Acórdão nº 156/16.0T8BCL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Maio de 2019

Magistrado ResponsávelCATARINA SERRA
Data da Resolução30 de Maio de 2019
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO AA e BB vieram intentar acção declarativa com processo comum contra CC pedindo que a acção seja julgada procedente, por provada e, em consequência:

  1. Declarar-se que o prédio identificado no artigo 1º da petição, com cerca de 18.000,00 m2, onde se inclui a faixa de terreno de cerca de 320,00 m2 ocupada pelo réu, conforme planta topografia junta como documento nº 3, é propriedade dos autores.

  2. Ser condenado o réu a restituir aos autores a faixa de terreno de cerca de 320,00 m2 que ocupa.

  3. Ser condenando o réu a abster-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a utilização por parte dos autores deste mesmo terreno.

  4. Ser o réu condenado as recolocar as terras que retirou daquele de terreno colocando-o à sua cota original.

  5. Ser o réu condenado a recolocar os marcos e as pedras que delimitavam o terreno.

  6. Ser condenado o réu a pagar aos autores a quantia de €357,90 referente às despesas que os autores pagaram para a colocação dos esteiros.

  7. Ser condenado o réu ao pagamento aos autores de quantia de €2.000,00 a título de danos não patrimoniais.

  8. Ser condenado o réu ao pagamento de juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias mencionadas nas alíneas f) e g) do pedido, desde a data da citação até integral pagamento.

    Pelo réu CC foi apresentada contestação. No seu entender, a acção deveria julgada não provada e improcedente e, em consequência, ser absolvido de todos os pedidos.

    Os autores AA e BB apresentaram resposta onde concluem considerando deverem ser as excepções invocadas pelo réu declaradas improcedentes, concluindo-se como na petição inicial.

    Foi elaborado despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

    Face ao falecimento da autora BB, foram julgados habilitados para prosseguir na lide DD e EE.

    Realizou-se julgamento e foi proferida sentença em 27.11.2017 (fls. 269 e s.), na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência:

    1. Declarar-se que os autores são proprietários do prédio rústico denominado de FF, composto de pinhal, mato e eucaliptal, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 3…/200…0 da freguesia de … e inscrito na matriz predial rústica de … sob o artigo 300 e da parcela descrita em 6) dos factos provados.

    2. Condenar-se o réu CC a restituir aos autores a parcela de terreno que se situa a poente do muro da GG com uma extensão de cerca de 65 metros e com cerca de 4,5m de largura que se estende de sul desde a Rua da … até à restante bouça dos autores do lado norte.

    3. Condenar-se o réu CC a abster-se da prática de qualquer acto que impeça ou diminua a utilização por parte dos autores sobre o prédio e a parcela identificados em A) e B).

    4. Condenar-se o réu CC a reconstituir a situação da parcela referida em B), repondo o terreno à sua cota original em cerca de 1 metro de altura.

    5. Condenar-se o réu CC a pagar aos autores a quantia de €357,90 (trezentos e cinquenta e sete euros e noventa cêntimos) acrescida de juros de mora desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

    F) Condenar-se o réu CC a pagar ao autor AA de quantia de €500,00 (quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a presente data e até efectivo e integral pagamento.

    G) No mais, absolver-se o réu CC do peticionado.

    Discordando da decisão quanto à matéria de facto e da decisão jurídica da sentença, o réu CC interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães (fls. 283 e s.).

    Apreciado o recurso, decidiu este Tribunal, por unanimidade, recusar a alteração factual pretendida e, consequentemente, confirmar a decisão do Tribunal de 1.ª instância, concluindo-se no Acórdão de 8.11.2018 (fls. 335 e s.) o seguinte: "Face à manutenção da decisão de facto, igualmente se terá de manter a decisão jurídica da causa, tendo em conta que a pretenda alteração da decisão jurídica da causa pelo apelante se baseava na alteração de decisão da matéria de facto, que não ocorreu, pelo que daí resulta que a apelação terá de improceder e, em consequência, confirmar-se a douta sentença recorrida”.

    Ainda inconformado, interpôs o réu recurso de revista excepcional para este Supremo Tribunal de Justiça (fls. 346 e s.), onde foi distribuído à Formação a que se refere o artigo 672.º, n.º 3, do CPC.

    Por Acórdão de 11.04.2019 (fls. 376 e s.), esta Formação determinou a distribuição do recurso como revista normal, entendendo que “em casos como este, falece a dupla apreciação, não se podendo falar em dupla conforme. Com inerente afastamento do regime que resulta do n.° 3 do artigo 671.° do dito código e, concomitantemente, da competência desta Formação”. Invocou esta Formação o Acórdão de 14.5.2015, processo n.° 29/12.6TBFAF.G1.SI , cujo teor é o seguinte: "I - A dupla conformidade, como requisito negativo geral da revista excecional, supõe duas apreciações sucessivas da mesma questão de direito, ambas determinantes para a decisão, sendo a segunda confirmatória da primeira.

