Acórdão nº 212/06.3TBSBG.C2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Outubro de 2015
Magistrado Responsável | TOMÉ GOMES |
Data da Resolução | 22 de Outubro de 2015 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
I – Relatório 1. AA e cônjuge BB (A.A.) instauraram, em 18/09/2006, no Tribunal Judicial do Sabugal, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, em que demandaram o Município do Sabugal (1.º R)[1] e CC e cônjuge DD (2.º R.R.), alegando, em resumo, que: .
Os A.A. são proprietários de um prédio rústico sito na freguesia do Sabugal que confronta com um campo desportivo do 1.º R. e com um prédio dos 2.°s R.R.; .
Em 1994, o 1.º R. efetuou obras de terraplanagem no referido campo desportivo, as quais deram origem a derrocadas de terra que vieram a desembocar nas propriedades dos A.A. e dos 2.ºs R.R., tendo o A. alertado o 1.º R. do sucedido e solicitado providências imediatas para impedir a queda continuada de entulho no seu terreno, sugerindo-lhe a construção de um muro ou de uma vedação consistente, o que nunca sucedeu, não tendo sido retirado o entulho; .
Em 2000 e 2003, o 1.º R. construiu uma passagem para acesso ao prédio dos 2°s R.R. através do prédio dos A.A., apropriando-se de uma área de 144 m2, destruindo o muro divisório entre o prédio dos A.A. e o dos 2.ºs R.R. e arrancando os respetivos marcos, o que fez sem o consentimento dos A.A.; .
Além disso, o 1.º R. procedeu às instalações, na sua propriedade, da eletricidade e da água, através do prédio dos A.A., sem autorização destes e sem ter sido efetuado qualquer tipo de pagamento a título de indemnização; .
Também o 2.º R. deitou abaixo parte do muro na propriedade dos A.A., construído por estes, o qual acabou por cair em cima do A., provocando-lhe lesões graves; .
Tendo o A. colocado, entretanto, uma vedação no seu prédio, o 1.º R., em 05/07/2004, em vez de reparar os danos provocados, acusou o A. de ter colocado abusivamente vedação no espaço a que chama caminho público; .
Com tal atuação dos R.R., os A.A. sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais.
Concluíram os A.A., pedindo que os R.R. fossem condenados: a) - a restituir-lhes a sua propriedade na totalidade e nas condições em que se encontrava antes da apropriação da sobredita parcela; b) – a indemnizá-los no montante global de € 28.392,16, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, estes no valor de € 15.000,00; c) – e, subsidiariamente, não sendo for possível a restituição da propriedade, a indemnizar os A.A., pela redução da propriedade, na quantia de € 9.000,00, acrescida do montante de € 28.392,16 pelos danos patrimoniais e não patrimoniais.
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Os 2.ºs R.R. contestaram também mediante impugnação e reconvenção, pedindo que: A – Se reconheça e declare que: a) – prédio atualmente descrito sob o artigo 310.º da matriz rústica da freguesia de Sabugal corresponde e provêm integralmente do que se encontrou descrito na mesma matriz sob o artigo 2.345.º, anteriormente às avaliações matriciais rústicas operadas no concelho de Sabugal em 1989; b) – a escritura sob doc. 2 da reconvenção (a fls. 148-152) contêm declarações falsas, no que concerne ao facto aquisitivo e ao modo de aquisição do prédio descrito atualmente sob o artigo 310.º da matriz rústica de Sabugal; c) - o referido documento é falso e, em consequência, nulo e de nenhum efeito, enquanto título aquisitivo, por parte dos R.R., relativamente ao prédio descrito na matriz rústica da freguesia de Sabugal sob o artigo 310.º; d) – o prédio descrito sob o dito artigo 310.º cedeu apenas 16 m2 de área para a rua aberta a nascente do mesmo prédio, no extremo norte junto ao portão de entrada do prédio dos 2.°s R.R.; e) - o prédio descrito sob o mencionado artigo 310.° foi acrescentado, na sua confrontação nascente e no extremo sul, de área muito superior à referida em d), por área destacada do prédio adquirido pela 1.º R. para construção da Zona Desportiva de Sabugal; f) - os A.A. se encontram compensados, a nível da área cedida para a rua, por maior área adquirida ao prédio da 1.º R.; g) - os A.A. aceitaram a demarcação entre o seu prédio e a rua a nascente do mesmo, com a construção de muro divisório em blocos de cimento a expensas do 1.º R., com a altura média de 1,20 m e em toda a confinante nascente do seu prédio; h) - o prédio atualmente descrito sob o sobredito artigo 310.º foi beneficiado pela abertura da rua e instalação na mesma, a nascente daquele prédio, de infra-estruturas elétricas, de água domiciliária e de telefone e acesso viário mais fácil; B – Se comunique ao Cartório Notarial de Sabugal o teor da decisão a proferir para o competente averbamento; C – Se ordene o cancelamento, na Conservatória do Registo Predial de Sabugal, da descrição n.º 02689/020422 e inscrição aquisitiva G-1 a ela anexa, relativas à escritura de fls. 148-152 e, em consequência, todos e quaisquer registos que porventura hajam sido feitos, posteriormente sobre o mencionado prédio.
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O 1.º R. contestou mediante impugnação e reconvenção, pedindo a condenação dos A.A. a pagar-lhe uma indemnização, a título de crédito por benfeitorias, a liquidar em execução de sentença.
