Acórdão nº 618/18.5T8BJA.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Maio de 2021
Magistrado Responsável | NUNO PINTO OLIVEIRA |
Data da Resolução | 06 de Maio de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. — RELATÓRIO 1.
AA intentou a presente acção contra BB formulando os seguintes pedidos: 1) que se considere e declare impugnado, para todos os efeitos legais, o facto justificado na escritura de dezassete de agosto de dois mil e quinze, exarada de fis. 122 a fls. 123 do livro de notas para escrituras diversas, número .........B do Cartório Notarial em .... do Notário CC, por o Réu não ter adquirido o prédio nela identificado, correspondente ao do artigo 3.º da petição inicial, por usucapião; 2) que se declare ineficaz, e de nenhum efeito, para todos os legais efeitos, essa mesma escritura de justificação notarial, por forma que o Réu não possa, através dela, registar quaisquer direitos sobre o prédio nela identificado, e, por ter registado com base nela, declarar o registo de aquisição lavrado sob a AP. .... de 2015/10/.. ....... da Conservatória do Registo Predial de .... nulo e de nenhum efeito, ordenando-se o respetivo cancelamento e o de quaisquer outros subsequentes, com base nele.
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O Réu BB contestou, defendendo-se por impugnação.
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Finalizou o seu articulado da forma seguinte.
“Não podendo, por isso, deixar de ser improcedente a ação e, consequentemente, declarar-se o R. como único e exclusivo dono do prédio, por o ter adquirido por usucapião, por tradição dos Avós. (…) Nestes termos e nos mais de direito aplicável, porque os Avós do R. exerceram poderes de facto sobre o prédio em termos de direito de propriedade e como tal agiram e se arrogaram durante mais de 20 anos, à vista de toda a gente, de forma pacífica e de boa-fé, e por todos sendo tidos e reconhecidos como tal, adquiriram, por usucapião, o direito de propriedade sobre o prédio objeto dos autos, prédio que transmitiram ao R., por tradição, tendo este, desde essa data, exercido, também à vista de toda a gente, de forma pacífica e de boa-fé, poderes de facto sobre o prédio, em termos de direito de propriedade, e como tal tendo agido, nomeadamente emprestando-o à A, sendo por todos tido e reconhecido como tal, durante mais de 20 anos, o R. não pode deixar de ser como tal reconhecido e, consequentemente, ser a ação improcedente”.
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A Autora AA replicou.
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O Tribunal de 1.ª instância proferiu o seguinte despacho: “Compulsados os autos, verifica-se que o Réu deduz, a final, pedido de declaração da propriedade do prédio objeto do litígio a seu favor, por ter adquirido por usucapião.
Formal e juridicamente, a dedução de pedido por parte do Réu consubstancia dedução de reconvenção.
De acordo com o disposto no artigo 583.º do Código de Processo Civil, a reconvenção deve ser expressamente identificada e deduzida separadamente na contestação, o que não sucede nos autos.
Deve, igualmente, nos termos do aludido normativo, ser indicado o valor da reconvenção, o que também não sucede nos autos e pese embora os Réus indiquem o valor da petição inicial.
Assim sendo, notifique o Réu para, querendo, em 10 dias, juntar aos autos novo articulado com a dedução de pedido reconvencional de forma expressa e separada, bem como a indicar o respetivo o valor, nos termos do disposto no artigo 583.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, sob pena de não o fazendo a reconvenção não ser atendida”.
6.
O Réu BB respondeu ao convite, com um articulado em que individualizou a reconvenção, indicando-lhe o valor de €9.210 (nove mil duzentos e dez euros).
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Finalizou o seu articulado da forma seguinte: “Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, deve a ação ser improcedente e procedendo o pedido reconvencional, declarar-se a aquisição do prédio objeto dos autos, por usucapião a favor dos Avós do R., e, consequentemente, a favor por o R., por o ter adquirido, por tradição dos Avós, declarando-se este como único e exclusivo dono, mantendo-se a inscrição do registo a seu favor.” 8.
A Autora AA reclamou do despacho proferido, requerendo a rejeição da reconvenção do Réu BB.
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O Tribunal de 1.ª instâancia proferiu despacho, em que se decidiu que “a forma adequada para impugnar a decisão que determinou o aperfeiçoamento da contestação era o recurso, que não foi interposto, pelo que não se conhece de qualquer nulidade decorrente da violação do princípio do dispositivo.
Atento o exposto, sendo a reclamação o meio impróprio para se reagir contra a alegada nulidade do processado, não se conhece da mesma”.
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O Tribunal de 1.ª instância proferiu sentença em que decidiu “a) Julgar a ação improcedente, e, em consequência absolver o Réu do pedido.; b) Reconhecer o direito de propriedade de BB sobre o prédio urbano, sito na Rua ................, número .., em .............., da união de freguesias de .............. e .................., concelho de ....., destinado a habitação, inscrito na matriz sob o artigo ...93 (anteriormente artigo ....94, da freguesia de .............. – extinta), concelho de ....., em seu nome, descrito na Conservatória do Registo Predial de ....., sob o n.º .../.....1012, com o valor patrimonial tributável de 9.210,00 € (nove mil, duzentos e dez euros); c) Condenar a Autora nas custas da ação e da reconvenção”.
