Acórdão nº 3468/16.0T9CBR.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelILIDIO SACARRÃO MARTINS
Data da Resolução18 de Outubro de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO No Juízo de Execução da Comarca de …, o Ministério Público, como exequente e em representação da Estado, instaurou em 27/04/2017, contra o executado AA, acção executiva para pagamento de quantia certa, com forma de processo comum sumário, reclamando o pagamento da quantia de € 17.679,35.

No requerimento executivo indicou: “´Titulo Executivo: Sentença condenatória Judicial.” “Valor da execução: 17.679,35.” “Factos: os factos constam exclusivamente do título executivo”.

Com o requerimento executivo junta, pela ordem que se indica, certidão, com nota de trânsito, de um acórdão da Relação de … de 24.02.2015 (processo nº 1060/09.4TBFIG-B.C1), de uma sentença de 18.10.2011 (processo nº 1060/09.4TBFIG), do 1º Juízo do então Tribunal Judicial da Comarca da …, e de um acórdão da Relação de … de 23.04.2013 (processo nº 1060/09.4TBFIG-A.C1).

Por acórdão da Relação de … de 24.02.2015, foi confirmada a sentença recorrida que julgou totalmente improcedente a reclamação de créditos deduzida por AA, sobre a herança de BB.

Por sentença proferida em 18.10.2011, foi julgada a acção intentada pelo Ministério Público totalmente procedente e:

  1. Foi declarado que inexistem herdeiros legítimos, legitimários e testamentários que sucedam hereditariamente a BB, falecida em 11 de Setembro de 2007, com última residência na Rua …, nº …, freguesia de …, concelho da Figueira da Foz.

  2. Foi declarada vaga para o Estado a herança de BB constituída pelo acervo hereditário descrito em 5.2.1.1.”.

    Em execução daquela sentença, foi proferido despacho em 07.12.2011 que, além do mais, ordenou a notificação pessoal de AA para, no prazo de 10 dias, “restituir à massa da herança a quantia global de € 17.679,35, sob pena da sua respectiva cobrança coerciva e de responsabilidade criminal, por crime de abuso de confiança agravado (artigo 205º nº 4 alª a) do CPP) – Cfr fls 25 vº.

    AA interpôs recurso daquele despacho e o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 23.04.2013, julgou procedente a apelação e revogou aquele despacho e a decisão nele contida.

    Por despacho de 01 de Junho de 2017 foi liminarmente indeferido o requerimento executivo, nos termos do artigo 726º nº 2 do Código de Processo Civil, com o fundamento de que é manifesta a falta do título executivo, pois “ é patente que as decisões judiciais apresentadas como títulos executivos não condenam o executado no pagamento de qualquer quantia pecuniária, nomeadamente no pagamento dos €17.679,35 cuja cobrança coactiva é pretendida”.

    O Ministério Público recorreu daquele despacho, pedindo a sua revogação e o prosseguimento da execução e o executado contra-alegou, pedindo a confirmação do supra mencionado despacho de indeferimento liminar.

    Por acórdão da Relação de … de 12.04.2018 foi revogado o despacho de 01.06.2017, substituindo-se o mesmo por outro que ordene o prosseguimento da execução.

    Não se conformando com aquele acórdão, invocando o disposto no artigo 629º nº 2 alª a) do Código de Processo Civil (ofensa de caso julgado), o executado recorreu de revista, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

    1. A presente execução é instaurada com base em decisões proferidas no âmbito do Processo de Herança Jacente n° 1060/09.4TBFIG que correu termos no Juízo Local Cível da … (J 1) e as únicas decisões que ficaram a subsistir da litigância desse processo e após diversos recursos foram: a) A sentença de 18/10/2011, na qual se decidiu declarar-se vaga para o Estado a herança de BB constituída pelo acervo hereditário descrito em 5.2.1.1.”.

  3. O acórdão da Relação de … de 23/4/2013, que revogou o despacho de 7/12/2011, o qual, aparentemente em execução desta sentença e com ela relacionada, na sequência de promoção do Mº Pº nesse sentido, havia determinado a notificação do ora recorrente para “restituir à massa da herança a quantia de €17.679,35, sob pena da sua respectiva cobrança coerciva e de responsabilidade criminal, por crime de abuso de confiança agravado (artigo 205º, nº 4, alínea a), do Código Penal)”.

