Acórdão nº 9839/13.6TCLRS.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 28 de Maio de 2015

Magistrado ResponsávelMARIA MANUELA GOMES
Data da Resolução28 de Maio de 2015
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: Relatório 1. S... intentou no Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Loures, acção declarativa de condenação, com processo comum, contra B... SA.

Alegou, essencialmente, que no dia 17 de Setembro de 2012, pelas 11 horas, o A. conduzia o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros, Mercedes-Benz, nº 95-10-ET, e ao circular ao quilómetro 7 da auto-estrada do Norte (A1), no sentido Norte/Sul, no concelho de Loures, embateu num objecto não identificado que se encontrava na faixa de rodagem; o automóvel conduzido pelo A. embateu no aludido objecto com a parte da frente do veículo, tendo sofrido danos diversos, designadamente, no pára-choques da frente, na grelha e no capô; o A. circulava dentro dos limites de velocidade permitidos por lei, não tendo conseguido, de forma alguma, evitar o inesperado embate, não sendo previsível a existência de um objecto (não concretamente apurado, mas de dimensões consideráveis) semelhante ao pára-choques de um veículo, naquele local.

Mais invocou que em consequência do aludido embate, o veículo sofreu danos - no pára-choques da frente, farol de nevoeiro, grade e capot, pisca esquerdo e caixa do espelho retrovisor - cuja reparação tem um custo total de €1.688,08; como o veículo era utilizado diariamente pelo A., nas suas deslocações, designadamente para o trabalho, e o A. ainda não teve capacidade económica para proceder à reparação do veículo, tem de utilizar um outro veículo para as suas deslocações; o veículo está impossibilitado de circular e a aguardar reparação; A sua inutilização representa também um prejuízo para o A. que se cifra em valor não inferior a € 3.000,00; A auto-estrada em causa está concessionada para exploração, conservação e manutenção à ora R., estando esta obrigada a vigiar e manter sempre em bom estado, livre e desimpedido de objectos, a dita auto-estrada.

Terminou pedindo a condenação da Ré B... no pagamento da quantia de € 4.988,08, (correspondente ao valor orçamentado para a reparação do veículo e indemnização pela sua não utilização), acrescida de juros de mora até integral pagamento.

Contestada a acção e pedida, pela Ré, a intervenção acessória provocada da Companhia de Seguros F..., foram as partes notificadas para se pronunciarem sobre a eventual incompetência do Tribunal para conhecer da acção.

Apenas o Autor respondeu, defendendo a competência do Tribunal da Comarca de Loures para apreciar e decidir a sua pretensão.

Logo de seguida, com data de 19.05.2014, o Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Loures (5º Juízo Cível), proferiu despacho que, após concluir que a eventual responsabilidade da ré tem natureza extracontratual, concluiu serem competentes para a acção os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal, pelas razões que se passam a citar: “(…). Dito isto, importa também afirmar que no ordenamento jurídico português destacam-se dois tipos de jurisdições: as jurisdições especiais, nas quais, além das restantes legalmente previstas, se integram os tribunais administrativos e fiscais; e, a jurisdição comum que integra os tribunais judiciais.

Baseando-se num critério residual, o legislador consagrou o princípio da plenitude da jurisdição comum, de harmonia com o qual apenas são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas por lei a jurisdição especial [cfr. arts. 211º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), 64º do novo Código de Processo Civil (CPC) e 18º, n.º 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ)].

A competência dos tribunais da ordem judicial é, portanto, residual e, nos termos do art. 22º, n.º 1, da LOFTJ, “fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente”.

Por outro lado, nos termos do art. 212º, n.º 3, da CRP, “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

Tal princípio geral consagrado nesta norma constitucional é desenvolvido pelo art. 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) que enumera, de forma exemplificativa, as questões jurídicas que se integram ou excluem do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal. E, estatui a al. i) do seu n.º 1 que “Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto (…) Responsabilidade civil extracontratual dos sujeitos privados aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público”.

Esta norma tem ainda de ser conjugada com o art. 1º, n.º 5, do anexo à Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, que aprovou o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, onde se estatui que “As disposições que, na presente lei, regulam a responsabilidade das pessoas colectivas de direito público, bem como dos titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes, por danos decorrentes do exercício da função administrativa, são também aplicáveis à responsabilidade civil de pessoas colectivas de direito privado e respectivos trabalhadores, titulares de órgãos sociais, representantes legais ou auxiliares, por acções ou omissões que adoptem no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo” e com o art. 12º da Lei n.º 24/2007, de 18 de julho, diploma onde se definem os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares, e onde se dispõe, sob a epígrafe “Responsabilidade”, que “Nas auto-estradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respectiva causa diga respeito a (…) Atravessamento de animais” [al. c)].

Ora, da interpretação conjugada das citadas normas resulta que, para que as disposições do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas sejam aplicáveis às pessoas coletivas de direito privado, basta que as respetivas ações ou omissões sejam adotadas no exercício de prerrogativas de poder público ou que sejam reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo (cfr. Carlos Alberto Cadilha, in «Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas», Anotado, Coimbra Editora, págs. 48 e segs.). E, assim sendo, nestas situações, podem as entidades privadas ser demandadas perante os tribunais administrativos em ações de responsabilidade civil, por eventos ocorridos a partir da sua entrada em vigor, nos termos do art. 4º, n.º 1, do ETAF.

Se atentarmos ao que resulta das Bases anexas ao Decreto-Lei n.° 294/97, de 24 de outubro, que regulam no essencial as relações jurídicas entre o concedente/Estado e a concessionária/B...

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