Acórdão nº 748/15.5T8OER.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelHIGINA CASTELO
Data da Resolução03 de Outubro de 2017
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

I.

–Relatório: Úrsula ..., Alexander Henrique ... e Frederik Manuel ..., autores nos autos à margem que moveram contra ... – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A., Banco ... Português, S.A. e Banco de ... ..., S.A., notificados da sentença de 30/03/2017 que julgou a ação totalmente improcedente e com ela não se conformando, interpuseram o presente recurso.

Os autores intentaram a ação alegando, em síntese, que o falecido marido da 1.ª autora, para garantia do pagamento do capital devido num contrato de mútuo celebrado com o réu BII em 1994, celebrou, na qualidade de pessoa segura, com a 1.ª R. um seguro de vida em que era tomador e beneficiário até ao valor do capital em dívida o BII, sendo beneficiários do excedente os herdeiros; que em 2013, o marido da autora sofreu um acidente de viação e faleceu, tendo os autores participado o sinistro à seguradora ré, que se recusou a efetuar os devidos pagamentos.

Terminaram pedindo: a)–A condenação da 1.ª ré a cumprir o estipulado no contrato de seguro, isto é, a pagar o capital seguro de € 7.510,17 (sete mil, quinhentos e dez euros e dezassete cêntimos), nos seguintes termos: a quantia de € 6.906,54 (seis mil, novecentos e seis euros e cinquenta e quatro cêntimos) ao 2.º réu; e a quantia de € 603,63 (seiscentos e três euros e sessenta e três cêntimos), em comum, aos autores; b)–A condenação das 2.ª e 3.ª rés, não só a absterem-se de cobrar aos autores as prestações mensais acordadas pelo contrato de mútuo, como também a restituírem-lhes as prestações que lhes debitaram desde 07.08.2013, que à data da propositura da ação ascendem a € 1.717,70 (mil, setecentos e dezassete euros e setenta cêntimos) e ainda todas as que vierem a debitar-lhes posteriormente à instauração da presente ação; c)–A condenação da 2.ª e da 3.ª rés a pagarem aos autores os juros de mora, à taxa legal, sobre a quantia de € 1.717,70 (mil, setecentos e dezassete euros e setenta cêntimos), que se vencerem desde a data da citação até integral pagamento, bem como os juros, a igual taxa, que se vencerem sobre as prestações do mútuo que vierem a ser-lhes debitadas após a instauração da presente ação.

As rés contestaram. A seguradora, dizendo que os autores nunca remeteram os documentos necessários à análise do sinistro e de eventuais causas de exclusão. Os bancos, invocando que o seguro podia ter sido contratado com qualquer seguradora e que os prémios estão a ser legitimamente cobrados.

O processo seguiu o seu curso e, após julgamento, foi proferida sentença absolutória, com a qual os autores não se conformaram, tendo interposto o presente recurso, com as seguintes conclusões: «1.

–Vem o presente recurso interposto da douta sentença final, na parte em que a mesma considerou provado um contrato de seguro no qual estava inserida cláusula de exclusão de responsabilidade da Seguradora e que, apesar de se tratar de um contrato de adesão e de não ter sido provada a comunicação ao falecido especificamente do conteúdo da mesma cláusula, entendeu que esta não pode ser considerada excluída do contrato.

  1. –Na douta sentença recorrida, foi considerado provado que o contrato de seguro em causa nos presentes autos (doravante o CONTRATO) se acha titulado pela apólice que constitui o doc. 4 que instrui a contestação da 1.ª R., junto a fls. 319/ 328.

  2. –No requerimento que apresentaram nos autos durante a Audiência Prévia, os Autores reafirmaram que “a apólice 61190 não foi entregue aquando da celebração da adesão ao seguro, nem à pessoa segura nem aos A.A., tendo a 1.ª R. entregue àquela apenas um certificado individual de seguro com o n.º 71795570, do qual não constam as condições gerais do contrato de seguro”.

  3. –Durante a audiência de julgamento, foi analisada em detalhe a apólice junta aos autos pela 1.ª R. a fls. 319/ 328, tendo sido possível constatar que, pelas razões expostas no corpo das presentes alegações, o doc. 4 que instrui a contestação da 1.ª R. não podia, em caso algum, ser a apólice que titula o CONTRATO.

  4. –O que foi confirmado no douto despacho de 28.06.2016, no qual se lê: “…não foi junta a apólice que titula o contrato com base no qual são formulados os pedidos de condenação (…) Pelo exposto, determino a notificação da R. para juntar aos autos cópia da apólice de seguro com referência ao contrato dos autos”.

  5. –A 1.ª R., notificada do referido despacho, reconheceu que existiu uma apólice, mas que não logrou encontrá-la nos seus arquivos, tendo junto novamente o doc. 1 que instrui a sua contestação, acrescentando ser este “o único documento de que a R. dispõe para titular essa apólice”.

  6. –Tendo sido reconhecido nos autos que neles não se encontra a apólice que titula o CONTRATO, não devia ter sido considerado provado que o doc. 4 que instrui a contestação da 1.ª R. é a apólice que titula o CONTRATO.

  7. –Consequentemente, também não devia ter sido considerado provado que ao CONTRATO era aplicável a cláusula de exclusão contida no artigo 6.º, n.º 1, das “Condições Gerais”.

