Acórdão nº 962/14.0TBFAF-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelSANDRA MELO
Data da Resolução21 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Embargante e Apelado : J. M., residente do …, nº .., Fafe, Embargado e Apelante: J. N.

, residente na Rua …, nº …, Guimarães Autos de: oposição à execução mediante embargos de executado Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I -Relatório O embargante de executado, por apenso à execução que lhe foi movida, defendeu que esta devia ser extinta, invocando, em súmula, que não apôs a assinatura no lugar do sacador do cheque, que este se encontra prescrito e não vale como título de crédito, visto que a relação subjacente não foi concretamente alegada, sendo nulo o contrato de mútuo, para cujo pagamento nunca foi interpelado, encontrando-se também a dívida prescrita, bem como os juros, que não são devidos.

O exequente contestou, defendendo que o cheque foi assinado pelo executado e impugnando a factualidade invocada pelo executado.

No despacho saneador, a exceção de insuficiência do título executivo foi julgada improcedente, por se entender que o exequente invocou a relação subjacente à emissão do cheque, e foi julgada procedente a prescrição invocada quanto aos juros de mora vencidos há mais de cinco anos, relegando para final o conhecimento da exceção de prescrição da dívida.

Produzida a prova e realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou procedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado e, em consequência, a extinção da instância executiva.

É desta decisão que recorre o embargado, apresentando as seguintes conclusões: 1.

“Ao abrigo do art.º 644.º, n.º 1, al. a) ex vi art.º 853.º, n.º 1, ambos do CPC, vem o presente recurso interposto da douta sentença de 25/06/2020, que julgou os embargos totalmente procedentes; 2.

Com recurso à reapreciação da prova gravada, o Recorrente impugna a decisão da matéria de facto das alíneas a) e b) dos factos julgados não provados.

3.

A prova do facto julgado não provado na alínea a) foi realizada através das duas perícias constantes dos autos, de onde resulta: 4.

  1. Perícia: “é possível” que a assinatura constante do cheque com o nome do embargante tenha sido manuscrita por aquele, tal como é possível que tenha sido o embargante que manuscreveu a data, o local, bem como o montante em numerário e por extenso do cheque, correspondendo a um grau de probabilidade de 50%.

    5.

  2. Perícia: é “provável que a escrita suspeita da assinatura seja da autoria de J. M.”, com “uma preponderância das semelhanças em quantidade e qualidade (…), o que conduziu a um resultado positivo, no sentido de ser provável J. M. o autor da assinatura do cheque”.

    6.

    Contrariamente ao sufragado na douta sentença recorrida, os esclarecimentos prestados em audiência pela Senhora Perita da 2.ª perícia não são susceptíveis de abalar a conclusão do 2.º relatório pericial, uma vez que, mesmo não tendo beneficiado dos originais das assinaturas autênticas do Embargante, aquela expressou de forma clara que “com este material foi possível chegar a esta conclusão”; 7.

    Nos autos existem duas perícias que concluem como sendo “provável” que o Embargante seja o autor da assinatura do cheque oferecido à execução, aliás, no primeiro relatório esse grau de probabilidade é ainda extensível aos demais dizeres do preenchimento do cheque (a data, o local, bem como o montante em numerário e por extenso do cheque); 8.

    Além do relatório pericial, também os depoimentos das testemunhas J. M. e D. L., permitiram concluir que entre o Embargante e o Embargado existiam, à data da emissão do cheque oferecido à execução, relações comerciais; 9.

    Assim, [1] o grau de provável obtido naqueles exames técnico-científicos, coadjuvado pelas [2] regras da experiência, pela [3] ausência absoluta de referências probatórias em sentido contrário, ou seja, ausência de contraprova, e com o [4] conhecimento de que entre Embargante e Embargado existiram, à data da emissão do cheque, relações comerciais, é suficiente à formação de um juízo crítico judicial favorável à demonstração do facto de que o cheque oferecido à execução tenha sido assinado pelo Embargante.

    10.

    Como tal, deveria o Tribunal a quo ter julgado provado que: 11.

    A assinatura de J. M. mencionada em 2) foi ali aposta pelo seu próprio punho.

    12.

    Quando assim não se entenda, se o Tribunal a quo ficou com as dúvidas que verteu na motivação da douta sentença recorrida, tinha o poder e dever de ordenar o esclarecimento e complemento das ditas conclusões, através da obtenção dos originais das assinaturas autênticas do Embargante; Trata-se de um poder dever com fundamento legal nos artigos 411.º e 607.º, n.º 1, segunda parte, do CPC).

    13.

    Razão pela qual, violadas as referidas disposições legais, impõe-se a anulação da douta sentença recorrida, com a remessa do processo à 1.ª instância para que se ordene a obtenção dos originais das assinaturas autênticas do Embargante, a fim de serem remetidas à Senhora Perita para complementar as conclusões do relatório pericial.

    14.

    A prova do facto julgado não provado na alínea b) foi realizada através dos depoimentos de C. P. e M. A.; 15.

