Acórdão nº 46/22 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Maria Benedita Urbano
Data da Resolução18 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 46/2022

Processo n.º 378/2021

1.ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Benedita Urbano

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – RELATÓRIO

1. No Processo n.º 89/17.3T9LRA, que corria então os seus termos no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional (TC), ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15.11, na redação que lhe foi dada, por último, pela Lei Orgânica n.º 4/2019, de 13.09 - LTC), da decisão que indeferiu a reclamação pelo mesmo deduzida nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal (CPP). Decisão que confirmou a inadmissibilidade do recurso interposto para aquele tribunal superior de acordo com o disposto nas diversas alíneas artigo 400.º, n.º 1, do CPP, por remissão da alínea b) do n.º 1 do artigo 432.º do mesmo diploma legal, da leitura das quais se retira que só são recorríveis para o STJ os acórdãos condenatórios da 2.ª instância e os que conheçam, a final, do objeto do processo.

Na aludida decisão recorrida entendeu-se que o despacho do relator no Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), que indeferiu a requerida notificação do arguido, por carta registada ou telecópia, do parecer do Ministério Público, e a concessão de prazo para sobre o mesmo se pronunciar, e, ainda, a pretensão de que a posterior decisão que viesse a ser proferida lhe fosse notificada pela mesma via, não é subsumível a nenhuma das situações previstas nos aludidos preceitos legais.

2. O recurso de constitucionalidade foi admitido no STJ.

3. No requerimento de interposição do recurso, o recorrente delimita o objeto respetivo do seguinte modo:

“[…]

A inconstitucionalidade da interpretação normativa do n.º 1 do art. 432.º do CPP, suscitada a fls. 45 e 52, segundo a qual o mesmo deve ser interpretado de acordo com o n.º 1 do art.º 32.º da Constituição, na dimensão normativa em que o processo penal assegura ao arguido todas as garantias de defesa.

[…]

Em ordem a garantir-lhe o direito à informação assegurado pelo n.º 2 do art.º 20.º e desta forma ser notificado do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de modo a tomar conhecimento do parecer do MP, nos termos do n.º 2 do art.º 417.º do CPP, afiançando-lhe o princípio do contraditório, postulado no n.º 5 do art. 32.º, como elemento estruturante do Estado de direito democrático.

[…]

Haja em vista cumprir-se uma decisão mediante um processo equitativo, prescrito no n.º 4 do art.º 20.º, todos da lei fundamental, porquanto o arguido tem direito a ser notificado das decisões de que é destinatário, já que só desta maneira pode integralmente cumpri-las ou impugná-las”.

4. No TC, a relatora proferiu, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, a Decisão Sumária n.º 458/2021, em que se decidiu “não conhecer do objeto do recurso”, com os seguintes fundamentos:

“[…]

resulta manifesto que o recorrente não apresenta como objeto do recurso uma questão de constitucionalidade de natureza normativa. Efetivamente, decorre com clareza da formulação do objeto do recurso que o que subjaz ao impulso processual deduzido pelo recorrente é a sindicância da decisão jurisdicional concreta, na vertente de subsunção jurídica, dimensão que se encontra, legal e constitucionalmente, subtraída à esfera de competências do Tribunal Constitucional. Com efeito, o recorrente pretende que este Tribunal funcione como uma nova instância de recurso ordinário, procedendo ao reexame do mérito da decisão aqui recorrida, apreciando se é ou não justo o resultado da aplicação do Direito ao caso dos autos, que redundou na não admissão do recurso por si interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.

[…]

Nestes termos, é manifesta a inidoneidade do objeto do recurso delimitado pelo recorrente.

Sempre se dirá que o recorrente também não deu cumprimento ao pressuposto da suscitação prévia e adequada de uma questão de constitucionalidade de natureza normativa.

De acordo com o n.º 2 do artigo 72.º da LTC, a autonomização e enunciação do critério normativo a sindicar deve ser, desde logo, efetuada em momento processual prévio à prolação da decisão recorrida, ou seja, sobre o recorrente recai o ónus de suscitar uma específica questão de constitucionalidade – enunciando o critério normativo e identificando o segmento de direito positivo de que o mesmo é extraível – junto do tribunal a quo, de uma forma expressa, direta e clara, assim criando para esse tribunal um dever de pronúncia sobre tal matéria.

No caso, o recorrente deveria ter confrontado o tribunal a quo com a questão de constitucionalidade que pretenderia ver apreciada nesta instância, na reclamação deduzida nos termos do artigo 405.º do CPP, que determinou a pronúncia do tribunal a quo na decisão ora recorrida. Porém, analisada tal peça processual, verifica-se que o recorrente não colocou qualquer questão de constitucionalidade de natureza normativa reportada a qualquer uma das alíneas do n.º 1 do artigo 432.º do CPP. Em tal momento, o recorrente afirmou que «o douto despacho reclamado não é compaginável com a Lei fundamental da República, uma vez postergar todos os princípios e valores que enformam a legalidade do Estado de direito, começando por ofender a dignidade da pessoa humana, obrigando o arguido ao absurdo de cumprir uma decisão que desconhece», concluindo que «a interpretação normativa atribuída àquele preceito pela Senhora Relatora ofend[e] os termos do disposto no nº 1 do art. 32º da CRP». Mais afirmou que «o nº 1 do art. 432º do CPP deve ser interpretado de acordo com o nº 1 do art. 32º da Constituição, na dimensão normativa em que o processo penal assegura ao arguido todas as garantias de defesa, incluindo o recurso das decisões».

Pelo exposto, não tendo o recorrente enunciado e suscitado, quer no requerimento de interposição do recurso quer perante o tribunal a quo, uma questão de constitucionalidade reportada a normas, encontra-se prejudicada a admissibilidade do presente recurso, revelando-se ociosa a apreciação dos demais pressupostos de conhecimento de mérito, face à necessidade da sua verificação cumulativa.

[…]”.

5. O recorrente, não se conformando com a Decisão Sumária n.º 458/2021, reclamou da mesma para a conferência, invocando o seguinte:

“[…]

3 - Apesar de acompanhar a Exma. Senhora Relatora no que concerne às competências do Tribunal Constitucional e à aquelas que os senhores primeiros juízes daquela instância jurisdicional, até finais do século XX, mediante uma sã e louvável jurisprudência lhe foram adicionando, sendo que no mais, não podemos subscrever a doutrina arrimada na douta fundamentação para se recusar a conhecer do mérito do presente recurso interposto para o Tribunal Constitucional. Nem pode dizer-se que a dimensão do problema se deve à redacção da al. b) do n.º l do art.º 280.º da CRP, a qual se limita a observar que, em sede de...

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