Acórdão nº 1295/11.0TBMCN.P1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Outubro de 2018
Magistrado Responsável | ROSA RIBEIRO COELHO |
Data da Resolução | 18 de Outubro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL I - AA, por si e em representação de seu marido[1], BB, intentou a presente ação, então sob a forma de processo ordinário, contra a Companhia de Seguros CC, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de € 694.469,30, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação e até efetivo pagamento, destinada a indemnizar os danos de natureza patrimonial e não patrimonial sofridos pelos autores em virtude de uma acidente de viação ocorrido por culpa exclusiva do condutor do veículo segurado na ré e, ainda, a ressarcir, no futuro, os danos que se venham a apurar, em conformidade com a factualidade alegada nos artigos 59º a 65º da petição inicial.
Contestou a ré, negando, em suma, a culpa do seu segurado na ocorrência do acidente e atribuindo-o a culpa do lesado.
Realizado o julgamento foi proferida sentença onde se decidiu: “1. Condenar a Ré Companhia de Seguros CC, SA., a pagar ao A. BB: a) a título de danos patrimoniais[2], a quantia de € 14.000,00 (catorze mil euros), acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; b) a título de dano pela perda da capacidade de ganho, a quantia de € 344.666,66 (trezentos e quarenta e quatro mil seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
-
a título de danos não patrimoniais, a quantia global de € 153.333,33 (cento e cinquenta e três mil trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da presente sentença, até efectivo e integral pagamento.
-
as despesas que o A. terá de suportar com internamentos, tratamentos e ajudas de terceira pessoa, médicas e medicamentosas, na proporção de 2/3 (dois terços), a liquidar em execução de sentença.
-
Condenar a Ré Companhia de Seguros CC, SA. a pagar à A. AA, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da presente sentença, até efectivo e integral pagamento.
3. Condenar a Ré Companhia de Seguros CC, SA., a pagar ao Instituto de Segurança Social, IP/Centro Nacional de Pensões, a quantia de € 16.668,77 (dezasseis mil seiscentos e sessenta e oito euros e setenta e sete cêntimos), acrescida de juros à taxa legal de 4% ao ano, desde a notificação até efectivo e integral pagamento.
-
Absolver a Ré Companhia de Seguros CC, SA. Dos restantes pedidos formulados nos autos.
As custas serão a suportar pelos Autores, Réu e ISS/CNP, quanto aos respectivos pedidos, na proporção do respectivo decaimento (art. 527º do CPC)».
Interposto recurso de apelação por ambas as partes, foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo: “Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação:
-
-
Em julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão da matéria de facto e, em consequência: em alterar o facto 43 e em aditar o facto 55 da factualidade provada, nos termos referidos nos pontos 2.5.2 e 3 da presente decisão; b) Em julgar parcialmente procedente o recurso dos autores e, em consequência, de acordo com o ponto 5.1.2., em alterar o montante indemnizatório referente ao dano sexual, fixando-o em € 20.000,00; c) Em julgar parcialmente procedente o recurso da ré e, em consequência: i) em fixar em € 5.111,12 a indemnização por perdas salariais; ii) em fixar em € 133.333,00 a indemnização por perda da capacidade de ganho; iii) em fixar em € 133.333,00 a indemnização por danos não patrimoniais.
-
Em tudo o mais se mantém a sentença recorrida.
” Continuando inconformados, os autores trouxeram o presente recurso que, à cautela, interpuseram como revista excepcional no tocante à questão da “repartição de responsabilidades feita ao abrigo do art. 570º do C. Civil”, para a hipótese de se entender que, quanto a ela, se verifica dupla conformidade.
Distribuído como revista excecional, a Formação a que se refere o art. 672º, nº 3 do CPC[3] proferiu acórdão onde se lê: “Temos, pois, que, em primeira linha, a recorrente pretende que a admissão seja como de revista em termos gerais.
Não tem esta Formação competência para apreciar essa admissão, uma vez que ela se restringe à apreciação da verificação dos pressupostos de admissão de revista em termos excecionais – cfr. nº 3 do citado art. 672º.
A competência para apreciação da admissão da revista em termos gerais pertence às formações normais.
Assim, acorda-se em ordenar a remessa do recurso para distribuição como revista normal.