    1. Notificado deste despacho, o ora recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual por acórdão de 23/4/2013, proferido no processo de APELAÇÃO n° 1060/09.4TBFIG-A.C1, revogou este despacho e a decisão nele contida e, pelo respectivo relator, foi feito o sumário da decisão nestes termos: I – No processo especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado, regulado nos artºs 1132º a 1134º do CPC, podem surpreender-se duas fases distintas e sequenciais: uma, primeira, de natureza declarativa e outra, segunda, de natureza executiva.

      II – Na primeira prevêem-se os actos e diligências processuais atinentes à declaração da herança vaga para o Estado, com vista à sucessão deste, na sua qualidade de herdeiro legítimo [artºs 2132º, 2133º, nº 1, al. e) e 2152º a 2155º, todos do Cód. Civil].

      III – Na segunda regulam-se as operações da liquidação da herança já declarada vaga a favor do Estado – essencialmente traduzidas na cobrança dos créditos (dívidas activas), na venda judicial dos bens e na satisfação do passivo – por forma a que ao Estado seja adjudicado o remanescente.

      IV – As duas referidas fases não se interpenetram ou sobrepõem, só fazendo sentido entrar na fase executiva depois de encerrada a fase declarativa.

      V – É prematura e, por isso, não produz efeitos – não dispensando a oportuna repetição – a citação edital dos credores desconhecidos, nos termos do artº 1134º, nº 1 do CPC, feita antes de encerrada a fase declarativa, isto é, antes de a herança ter sido declarada vaga para o Estado.

      VI – Não é o processo especial de liquidação da herança vaga em benefício do Estado o meio e o lugar próprios para ser feita a cobrança coerciva de dívidas activas da herança.

    2. Verifica-se assim que nenhuma das referidas decisões decidiu que o ora recorrente deve-se pagar fosse o que fosse ao Estado, ou, mais exactamente, a única decisão que o fez – o despacho de 7/12/2011 – foi revogado por ilegal.

    3. O Acórdão ora recorrido viola os casos julgados formados pelas decisões de 18/10/2011 (sentença transitada em julgado) e pelo acórdão da Relação de Coimbra de 23/4/2013, que revogou a sentença que intimara o ora recorrente a pagar a quantia que agora é dada à execução, pelo que o presente recurso é admissível nos termos do artº. 629º., nº. 2, al. a) do Cod. Proc. Civil, com fundamento na ofensa de caso julgado.

    4. Para demonstrar que a quantia ora reclamada na execução, não é devida, juntou o ora recorrente com as suas contra-alegações o acórdão criminal do Tribunal da Comarca de Coimbra – Instância Central – Secção Criminal – J1, proferido nos autos de Processo Comum 746/11.8TAFIG, proferido em 4 de Maio de 2015, em que foi decidido que o ora recorrente fosse absolvido, juntamente com sua esposa, dos crimes de abuso de confiança agravado – o tal de que já havia sido ameaçado - e de branqueamento de que vinham acusados e relativos a diversos levantamentos feitos por si a partir da referida conta, como se alcança de cópia desse acórdão que se junta com a informação adicional de que transitou em julgado no dia 9 de Junho de 2015, mas tal documento não foi admitido pelo acórdão recorrido.

    5. Fundou-se o acórdão recorrido no facto de que “tal documento não passa de uma mera cópia que não se encontra certificada, e nomeadamente quanto ao facto de tal acórdão ter ou não de transitado em julgado, e, por outro, dado que objecto do recurso tem a ver exclusivamente com a questão de saber se a sentença civil, adiante identificada, em que o exequente finda a execução está ou não dotada de força de executiva, decide-se, por manifestamente irrelevante, não admitir tal documento, devendo, em consequência, ser oportunamente desentranhado dos autos e devolver-se ao executado”.

    6. Ora, legalmente impõe-se ao tribunal que notifique a parte para apresentar um documento em termos formais com os requisitos ali exigidos, ao abrigo do princípio da cooperação consagrado no artº. 7º. do Cod. Proc. Civil, pelo que deve ser revogado nessa parte o acórdão recorrido e notificada a parte para apresentar documento com os requisitos formais que o tribunal exige.

    7. Mas também não pode deixar de merecer censura a circunstância de se considerar irrelevante esse documento, atento o disposto no artº. 624º., nº.1 do Cod. Proc. Civil, no qual se determina que: 1 - A decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário; 2 - A presunção referida no número anterior prevalece sobre quaisquer presunções de culpa estabelecidas na lei civil.

    8. Ora, com base nesse documento, fica estabelecida a favor do ora recorrente uma...

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