Acórdão nº 213/18 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Abril de 2018

Data24 Abril 2018
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 213/2018

Processo n.º 10/18

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora (TRE), em que é reclamante A. e reclamado o Ministério Público, a primeira interpôs recurso para o Tribunal Constitucional (cfr. fls. 22-27 com verso), «ao abrigo do n.º 1 e 2 do artigo 70.º» da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, sua atual versão (LTC), da decisão proferida pelo Vice-Presidente daquele Tribunal da Relação em 28 de junho de 2017 (cfr. fls. 18-19 com verso) que indeferiu a reclamação apresentada, nos termos do artigo 405.ºdo Código de Processo Penal, e dirigida contra a decisão proferida em primeira instância que não admitira o recurso interposto pela arguida, ora recorrente, da decisão instrutória que a pronunciou pelos factos constantes da alegação do Ministério Público (cfr. decisão de fls. 18-19 com verso).

2. O requerimento de interposição de recurso para este Tribunal tem o seguinte teor (cfr. fls. 22-27 com verso, reiterada a fls. 29 a 33 com verso):

«A., Recorrente nos autos supra referidos e aí melhor identificada, tendo sido notificada da decisão que indeferiu a presente reclamação, datada de 28-06-2017, e não se conformando com o teor da mesma, vem apresentar

recurso

para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, o que fazem nos seguintes termos:

O presente recurso é interposto ao abrigo do n.º 1 e 2 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, na redação dada pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro.

A ora recorrente viu deduzida contra si, acusação, tendo requerido abertura de instrução. Da decisão instrutória, ou melhor da decisão que versava sobre as nulidades invocadas apresentou a arguido recurso, por não se conformar com a mesma.

O Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Instrução Criminal, por despacho datado de 29-05-2017 decidiu que:

A arguida, A., veio interpor recurso da decisão instrutória de pronúncia, com fundamento no disposto no artigo 309.º do CPP, conjugado com o nº. 3 do artigo 308º e no artigo 379.º, n.º 1 al. c), do mesmo diploma legal e na jurisprudência fixada no Ac. do STJ de 7 de Abril de 1994; CJ do STJ II, tomo 2, 187.

Cumpre apreciar.

A fls. 1066 e ss. dos autos foi proferida decisão instrutória, pronunciando a arguida, A., pelos factos e com o enquadramento jurídico descritos na acusação deduzida pelo Ministério Público, e pela pratica de dois crimes de abuso de confiança, agravados, p. e p. pelo artigo 205.º, n.ºs 1 e 4, al. a), do Código Penal.

De acordo com o disposto pelo nº. 1 do artigo 310.º do Código de Processo Penal, é irrecorrível a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283.º, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa dos autos ao tribunal competente para julgamento.

A redação do artigo 310.º resulta da alteração ao Código de Processo Penal operada pela Lei nº. 48/2007, de 29 de Agosto, assentando no propósito inequívoco de aceleração processual ao vedar a possibilidade de recurso mesmo relativamente às nulidades e questões prévias e incidentais (vide, neste sentido, Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, 2009, fls. 723. O mesmo autor, quanto à objecção de preterição do duplo grau de jurisdição que levaria alguns juristas, entre eles, Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, 2ª edição, fls. 783, a considerar tal posição inconstitucional, sustenta que “a garantia constitucional de duplo grau de jurisdição só existe quanto às decisões condenatórias e às privações da liberdade e de outros direitos fundamentais”. Esta posição que encontra apoio na jurisprudência do T. Constitucional, no Ac. nº 265/94, de 3 de Março, in BMJ, 435, fls. 432, que decidiu que “a garantia do duplo grau de jurisdição só existe quanto às decisões penais condenatórias e quanto às respeitantes á situação do arguido face à privação da liberdade ou de outros direitos fundamentais, nada obstando a que o podendo mesmo tal direito, relativamente a certos actos do juiz, não existir, desde que não se atinja o conteúdo essencial do direito de defesa do arguido. Não existindo uma real simetria entre os despachos de pronúncia e de não pronúncia, não constitui violação do artigo 32º, nº. 1, da CRP nem o princípio da igualdade de armas, a circunstância de o nº. 1 do artigo 310º, do CPP estabelecer a irrecorribilidade da decisão instrutória que pronúncia o arguido pelos factos constantes da acusação do MP”.)