Caso esta não seja admitida, voltará a esta Formação para apreciação da admissão em termos excecionais no que concerne à questão aludida pela recorrente.” O recurso veio a ser admitido, na sua totalidade, como revista normal por despacho da relatora de fls. 775-6.
Os recorrentes, nas suas alegações pedem a alteração do acórdão recorrido, formulando, para tanto, as conclusões que passamos a transcrever: 1ª O presente recurso irá versar sobre dois pontos: 1 - percentagem da indemnização, reduzida pelo facto A. (lesado) não possuir capacete de proteção; 2 - rendimento auferido pelo A. - a violação do poder-dever de determinar a produção de diligências probatórias, no que ao rendimento auferido pelo A. diz respeito, por forma a atingir a descoberta da verdade material e a boa decisão da causa.
2ª Da percentagem a considerar no agravamento das lesões neurológicas decorrentes do não uso de capacete. Neste aspeto, considerando a total ausência de responsabilidade do A. e o gravíssimo estado que lhe adveio em consequência direta e necessária do comportamento estradai do condutor do veículo seguro na Recorrida, consideramos que a redução operada na indemnização atribuída em Ia instância é de uma desumanidade difícil de qualificar.
3a Atenta a gravidade e a objetividade da situação, se fosse possível emitir, graficamente, silêncio significante, ficaríamos por aqui! Todavia, como não é possível, apesar de acreditarmos, profunda e convictamente, na boa consciência do normal julgador, entendemos que nunca será demais repetir que estamos perante uma redução severíssima da indemnização fundada apenas no facto de o A. ter contribuído para o agravamento das lesões, mas em que este - saliente-se - não teve responsabilidade alguma no presente sinistro! 4a O A. ficou a vegetar, com 100% de incapacidade! A redução operada no valor da indemnização é de tal forma severa que poderá colocar em causa a sua subsistência. Os 30% poderão vir (se o A. sobreviver por mais uns "bons" anos) a consumir grande parte da indemnização atribuída (dos 70%) - situação que colide com aquele que é o verdadeiro desiderato do art. 570° do CC.
Repete-se: na situação dos autos não há culpa do A.! 5ª As consequências são-no, "in totum”, adequadamente causadas pelo condutor do veículo seguro na Recorrida. O A. só teve responsabilidade no agravamento. Somos, por isso, da opinião de que a redução a operar não deverá exceder os 10%, sob pena de se cometer uma tremenda injustiça.
Pelas razões expostas e em atenção à jurisprudência citada na alegação acima aduzida, reduzir em mais de 10% o valor atribuído com base em 100%, implica insensibilidade pelo caso concreto e desrespeito pelo 570° do CC.
7a Quanto aos rendimentos do A. - pensamos que o Tribunal da Relação avaliou mal ao alterar a matéria de facto, não dando como provado nem o vínculo laboral do A., nem a retribuição média que o mesmo auferia a trabalhar em Espanha.
8a Da prova produzida em audiência, ficou claro, para os AA. e para o Tribunal, que o A. trabalhava em Espanha, para a empresa DD, Soc., e que auferia uma retribuição média mensal superior a 1500€.
9ª O Tribunal justificou a decisão acima descrita, fundando-a no depoimento das testemunhas e sinalizando algo que é de elementar conhecimento geral - qualquer trolha aufere em Portugal 50 ou 60 euros por dia, mas em Espanha ganha mais.
A sinalização destes argumentos consubstancia facto notório e, por outro lado, a declaração de IRS, na situação dos autos, não tem força probatória plena (cfr. os Acs. da RG de 19/06/2012, processo n.° 430/09.2TBBCL.G1 e da RP de 20/09/2007, processo n.° 0733538, inwww.dgsi.pt)." 10ª O Tribunal da Relação teceu duras críticas à atuação dos AA. - "acusando-os", nomeadamente, de negligência (por omissão).
Por uma questão de respeito pelos outros, é de concluir os AA. alegaram e fizeram a prova com base naquilo de que dispunham à data do julgamento e, bem ou mal, que entendiam ser suficiente para provar tal matéria (alegaram e produziram prova - prova essa que até foi considerada credível por ambas as instâncias).
