Acórdão nº 329/21 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução26 de Maio de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 329/2021

Processo n.º 244/19

1.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., S.A., recorrente nos presentes autos, em que é recorrido o Instituto do Turismo de Portugal, IP, interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que julgou improcedente a impugnação judicial da liquidação do imposto especial sobre o jogo, referente à concessão de jogo na zona permanente do Estoril, nos meses de junho, julho e agosto de 2017.

O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 20 de dezembro de 2018, negou provimento ao recurso.

2. É deste acórdão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC).

Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal Constitucional, o relator proferiu o seguinte despacho-convite:

«1. No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, o recorrente começa por referir o contexto em que no processo-base discutiu diversas questões de constitucionalidade. Indica, seguidamente, que o recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º, n.º 1, da LTC, referindo considerar «que o Imposto Especial do Jogo, tal como estabelecido na Lei do Jogo» é inconstitucional: i) devido a: «incompetência do Governo para legislar sobre essas matérias» (conclusão b); ii) por violação do «princípio constitucional da legalidade na sua vertente de reserva de lei material» (conclusão c); iii) por violação dos «princípios constitucionais da capacidade contributiva, do rendimento real e da proporcionalidade» (conclusão d); e iv) por violação do «princípio constitucional da igualdade» (conclusão e).

Todavia, o recorrente não chega a indicar nem os preceitos da dita “Lei do Jogo” nem as normas ou interpretação(ões) normativa(s) dos mesmos extraída que, tendo sido aplicada(s) pelo tribunal a quo, pretende que este Tribunal fiscalize quanto à sua compatibilidade com a Constituição.

2. Em face do exposto, convido o recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 5, 6 e 7 do artigo 75.º-A da LTC, a indicar, em termos claros, precisos e concisos, as concretas interpretações normativas cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, de tal modo que, se este Tribunal as vier a julgar desconformes com a Constituição, as possa enunciar claramente na decisão que proferir (cf., o Acórdão deste Tribunal n.º 367/94, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).

Prazo: dez dias.»

Nessa sequência, a recorrente apresentou a seguinte resposta (cf. fls. 5-TC e 6-TC):

«a) São objeto do presente recurso as normas contidas nos artigos 84°, 85°, 86° e 87° do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19/1 pela Lei nº 28/2004, de 16/7, pelo Decreto-Lei nº 40/2005, de 17/2, pela Lei nº 64-A/2008, de 31/12, pelo Decreto-Lei nº 114/2001, de 30/11, pelo Decreto-Lei nº 64/2015, de 29/4, pela Lei nº 42/2016, de 28/12, pela Lei nº 114/2017, de 29112, pela Lei nº 49/2018 de 14/8 e pelo Decreto-Lei nº 98/2018, de 27/11, por violação do princípio constitucional da legalidade, na sua vertente da matéria ser da competência exclusiva da Assembleia da República, como determina os artigos 103º, nº 2 e 165º, nº 1, i) da Constituição da República Portuguesa e violação do artº 165º, nº 2, também da Constituição da República Portuguesa;

b) São objeto do presente recurso as normas contidas no artº 87º, nº 1, C), b) e c), do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de dezembro, por violação do princípio constitucional da legalidade, estabelecido nos artigos 103º, nº 2 e 165º, nº 1, i), da Constituição da República Portuguesa;

c) São objeto do presente recurso as normas contidas nos artigos 84º, 85º, 86º e 87º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de dezembro, por violação do princípio constitucional da capacidade contributiva, emanação do princípio constitucional da igualdade (artigos 13º e 103º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa) e do princípio constitucional da tributação das empresas pelo lucro real (artigo 104º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa);

d) São objeto do presente recurso as normas contidas nos artigos 85º, 86º e 87º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de dezembro, por violação do princípio da igualdade (artigo 13º da Constituição da República Portuguesa»).»