À luz do supra exposto, a decisão de pronúncia proferida nos autos é irrecorrível.

É certo que a arguida fundamenta, de direito, o requerimento de interposição do recurso no disposto no artigo 309º, conjugado com o n.º 3 do artigo 308.º, ambos do CPP.

O nº 3 do artigo 310º do CPP manteve a recorribilidade da nulidade emergente do disposto no artigo 309º, do mesmo diploma, ou seja, quando o tribunal pronuncie o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento de abertura de instrução.

Incidindo os preditos normativos sobre as situações de alteração substancial dos factos descritos na acusação do Ministério Público, afigura-se que, remetendo a decisão de pronúncia proferida para a acusação deduzida nos autos, não têm qualquer cabimento a aplicação das disposições dos artigos 309.º e n.º 3 do artigo 308.º à situação dos autos.

Destarte, pelas razões supra expostas, e nos termos do disposto pelo n.º 1 do artigo 310.º do CPP, não se admite, por irrecorrível a decisão de pronúncia proferida nos autos, o recurso sobre a mesma apresentado pela arguida, A.. “

Tendo a arguida, ora recorrente, reclamado para o Presidente do Venerando Tribunal da Relação de Évora.

Que por decisão datada de 28-06-2017 indeferiu a reclamação, conforme ora se transcreve:

*

Notificada da decisão instrutória, veio a arguida A., interpor recurso do despacho de pronúncia.

Tal recurso não foi admitido por se ter entendido que é irrecorrível a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Publico – cfr. art.310º, n.º1 e 414.º, n.º 2.º, do Cód. Proc. Penal.

Mais uma vez irresignado, veio o arguido apresentar reclamação para o presidente deste Tribunal da Relação, nos termos do disposto no art.º 405º do CPC.

Instruídos os autos, foram remetidos a este Tribunal.

O arguido baseia a sua reclamação na alegação de que a sr. Juíza não apreciou corretamente as provas apresentadas.

*

Cumpre apreciar e decidir.

Vejamos.

Estabelece o art. 310º:

“1 - A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283.º ou do n.º 4 do artigo 285.º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento.

2 - O disposto no número anterior não prejudica a competência do tribunal de julgamento para excluir provas proibidas.

3 - É recorrível o despacho que indeferir a arguição da nulidade cominada no artigo anterior. “

O nº 1 transcrito é claríssimo: “A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283.º ou do n.º 4 do artigo 285.º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais…”.

E não se diga, como faz o arguido, que essa irrecorribilidade viola “as garantias de defesa do arguido…, impedindo-lhes, ainda, o acesso a um duplo grau de jurisdição”.

O que o legislador visou com o estabelecimento da referida irrecorribilidade, foi simplificar e obstar ao arrastamento dos processos em intermináveis e sucessivos recursos, e fazer com que o processo chegue tao rápido quanto possível ao julgamento no qual o tribunal pode conhecer das sobreditas questões e, desta forma, sem beliscar, apesar da visada simplificação e celeridade, o direito de defesa, a presunção de inocência e o duplo grau de jurisdição.

Aliás, basta o confronto da actual redação do art. 310º com a anterior, para afastar as possíveis dúvidas sobre a irrecorribilidade de tais decisões.

Era a seguinte a anterior redacção do preceito:

“1- A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é irrecorrível e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento.

2 – É recorrível o despacho que indeferir a arguição da nulidade cominada no artigo anterior.” (1)

Ao acrescentar que a decisão instrutória é irrecorrível “ mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões previas ou incidentais “ o legislador afastou todas as duvidas pré-existentes e que estiveram na base de diversas decisões contraditórias e que conduziram à necessidade de fixação da jurisprudência levada a cabo no ac. do STJ nº. 7/2004, publicado do DR, I Série A de 2-12-2004: “Sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais, mesmo que o arguido seja pronunciado pelos factos constantes da acusação do Ministério Público.”

Com a alteração da Lei 48/2007 de 29 de Agosto, a doutrina do acórdão deixou de ser aplicável, por ter sido...

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