    No que concerne ao depoimento de C. P., não vislumbramos qualquer traço da “parcialidade” que lhe é assacada na douta sentença recorrida, tanto mais que são inúmeras as respostas negativas, ou de falta de conhecimento ou, ainda, de impossibilidade de precisão dos factos; A testemunha, do início ao fim do seu depoimento, limitou-se a narrar o episódio a que assistiu, limitando-se a descrever aquilo que viu e nada mais.; 16.

    1. P. descreveu que há cerca de 20 anos acompanhou o Embargado numa deslocação ao estaleiro do Embargante, onde assistiu à entrega do cheque em causa nos autos, que foi entregue pelo Embargante ao Embargado, tendo naquela altura o Embargado referido que aquele cheque se destinava a pagar um empréstimo que tinha feito ao Embargante; 17.

      Por seu turno, o depoimento de M. A., além de não ser fielmente representando na douta sentença recorrida, está ali totalmente descontextualizado; 18.

      Conforme descrito pela referida testemunha, o Embargante chega a casa do Embargado e este recebe-o, dizendo-lhe “Oh meu «Oh meu artista», o que evidencia a existência de cumplicidade e confiança entre o Embargante e o Embargado, ao ponto deste se permitir dirigir-se àquele nos mencionados termos; 19.

      Atentas as regras da normalidade, um amigo que recebe outro e o cumprimenta com a expressão «Oh meu artista», não o pretende ofender e nem dirigir-se a ele em termos pejorativos ou depreciativos (a intimidade e confiança das relações de amizade, consente a utilização de expressões daquele tipo, com significado bem diferente do que, noutro contexto, poderia ter); 20.

      Emerge claro do depoimento de M. A. que entre o Embargante e o Embargado existia amizade e confiança, que justifica a realização do empréstimo alegado no requerimento executivo; 21.

      Por seu turno, esta mesma relação de confiança e amizade explica que o Embargado tenha anuído a um empréstimo de 5 mil contos sem um prévio documento comprovativo, mas com a garantia da entrega de um cheque do mesmo valor no prazo de uma semana, tal como descrito pela testemunha: o Embargante iria entregar ao Embargado um cheque do mesmo montante, para titular e garantir o empréstimo; 22.

      Esta parte do depoimento de M. A. não consta sequer da douta sentença recorrida e, quanto a nós, é a mais importante, porque não é de todo correcto, face a este depoimento, afirmar-se que o Embargado aceitou emprestar dinheiro sem um documento comprovativo; 23.

      Apreciado o depoimento da sua totalidade e colocado o mesmo no contexto correcto, não vislumbramos em que medida se mostra “contrário às regras da experiência e normalidade do acontecer” que um amigo e empresário empreste dinheiro a outro, com quem tem relações comerciais, com a garantia da entrega de um cheque do mesmo montante no prazo de uma semana; 24.

      Aliás, estamos a falar de um evento ocorrido há cerca de 20 anos, pela altura da mudança do escudo para o euro, perfeitamente compatível com o perfil e modo de agir dos empresários da época; 25.

      A conjugação dos referidos depoimentos gravados, é suficiente à formação de um juízo crítico judicial favorável à demonstração do facto de que o cheque oferecido à execução se destinava a pagar um empréstimo em numerário, do montante de 5000 contos (cinco milhões de escudos), feito pelo exequente ao executado; 26.

      Pelo que, deveria o Tribunal a quo ter julgado provado que: 27.

      4. O cheque oferecido à execução destinava-se a pagar um empréstimo em numerário, do montante de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos), feito pelo exequente ao executado.

      28.

      O Embargado tentou apresente execução com base num cheque, ainda que mero quirógrafo, o que constitui título executivo nos termos do art.º 703.º, n.º 1, al. c) do CPC; 29.

      Os factos constitutivos da relação subjacente à emissão do cheque constam do requerimento executivo e, em face dos factos provados, resulta que a emissão do cheque se destinou a pagar um empréstimo em numerário, do montante de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos), feito pelo exequente ao executado; 30.

      Independentemente de se ter demonstrado a razão da emissão do cheque dado à execução, o certo é que este demonstra, por si só, o reconhecimento unilateral de uma dívida, ou seja, a constituição de uma obrigação pecuniária do emitente do cheque a favor do seu portador, porquanto, a função normal do cheque é a de pagamento; 31.

      A nulidade do mútuo, por falta de forma legal, não retira a exequibilidade ao cheque oferecido à execução, pois que, por força do Assento do STJ n.º 4/95; 32.

      O Embargado logrou demonstrar que a assinatura constante do cheque foi aposta pelo punho do Embargante; 33.

      Em síntese, não tendo os embargos de executado sido julgados improcedentes, a douta sentença recorrida violou o art.º 703.º, n.º 1, al. c) do CPC e o art.º 458.º, n.º 1 do Código Civil.

      34.

      Termos em que deve a presente apelação ser julgada procedente e, em consequência, revogada a douta sentença recorrida, proferindo-se douto acórdão que julgue...

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