Acórdão nº 137/18.0T8SAT.C3 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Janeiro de 2023

Magistrado ResponsávelVITOR AMARAL
Data da Resolução10 de Janeiro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório AA, com os sinais dos autos, intentou ação declarativa condenatória, com processo comum, contra BB e mulher, CC, também com os sinais dos autos, pedindo que se decidisse por forma a: «1. - Declarar-se que o Autor é dono e legítimo possuidor dos prédios descritos no artigo 1º da P.I..

  1. - Condenarem-se os Réus a: a) Reconhecerem o Autor como dono daqueles prédios e que a referida parcela do logradouro ocupada por aqueles e descrita nos artigos 19º, 22º a 29º inclusive, da P.I., é parte integrante do artigo rústico ...37 da freguesia ....

    1. Desocuparem a parcela de terreno ocupado, os 19m2, restituindo-a ao Autor, retirando daquela o pilar, a pedra em granito, os blocos e pedras, bem como o reboque agrícola, colocados naquele local.

    2. Colocarem os marcos divisórios nos seus anteriores lugares.

    3. A pagarem ao Autor a quantia de 1500,00 € por danos morais.

    4. A pagar ao Autor, por cada dia de mora na desocupação do prédio identificado no artigo 1º (ponto 2) da P.I, artigo 8137, uma sanção pecuniária compulsória de 100,00 € por dia, após o trânsito em julgado.».

      Para tanto, alegou, em síntese: - ser dono e legítimo possuidor dos três prédios rústicos que identifica no art.º 1.º da petição inicial, por via de doação verbal a seu favor, ocorrida há mais de 20 anos, sendo que, por si e antecessores, está na posse pública, pacífica e contínua de tais prédios há mais de 40 e 50 anos, na convicção de exercício de um direito próprio e sem ofensa de terceiros, pelo que ocorreu aquisição do direito dominial por usucapião; - haver registo definitivo de aquisição a favor do A., pelo que a sua titularidade se presume; - serem os RR., por sua vez, donos de três imóveis no local, tendo reconstruído junto da sua casa de habitação um barracão com duas portas viradas diretamente para o terreno do A., vindo a apoderar-se do espaço pertencente a um dos prédios do demandante, retirando os marcos divisórios e causando arrelias, inquietações e mal-estar ao A..

      Os RR. contestaram, defendendo-se por impugnação e alegando que o A. logrou obter, de modo fraudulento, a criação dos artigos matriciais, com justificação dos mesmos em seu nome, através do processo de justificação em conservatória, processo que, contrariamente ao realizado em cartório notarial, não é publicitado num dos jornais mais lidos da localidade, mas num site para o efeito disponibilizado, que praticamente ninguém conhece e os RR. não consultam. Concluíram pela improcedência da ação.

      Proferido despacho saneador e tramitados os autos, foi realizada a audiência final, com inspeção judicial ao local e produção das demais provas, após o que foi proferida sentença, julgando a ação improcedente, com a consequente absolvição dos RR..

      De tal sentença veio o A. interpor recurso, tendo este Tribunal da Relação (TRC), por acórdão de 20/10/2020, decidido anular a sentença recorrida, por deficiência e obscuridade no plano da fundamentação da decisão da matéria de facto, e, parcialmente, o julgamento, para repetição da diligência probatória de inspeção judicial ao local.

      Repetida, na 1.ª instância, aquela diligência probatória, foi proferida nova sentença (datada de 21/07/2021), julgando a ação improcedente, com a consequente absolvição dos RR..

      Voltou a recorrer o A., tendo o TRC, por acórdão de 01/02/2022, decidido remeter os autos ao Tribunal a quo para cabal fundamentação da convicção, quanto a identificado factualismo objeto de impugnação recursiva.

      Foi, então, proferida nova sentença, datada de 18/07/2022, julgando a ação não provada e improcedente, com a consequente absolvição total dos RR..

      É desta sentença que vem o A., ainda inconformado, interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes Conclusões ([1]): «1-O presente recurso versa sobre a decisão proferida pela Meritíssima Juiz “a quo”, que julgou improcedente a ação interposta pelo autor contra os aqui recorrentes.

      2- O recurso ora interposto visa alterar a decisão da Mma Juiz “a quo”, uma vez que foi entendimento do douto Tribunal recorrido que os Réus lograram fazer prova da inveracidade do declarado no processo de justificação, no sentido de abalar o teor das declarações prestadas pelo Autor.

      3-Ora, não pode o ora apelante conformar-se com esta visão plasmada na douta sentença sob sindicância por a mesma ser redutora e disforme da prova produzida nos autos, por se considerar que houve errónea apreciação da prova que, consequentemente levou a uma errada aplicação do direito.