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Inconformada, a Autora AA interpôs recurso de apelação.
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Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões: 1.ª – O Despacho ref.ª 30090335, ao determinar a notificação do Réu para, querendo, em 10 dias, juntar aos autos novo articulado com a dedução de pedido reconvencional de forma expressa e separada, bem como a indicar o respetivo o valor, violou o princípio dispositivo e o princípio da igualdade das partes com assento nos artigos 3.º, n.º 1 e 4.º, ambos do Código do Processo Civil, tendo extravasado o âmbito do dever de gestão processual cometido ao julgador pelo artigo 6.º do CPC, que assim também foi violado, como tal devendo a decisão impugnada ser revogada.
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- O princípio dispositivo, tradução processual do princípio constitucional do direito à propriedade privada e da autonomia da vontade – e que é a pedra angular do processo civil português - “traduz-se na liberdade das partes de decisão sobre a propositura da ação, sobre os exatos limites do seu objeto (tanto quanto à causa de pedir e pedidos, como quanto às exceções perentórias) e sobre o termo do processo (na medida em que podem transacionar)”.
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- É um princípio que estabelece os limites de decisão do juiz – aquilo que, dentro do âmbito de disponibilidade das partes, estas lhe pediram que decidisse. Só dentro desta limitação se admite a decisão – temos estado a citar Mariana França Gouveia, O Princípio Dispositivo e a Alegação de Factos em Processo Civil: A incessante procura da flexibilidade processual, disponível na internet em http://www.oa.pt 4.º - Uma das vertentes ou momentos que o princípio dispositivo comporta é o das partes serem absolutamente livres de disporem dos seus interesses privados e de os reclamarem ou não, juridicamente, na medida em que o considerem oportuno.
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- Tal implica que o início da atividade jurisdicional depende do impulso das partes, cabendo ao autor solicitar a tutela jurisdicional, sem que o juiz se lhe possa substituir nesse impulso processual inicial (art. 3º, nº 1 do CPC).
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- Bem assim, cabe às partes, em exclusivo, a determinação do objeto do processo, constituído por dois elementos, sobre os quais possuem completa disponibilidade: o pedido e a causa de pedir, como resulta do disposto nos artigos 5 º, nº 1, 552º, nº 1, als. e) e d), 572º, al. c) - cf. José António Capacete, O Princípio Dispositivo e a Aquisição dos Factos no Processo Civil, in Balanço do Novo Processo Civil, CEJ, Março 2017, págs. 32-33.
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- Não pode o tribunal substituir-se nunca às partes na iniciativa da instauração do processo, ao autor cabe dar início à instância, mediante a propositura da ação: por seu lado, a reconvenção pode consistir no pedido de resolução de outro conflito de interesses, que com o primeiro se relacione nos termos do art. 266 (Lebre de Freitas e Isabela Alexandre, Código do Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª ed, pág. 6, anotação 2) 8.º - Logo, ao não ter a parte, que está devidamente representada por Ilustre Mandatária com largos anos de experiência no foro, deduzido reconvenção, quis dispor livremente do direito que lhe cabe de não propor judicialmente uma contra-acção, não podendo o julgador substituir-se-lhe.
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- Tanto mais que nas ações de simples apreciação negativa, como é o caso da presente demanda, é “desadequado um qualquer pedido reconvencional (...), por prejudicialidade do mesmo” - vd. Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-06-2007, Processo: 372/06.3TBVIS-A.C1.
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- É redundante a dedução de reconvenção nestas ações, pois a mesma não constitui nenhuma mais-valia perante a eventual procedência da defesa que vier a ser deduzida, constituindo esta o contra ponto da posição do Autor ao pedir a declaração de inexistência do direito que o Réu se arroga, como bem se decidiu, entre outros, no Ac. do STJ de 30-01-2003, Revista n.º 3949/02 - 7.ª Secção, Oliveira Barros (Relator), e o Ac. do STJ de 25-02-2014, Proc. n.º 251/09.2TYVNG-H.P1.S1- 6.ª Secção, Ana Paula Boularot (Relator).
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- A aceitação do articulado da reconvenção não é, no caso dos autos, imposta pelos deveres de gestão processual concedidos ao juiz, nem resulta de correta aplicação do princípio da adequação formal.
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- Razões porque o douto Despacho ref.ª 30...35 deve ser revogado, e bem assim o Despacho ref.ª 30...34, este proferido na sequência do primeiro, no âmbito e para decisão do incidente deduzido pela A., que reclamou contra o primeiro, também não podendo manter-se a contestação aperfeiçoada com reconvenção.
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- Independentemente da decisão a proferir sobre a questão antes levantada, sempre ocorre erro de julgamento na decisão sobre a matéria de facto, a justificar a reapreciação da prova gravada no confronto com a prova documental.
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- Ocorre contradição entre os factos provados sob o ponto 33. (sem conceder quanto à sua impugnação mais adiante), no qual se diz que “O Réu assentiu, mas informou que a casa...
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Acórdão nº 653/22.9T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 14 de Setembro de 2023
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