3. Foi determinado o prosseguimento do processo para alegações, com advertência para a eventualidade de o objeto do recurso não poder ser conhecido, no todo ou em parte, devido à circunstância de a recorrente ter indicado, na resposta ao despacho convite, quanto às diversas questões de constitucionalidade mencionadas no seu requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, apenas os preceitos legais em que, segundo entende, se alojam as normas que pretende sindicar à luz dos parâmetros constitucionais que invoca, omitindo, todavia, a indicação das interpretações normativas feitas a partir de tais preceitos e que podem integrar o objeto do presente recurso, o que, consequentemente, poderá levar a que não possa considerar-se satisfeita a exigência de indicação das normas cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende que o Tribunal aprecie (cfr. os artigos 75.º-A, n.º 1, e 78.º-A, n.º 2, da LTC) – cf. fls. 8-TC.

4. A recorrente apresentou alegações, que concluiu da seguinte forma (cf. fls. 28-TC a 32-TC):

«1ª) A recorrente tem por objeto social e efetiva atividade a exploração de jogos de fortuna ou azar na zona permanente do Estoril;

2ª) A atividade dos jogos de fortuna ou azar é disciplinada pelo Decreto-Lei n.º 422/89, de 2/12, diploma esse que, no Capítulo VII, estabelece o regime fiscal aplicável a essa atividade e às empresas que se dediquem a tal atividade;

3ª) O referido Decreto-Lei n.º 422/89 estabeleceu a sujeição das empresas que se dediquem a essa atividade a um “imposto especial pelo exercício da atividade do jogo” - Imposto do Jogo (artº 84º, n.º 1);

4ª) Liquidações desse imposto do jogo, por razões de natureza constitucional, foram impugnadas judicialmente no TAF de Sintra e, depois, em face da improcedência de tal impugnação, houve lugar a um recurso para a Secção do Contencioso Tributário do STA e, em face da improcedência de tal recurso, foi deduzido o presente recurso para o Tribunal Constitucional;

5ª) À semelhança do que foi feito pela recorrente do e no Processo que correu os seus termos no Tribunal Constitucional (2ª Secção, Processo nº 141/16), a aqui recorrente enunciou as normas objeto do recurso (artigos 84º, 85º, 86º e 87º do Decreto-Lei nº 422/89) e os princípios constitucionais violados por tais normas;

6ª) O regime fiscal da atividade do jogo, constante dos artºs 84º e ss do Decreto-Lei n.º 422/89, foi emitido ao abrigo da autorização legislativa concedida pela Assembleia da República através da Lei n.º 14/89, de 30/6;

7ª) Quer à época da publicação da referida Lei n.º 14/89, quer agora, a Constituição impõe que a lei de autorização legislativa tem de definir “o objeto o sentido, a extensão e a duração” dessa autorização (à época, artº 168º, n.º 1, i); hoje artº 165º, nº 1, i);

8ª) É indiscutível que os artigos 84º, 85º, 86º e 87º do Decreto-Lei n.º 422/89, regulam “a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”, matérias essas que, nos termos dos artºs 103º, n.º 2 e 165º, n.º 1, i), da Constituição, são da competência relativa da Assembleia da República;

9ª) Como é recordado no parecer do Prof. Sérgio Vasques, junto aos autos, a autorização legislativa constante da Lei n.º 14/89, não contem “nenhum critério orientador do uso dos poderes delegados”, como é a exigência da Constituição, conforme decisões do Tribunal Constitucional (entre outros, acórdão n.º 358/92);

10ª) Na verdade, autorizar o Governo a definir “o sistema fiscal aplicável ao exercício da atividade do jogo”, não cumpre, minimamente, a exigência constitucional quanto às autorizações legislativas;

11ª) É que a lei de autorização não indica, por forma mínima que seja, a incidência e as taxas do imposto de jogo;

12ª) E se é certo que o Decreto-Lei n.º 422/89 reproduziu, em larga medida, o Decreto-Lei n.º 48.912, que o antecedeu, a verdade é que, em pontos essenciais e que dizem respeito a matérias da competência parlamentar, não houve tal...

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