    II - Quando o tribunal da Relação é chamado a intervir para reapreciação das provas e da matéria de facto, nos termos dos arts. 640.º e 662.º do NCPC (2013), move-se no campo de poderes, próprios e privativos, com o conteúdo e limites definidos por este último preceito, que não encontram correspondência na decisão da 1.ª instância sobre a mesma matéria.

    III - Embora haja urna decisão sobre a matéria de facto da 1.ª instância e, uma outra, da Relação, que reaprecia o julgamento da matéria de facto, não poderá afirmar-se que, quando se questiona o respeito pelas normas processuais dos arts. 640.º e 662.º pela Relação, existe uma questão comum sobre a qual tenham sido proferidas duas decisões conformes".

    Cabe, em síntese, apreciar o presente recurso como revista normal, sendo irrelevantes as considerações do recorrente quanto à admissibilidade do recurso por via excepcional e ficando afastada a questão da sua inadmissibilidade com fundamento na existência de dupla conforme.

    Nas alegações de recurso que apresenta, formula o réu / ora recorrente as seguintes conclusões: “I – DAS RAZÕES DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXCEPCIONAL DE REVISTA 1º - Resulta do sumário do acórdão agora colocado em crise que“ no que respeita à reapreciação da prova, a avaliação dos meios de prova produzidos, tem de ser feita a partir de uma perspectiva crítica, global e objectiva”. Este entendimento resulta do facto do Tribunal da Relação recorrido entender que o tribunal de primeira instância aprecia livremente as provas e goza dos princípios da imediação, da oralidade, da concentração, princípios que o Tribunal da Relação não usufrui. E por isso, tal situação conduz que só em casos extremos é que a Relação poderá concluir diferentemente do julgador da 1ª instância quanto à matéria de facto.

    1. - Sucede que, o entendimento contido no sumário do acórdão colocado agora em crise contraria o vertido no artigo 662º do C.P.C. Aos cidadãos é reconhecido o duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, sendo que na reforma do Código de Processo Civil de 2013 não foi alterado o sistema dos recursos cíveis, mas houve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, de acordo com Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República, de cuja aprovação veio a resultar o actual Código de Processo Civil, disponível em www.parlamento.pt. Tal eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação nos recursos de reapreciação da matéria de facto.

    2. - Ora, o caminho percorrido pelo douto tribunal da Relação é totalmente inverso ao reforço dos poderes das Relações na reapreciação da matéria de facto, frustrando-se a conhecer das questões enunciadas e a ser um mero carimbo das decisões proferidas pelas primeiras instâncias, sem manter a sua autonomia e poder de formar convicção sobre a prova indicada pelo Recorrente, conjugada com os demais elementos, pelo que, em termos práticos estamos na presença de um recurso de Apelação excepcional no que toca à matéria de facto, contrariando assim os fins e as intenções legislativas concretizadas na revisão do C.P.C.

    3. - Pelo que, salvo melhor, há uma questão jurídica que necessita de uma melhor aplicação direito, perante o caso concreto, pois uma resposta adequada à mesma permitirá no futuro um melhor enquadramento da disciplina da reapreciação da matéria de facto, contribuindo quiçá, para uma diminuição dos recursos nesta sede, bem como permitirá uma melhor aplicação da Justiça numa área tão sensível como é a demanda de justiça pelos cidadãos, os quais procuram sempre obter nas instâncias superiores a justiça e o direito que entendem que não é bem aplicado em sede de primeira instância, e por isso, estamos na presença de direitos fundamentais consagrados na Constituição cuja apreciação merece o olhar e a análise do distinto Supremo Tribunal de Justiça, pois estamos na presença de uma questão que envolve o direito do acesso à justiça e consequentemente a observância de denegação de justiça, nos termos do artigo 20º da C.R.P.

      II – DO RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL 5º - É nosso humilde entendimento que muito mal decidiu o douto tribunal da Relação ao considerar o recurso interposto pela aqui Recorrente improcedente, pois por mais respeito que o tribunal recorrido nos mereça, entendemos que nos presentes autos não se decidiu bem, uma vez que o tribunal recorrido fez errada interpretação dos factos e inadequada aplicação do direito, nomeadamente na aplicação das normas da lei do processo sobre a reapreciação da matéria de facto.

    4. - Permitindo o recurso aos argumentos reiterados em sede do recurso da Apelação, entende o aqui Recorrente que da prova produzida em audiência de discussão e julgamento não se pode extrair a conclusão que o autor AA tenha agido com “animus possidendi” em relação à faixa de terreno em questão nos autos, ou que relativamente a ele tenha praticado qualquer acto de...

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