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Os A.A. replicaram, sustentando a improcedência das pretensões reconvencionais e reiterando o petitório.
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Proferido saneador tabelar e selecionada a matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória (fls. 256-269), realizou-se a audiência final, sendo decidida a matéria de facto controvertida pela forma constante do despacho de fls. 632-634, retificado a fls. 640.
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Por fim, foi proferida sentença a fls. 645-669, datada de 16/05/2012, a julgar as pretensões reconvencionais improcedentes e a ação parcialmente procedente: a) - condenando-se os R.R. a indemnizar os A.A. em quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente ao valor da parcela de 99 m2 a que foi reduzida a respetiva propriedade, tratando-se de terreno agrícola e em valor a ser calculado antes das obras realizadas pela 1.º R. e pela Junta de Freguesia referidas na matéria de facto provada; b) – Absolvendo-se os R.R. no mais.
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Os A.A. apelaram daquela sentença, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra anulado o julgamento com fundamento em omissão e deficiências das gravações da prova.
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Repetida a audiência de julgamento, foi proferida nova sentença a fls. 806-830, datada de 08/10/2013, decidindo a ação nos mesmos termos anteriormente julgados.
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Inconformados, os A.A. apelaram dela, em 19/11/2013, para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo o Exm.º Relator convidado os apelantes a apresentar novas conclusões, no prazo de cinco dias, em conformidade com a fundamentação aduzida, de modo a individualizar, de forma inequivocamente percetível, os concretos pontos de facto que consideravam incorretamente julgados e a indicar as normas jurídicas violadas, sob pena de não se conhecer do recurso facto, em vez de pedir pura e simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância e de manifestar genérica discordância com o decidido.
Após a apresentação pelos Apelantes de novas conclusões, a fls. 1023-1039, foi proferido o acórdão de fls. 1064-1074, datado de 27/ 01/2015, no qual se considerou que tais conclusões eram prolixas, não satisfazendo as exigências do convite feito, pelo que se não tomava conhecimento do objeto do recurso quanto à impugnação da decisão de facto, tendo, no mais, julgado a apelação parcialmente procedente, reformando a sentença recorrida nos seguintes termos: a) – Condenando-se o 1.º R., Município do Sabugal, a restituir aos A.A. a faixa de terreno ocupada, pertencentes a estes, bem como a retirar a caixa de eletricidade implantada no seu prédio, absolvendo o mesmo R. dos demais pedidos; b) – Absolvendo-se os 2.ºs R.R. dos pedidos.
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Inconformado com o assim decidido, veio o 1.º R., Município do Sabugal, recorrer de revista, pugnando pela revogação do acórdão recorrido para o que formulou as seguintes conclusões: 1.ª - Ao ordenar que fosse retirada a caixa de eletricidade da faixa de terreno ocupada e que o Município do Sabugal havia implementado há mais de 18 anos, o acórdão recorrido fez errada interpretação dos factos que as instâncias deram como provados, o que é fundamento da revista – art.º 722.º, nº 1, a) (redação do DL 303/2007); 2.ª – Há legitimo direito de retenção quanto à infra-estrutura cuja remoção foi ordenada, na medida em que a sua implementação visou materializar o bem-estar e qualidade de vida das populações, o que é estrita obrigação da Autarquia; 3.ª - Assim, a ordenada remoção constituiria um flagrante desrespeito dos preceitos constitucionais em vigor - artº 9.º, ex vi art.º 1.º e 2.º do CRP; 4.ª - E postergaria o princípio de ordem pública, consagrado no artigo 280.º, n.º2, do CC; 5.ª - Nesta decorrência, a solução jurídica encontrada na 1.ª instância consubstancia uma equitativa ponderação dos interesses em presença, razão pela qual deve ser mantida, nos seus precisos termos, revogando-se o acórdão recorrido.
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Por sua vez, os A.A. também interpuseram revista, formulando as seguintes conclusões: 1.ª – Os A.A. cumpriram o preceituado nos artigos 685.°-A, n.º3, e 700.º, n.º l, alínea a), ambos do CPC, pelo que, deverá ser conhecido o recurso de facto na parte respeitante ao decaimento dos A.A., da matéria de que se recorre relativamente aos pontos referentes aos danos não patrimoniais, por não se tomar necessário, após a decisão da 2.ª Instância, conhecer do restante recurso de facto; 2.ª - Na propriedade dos A.A., sem a sua autorização e em seu prejuízo, foi implantada canalização de água pelo 1.ª R., violando, entre outros o art.º 1305.º do CC; 3.ª - Não havendo quaisquer restrições impostas por lei, como ficou provado, ao exercício do direito dos A.A. sobre a sua propriedade, de modo a impedir a continuação e renovação futura do dano, a canalização deverá ser retirada do seu prédio (vide, neste sentido, a fls. 18, último parágrafo e a fls. 19, 1.º parágrafo do acórdão de que se recorre parcialmente e Vaz Serra, BMJ 84.º, pág. 260 e RJJ Ano 110, pág. 157; 4.ª - A decisão proferida pela 1.ª - instância violou as normas contidas nos artigos 562.º e 1305.° do CC, pelo facto de não ter condenado o 1.º R. a retirar a referida...
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