11a Não há dúvida de que os Tribunais estão para fazer justiça e não para censurar a menos eficiente condução da tramitação processual das partes. Noutro contexto até aceitaríamos silenciosamente a crítica, neste caso pensamos que ela é dura e que distrai, isso sim, quanto ao desrespeito por normas e princípios que o Tribunal tem obrigação de respeitar - designadamente os imperativos comandos contidos art. 411° do NCPC.
12a Somos, por isso, da opinião que o Venerando Tribunal da Relação tendo ficado, como ficou, com dúvidas acerca do vínculo laboral e do rendimento que o A. auferia, podia e devia ter ordenado a remessa dos autos à Ia instância - determinando novas diligências probatórias adequadas ao esclarecimento de tais factos.
Ao não o fazer, o Tribunal violou um autónomo poder-dever de indagação oficiosa, ao qual está vinculado, violando o citado artigo e um dos princípios orientadores da reforma do Código Processo Civil - o princípio do inquisitório - atuação que consubstancia nulidade, que aqui se invoca.
13a Ficamos até com a sensação que o Tribunal da Relação do Porto, tecnicamente e por uma questão de justiça, não tinha alternativa. Só poderia ser esta a decisão a tomar quando refere o seguinte: "Na persistência da dúvida [negrito e...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO-
Acórdão nº 549/21.1T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Fevereiro de 2022
...[3] Norma especialmente aplicável ao processo laboral. [4] Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-10-2018, P. 1295/11.0TBMCN.P1.S2, acessível em www.dgsi.pt, tal como todos os acórdãos que se vierem a identificar a partir daqui, sem menção do local onde estão [5] Neste ......
-
Acórdão nº 1228/18.2T8PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Novembro de 2020
...“Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex 1997, pág. 322 e 323. Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 323. Ac. STJ. de 18/10/2018, Proc. 1295/11.0TBMCN.P1.S2. Ac. RC. de 12/03/2019, Proc. 141/16.2T8PDL-A.C1; RG. de 20/03/2018, Proc. 14/15.6T8VRL-C.G1, onde se escreve: “Esta amplitude de podere......
-
Acórdão nº 962/14.0TBFAF-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Janeiro de 2021
...de Justiça de 26/11/2019, no processo 431/14.9TVPRT.P1.S1 (dgsi) 4. cf acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 18/10/2018, no processo 1295/11.0TBMCN.P1.S2...
-
Acórdão nº 899/18.4T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Novembro de 2020
...“Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex 1997, pág. 322 e 323. Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 323. Ac. STJ. de 18/10/2018, Proc. 1295/11.0TBMCN.P1.S2. Ac. RC. de 12/03/2019, Proc. 141/16.2T8PDL-A.C1; RG. de 20/03/2018, Proc. 14/15.6T8VRL-C.G1, lendo-se neste último: “Esta amplitude de ......
-
Acórdão nº 549/21.1T8PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Fevereiro de 2022
...[3] Norma especialmente aplicável ao processo laboral. [4] Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-10-2018, P. 1295/11.0TBMCN.P1.S2, acessível em www.dgsi.pt, tal como todos os acórdãos que se vierem a identificar a partir daqui, sem menção do local onde estão [5] Neste ......
-
Acórdão nº 1228/18.2T8PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Novembro de 2020
...“Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex 1997, pág. 322 e 323. Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 323. Ac. STJ. de 18/10/2018, Proc. 1295/11.0TBMCN.P1.S2. Ac. RC. de 12/03/2019, Proc. 141/16.2T8PDL-A.C1; RG. de 20/03/2018, Proc. 14/15.6T8VRL-C.G1, onde se escreve: “Esta amplitude de podere......
-
Acórdão nº 962/14.0TBFAF-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Janeiro de 2021
...de Justiça de 26/11/2019, no processo 431/14.9TVPRT.P1.S1 (dgsi) 4. cf acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 18/10/2018, no processo 1295/11.0TBMCN.P1.S2...
-
Acórdão nº 899/18.4T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 19 de Novembro de 2020
...“Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex 1997, pág. 322 e 323. Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 323. Ac. STJ. de 18/10/2018, Proc. 1295/11.0TBMCN.P1.S2. Ac. RC. de 12/03/2019, Proc. 141/16.2T8PDL-A.C1; RG. de 20/03/2018, Proc. 14/15.6T8VRL-C.G1, lendo-se neste último: “Esta amplitude de ......