatora a questão prévia da inadmissibilidade do mesmo por se estar perante uma situação de coligação voluntária activa de dois Autores em que o valor dos pedidos considerados individualmente são de valor inferior ao da alçada do Tribunal da Relação.

    Na resposta que apresentou invoca a recorrente, por um lado, que os pedidos de reconhecimento da transmissão da posição da entidade empregadora por verificação da transmissão da unidade económica e o pedido de condenação de reintegração pelo despedimento ilícito configuram efeitos imateriais, para efeitos do disposto no artigo 312º do Código de Processo Civil - referindo-se, cremos, ao artigo 303º, nº 1, do mesmo Código -, e que o artigo 629º, nº 1, do CPC se refere ao valor da causa e não ao valor dos pedidos formulados, não tendo o entendimento perfilhado por este Supremo Tribunal sobre a admissibilidade de recurso no que respeita ao valor da causa nas situações de coligação activa voluntária apoio na letra da lei, por outro.

    A questão da aplicação, no que ao valor da causa respeita, por nesta estarem em causa interesses imateriais, do critério consagrado no artigo 303º, nº 1, do Código de Processo Civil, nos termos do qual as acções sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais se consideram sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais € 0,01, está no caso vertente ultrapassada uma vez que o valor da causa foi fixado no despacho saneador, tendo tal decisão transitado em julgado.

    Como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal de 8.3.2018, Procº nº 4255/15.8T8VCT.-A.G1.S1., aresto em que vem referenciada abundante jurisprudência deste Supremo tribunal sobre tal temática: “ I. Cabe ao tribunal de primeira instância fixar o valor da causa, estando vedado aos tribunais de recurso usarem as faculdades previstas no art.º 306.º do Código de Processo Civil. II. Caso o valor da causa não seja fixado no despacho saneador, na sentença, ou em despacho proferido incidentalmente sobre o requerimento de interposição de recurso, deve a parte interessada arguir a nulidade, provocando despacho recorrível. III. Se a parte...

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