Acórdão nº 5043/16.0T8STB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Junho de 2017

Magistrado ResponsávelSALAZAR CASANOVA
Data da Resolução29 de Junho de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

O Município de S... propôs ação declarativa de mera apreciação negativa contra a Santa Casa da Misericórdia de S... pedindo que se reconheça não ter a ré adquirido, por usucapião, a propriedade do prédio identificado no artigo 2.º supra - prédio urbano com a área coberta de 396,10m2 composto por edifício de alvenaria coberto a telha, destinado a balneário público com dois anexos situados na Rua do B... na freguesia de ..., concelho de Setúbal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1...33.º dessa freguesia com o valor patrimonial de 310.090,00€ - por nunca ter exercido uma posse jurídica com virtualidades usucapientes sobre o mesmo, devendo, como tal, ser ordenado o cancelamento da abertura de descrição e inscrição do direito a favor do réu que este promoveu na Conservatória do Registo Predial de S... com base na justificação notarial que assim se impugna.

  1. Alegou a autora que o imóvel faz parte da denominada Cerca Pequena do Convento de ... que se integra no património do Estado, por reversão operada para o Estado pelo Decreto-Lei n.º 49/84, de 10 de maio, reversão prevista desde que deixasse de ser afetado o dito imóvel a funcionamento como Hospital conforme artigo 2.º do Decreto das Cortes de 22 de dezembro de 1892.

  2. Por protocolo celebrado entre a Direção Regional da Cultura de Lisboa e Vale do Tejo e o Município de S... foi cedido a este, com o fim de neles instalar o Museu da Cidade, o Convento de ..., incluindo o Claustro, Sala do Capítulo, Coro Alto, Igreja e terrenos adjacentes, designados por Cerca Pequena e Cerca Grande, pelo prazo de 20 anos, com condição de efetivação de um investimento de 3.560.00,00€ com as obras de recuperação e reabilitação daquele conjunto histórico sendo tal prazo prorrogável por um período suplementar de 10 anos na condição de entretanto o Município realizar um investimento de 2.840.000,00€, tendo o Município efetivado já o primeiro daqueles investimentos que permitiu a reabertura ao público do Museu nos claustros do Convento.

  3. O Balneário cuja propriedade a ré reclama foi inequivocamente edificado na denominada "Cerca Pequena" do Convento de ..., ou seja, em propriedade do Estado.

  4. O Município, com base no aludido Protocolo, é cessionário temporário do conjunto do Convento de ... com a composição referida (Igreja, Convento, Cerca Pequena anexa ao Convento, destinado a recreio das religiosas, Cerca Grande ou Horta) com a obrigação de desenvolver projetos de investimento para a sua recuperação e reabilitação, destinando-se o segundo investimento previsto no aludido Protocolo a beneficiar a área da "Cerca Pequena" e todas as edificações que nesta se inserem.

  5. Mais alegou o Município que, para desenvolver os projetos que, em cumprimento das obrigações do protocolo depende o alongamento do prazo de cedência, não pode ele estar dependente de eventuais reivindicações por parte da Santa Casa da Misericórdia do edifício do Balneário ... e que, para obter e prosseguir os processos de candidatura a fundos comunitários para a realização desses investimentos, não podem existir quaisquer dúvidas de que os mesmos irão beneficiar os bens do Estado cujo uso lhe foi cedido.

  6. É, assim, imprescindível, para o prosseguimento das atuações programadas pelo Município, em termos de recuperação do património histórico da cidade que nenhumas dúvidas se suscitem de que nenhum direito, nomeadamente aquele que registou a seu favor, tem a Santa Casa da Misericórdia sobre o edifício do Balneário ... já que este integra o património do Estado.

  7. E embora o Município não tenha legitimidade para reivindicar o reconhecimento desse direito de propriedade a favor do Estado - o que não é o objeto da presente ação - ele tem interesse direto em que seja reconhecido, através da presente ação de mera apreciação negativa que, por não se ter verificado qualquer posse jurídica pela ré do Balneário ... (aliás nos últimos anos nem sequer posse material), a ré não adquiriu por usucapião o direito de propriedade sobre tal edifício.

  8. Por sentença, de que a autora interpôs o presente recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, o autor foi julgado parte ilegítima e a ré absolvida da instância.

  9. A autora concluiu a minuta de recurso nos seguintes termos:

    1. Numa ação para impugnação de uma justificação notarial do direito de propriedade, com a estrita natureza de ação de simples apreciação negativa, peticionando-se a declaração e; reconhecimento da não existência do direito justificado, não é forçoso ou, necessário formular um pedido de declaração e reconhecimento da existência de qualquer outro direito que deva considerar-se existente após o vazio resultante da procedência da impugnação.

    2. Embora os factos alegados na petição inicial para sustentar a inexistência do direito notarialmente justificado possam conduzir à conclusão do ser o Estado proprietário do imóvel em causa, o A. não formula qualquer pedido de reconhecimento do direito de Estado ou de outrem sobre o imóvel e, como é reconhecido pela jurisprudência, é pela forma como o 'pedido e a causa de pedir são formulados, que se deverá aferir a legitimidade processual.

    3. Nos termos dó disposto no artigo 101.º do Código de Notariado, a justificação notarial pode ser impugnada por qualquer "interessado", entendido este nos termos aplicáveis à definição da legitimidade processual, ou seja, é "interessado" o titular de uma relação jurídica ou direito que possa ser afetado pelo facto justificado, não sendo necessário ou indispensável, ao contrário do que parece ter sido o entendimento da Meritíssima Juíza "a quo", que tal direito ou relação jurídica tenha uma natureza real...

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