  8. –Mas, mesmo considerando, por mera hipótese, que o CONTRATO integrava a referida cláusula de exclusão, importa referir que não foi “feita prova da comunicação ao falecido do teor das cláusulas gerais, designadamente da cláusula de exclusão da cobertura” (cfr. pág. 16 da sentença, 1.ª e 2.ª linhas).

  9. –Face ao artigo 3.º, n.º 1, do D.L. n.º 72/2008 – ao contrário do que foi entendido pela douta sentença recorrida –, o Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS) não se aplica à formação do CONTRATO, sendo-lhe aplicável, atenta a data da adesão do falecido ao mesmo, o disposto nos artigos 425.º a 462.º do Código ... e o disposto no D.L. n.º 446/85, de 25 de Outubro (Cláusulas Contratuais Gerais), designadamente a alínea a) do seu artigo 8.º.

  10. –Assim, tendo ficado provado que a cláusula de exclusão de responsabilidade da Seguradora não foi comunicada ao falecido, tal cláusula sempre terá de ser considerada excluída do CONTRATO (neste sentido, cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.01.2008, Pº 07B4690 e o recente acórdão do STJ de 29.11.2016, proferido no Pº n.º 1274/15.8T8GMR.S1, parcialmente transcritos no corpo das presentes alegações).

  11. –A douta sentença recorrida entendeu que: “Ainda que se conclua pela presença de um contrato de adesão, a ausência de prova de comunicação ao falecido especificamente da cláusula 6.ª, ponto 1 das Condições Gerais não conduz à exclusão da cláusula do contrato” por a lei não admitir a celebração “de contratos de seguro que garantam, designadamente, o risco de responsabilidade criminal”.

  12. –Porém, este raciocínio não é aplicável à hipótese sub iudice porque: i) à data da adesão do falecido ao CONTRATO, não estava em vigor o Dec.-Lei 94-B/98, de 17 de Abril; e ii) apesar do disposto no artigo 458.º do Código ..., quando ocorreu a formação do CONTRATO, a condução sob influência de álcool não envolvia responsabilidade criminal, nem responsabilidade contraordenacional (cfr. Código Penal e Código da Estrada em vigor em 18.08.1994).

  13. –Além disso, nos presentes autos, não está em causa a cobertura de responsabilidade criminal ou contraordenacional, mas sim e apenas o risco de morte, o qual, em abstrato, podia ser seguro (neste sentido cfr. acórdão do STJ de 10.03.2016, proferido no Pº 137/11.0TBALD.C1.S1, parcialmente transcrito no corpo das presentes alegações).

  14. –Na parte final da douta sentença recorrida foi consignado o entendimento segundo o qual ficou demonstrado o nexo causal entre o acidente e a taxa de álcool no sangue do condutor porque não se apuraram quaisquer outros factos, circunstâncias ou ocorrências que justificassem o acidente, pelo que “resulta apurado o nexo causal exigível para se poder fazer operar a cláusula de exclusão prevista no artigo 6.º, n.º 1 das condições gerais…”.

  15. –Porém, salvo melhor opinião e com o devido respeito, o funcionamento da cláusula de exclusão não está dependente do apuramento do nexo de causalidade entre a ingestão de bebidas alcoólicas e a ocorrência do acidente, pelo contrário, só faz sentido conhecer da questão do nexo de causalidade se, previamente, ficar assente que a cláusula de exclusão da responsabilidade deve operar no caso concreto, isto é, não deve ser considerada excluída, pois, caso seja de desconsiderar a cláusula de exclusão, não faz sentido conhecer da questão do nexo de causalidade (neste sentido cfr. acórdão do STJ de 10.01.2008, Pº 07B4690, parcialmente transcrito no corpo das presentes alegações).

  16. –No caso dos presentes autos, deveria ter sido entendido – pelas razões antes expostas - que a cláusula de exclusão da responsabilidade da Seguradora tinha de ser considerada excluída do contrato de seguro, ficando, por isso, prejudicado o conhecimento da questão do nexo de causalidade entre o abuso de álcool e o acidente, questão que, por isso, não deveria ter sido conhecida na douta sentença recorrida.

  17. –A douta sentença recorrida, com o devido respeito e salvo melhor opinião, fez errada interpretação do disposto nos artigos 342.º e 373.º a 376.º do Código Civil e errada aplicação do disposto no n.º 1, segunda parte, do artigo 2.º do D.L. n.º 72/2008 de 16 de Abril e do disposto no artigo 192.º do D.L. n.º 94-B/98, de 17 de Abril.» A Seguradora recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela improcedência do recurso, com as seguintes conclusões: 1.

    –A sentença posta em crise não padece de qualquer censura, sendo intelectual e processualmente honesta e coerente com a matéria de facto dada como provada, sem prejuízo da natureza sensível da questão e das matérias em apreço, as quais foram devidamente julgadas; 2.

    –O fundamento específico da recorribilidade invocado pelas aa.

    é o seguinte: a)-Da alegada inexistência do contrato de seguro de vida celebrado entre o falecido segurado e a r./seguradora/apelada, pelo que não deveria ter sido dado como PROVADO que o doc. n.º 4 junto à contestação, TITULA a existência da apólice do autos; b)-E...

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