      4- Salvo douto entendimento, o Tribunal “a quo” incorreu, de facto, em erro manifesto na apreciação das provas produzidas em audiência de julgamento, contra as mais elementares regras da experiência, em termos de se poder dizer que existe uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do Tribunal recorrido sobre matéria de facto.

      5- A douta sentença proferida não realiza, de uma forma crítica e concertada, a análise á prova produzida em sede de julgamento e que serviu para firmar a convicção do julgador, desconhecendo-se qual a prova que serviu para dar como provada e não provada cada ponto de facto constante da douta sentença proferida.

      6-Ora, após proferido o douto Acórdão desta Relação de Coimbra que determinou o reenvio do processo á 1º Instancia “ para cabal fundamentação da convicção , quanto ao factualismo objeto de impugnação recursiva (o supra aludido), com base, designadamente, nas gravações efetuadas ou, se necessário, através de repetição da produção da prova;”, limitou-se o douto Tribunal a quo, e em sede de fundamentação, a fazer uma descrição dos meios de prova produzidos.

      7- Tal descrição quedou-se no domínio da abstração e da generalidade, ou seja, não foi reportada a cada facto dado como provado ou não provado.

      8- Como é óbvio, nem todos os meios probatórios produzidos terão servido para fundamentar todos e cada um dos factos dados como provados, pois que o acervo probatório, desde logo porque apresentado por partes com interesses antagónicos, certamente que foi diversificado no seu sentido probando.

      9-Ora, salvo o devido respeito, que é muito, tal não respeitou, nem cumpriu com o doutamente determinado por decisão proferida por esse douto Tribunal da Relação, pois que se antes se verificava uma insuficiência de fundamentação da convicção probatória, também agora continua a estar… 10-Ademais, importa considerar que não satisfaz a exigência legal, uma motivação em bloco, reportada a todos os factos objeto de prova e dados como provados ou não provados, mediante mera indicação das provas relevantes para a formação da convicção do juiz.

      11-No caso dos autos não existe completa indicação das provas uma vez que o tribunal se limita a remeter para todos eles, sem especificar que concretos documentos, depoimentos, confissão ou prova judicial relevaram e para que pontos de facto concretos.

      12- Daí que, conforme se verá a propósito da impugnação da matéria de facto, não seja possível ao recorrente analisar e impugnar os concretos meios de prova que o julgador utilizou para cada um dos factos provados e não provados que o mesmo irá impugnar.

      13-Pese embora, o ora recorrente, impugne a matéria de facto, continua sem saber quais foram os concretos meios probatórios que fundamentaram a douta decisão proferida pelo Tribunal a quo acerca dos concretos pontos de facto.

      14-Não tendo o douto Tribunal a quo efetuado a fundamentação da convicção probatória de forma adequada, concreta e coerente, revestindo-se essencial para a decisão da causa, existe insuficiente fundamentação da sentença, o que determina a sua nulidade, nos termos dos artigos 154º, 607º nº 4 e 615º nº 1 alínea c) todos do NCPCiv.

      15-Em face de tal vício, nos termos do artigo 662º do NCPCiv. relativamente á modificabilidade da matéria de facto deverá ser alterada nos termos infra descritos.

      16-Para tanto requerendo-se a Vª Exªs a reapreciação de toda a prova produzida, nomeadamente a audição de toda a prova testemunhal, para efeitos de posterior ponderação, apreciação e análise crítica da mesma.

      17- Na reprodução fotográfica efetuada no âmbito da diligência de inspeção judicial ao local, considerou a Mma Juiz a Fotografia nº 2 como tendo sido tirada para melhor demonstrar a versão do Autor, de que nesses prédios nada revela que deles parta uma linha que marca a direção a tomar para marcar o ponto preciso da divisão das propriedades em litígio, nem que tal linha aponte e acabe no ponto que o Autor assinala como al) a da fotografia que junta com a Petição Inicial, como Doc. 14 de fls 18 verso., e muito menos que esse ponto assinalado como al. a) seja o ponto divisório das propriedades em litígio.

      18- Ora, a fotografia nº 2 encontra-se legendada como “tirada de sul para norte, por reporte ao artigo 1 e artº 18, ambos da petição inicial”, pelo que, não retrata o explanado por aquela na sua fundamentação.

      19-O Tribunal a quo incorreu em erro manifesto na apreciação das provas produzidas em audiência de julgamento.

      20- Como se verá adiante, há depoimentos manifestamente contraditórios, sem se saber a quais é que o douto Tribunal a quo deu mais credibilidade do que a outros.

      21-Da prova testemunhal produzida foi ouvida a testemunha DD, (testemunha do Autor) em depoimento prestado por vídeo-conferência, em 14-11-2019, depoimento gravado através do sistema de gravação digital, com inicio as 16h11m 11s e o termo as 16h 18m 33s., sem que o douto Tribunal a quo tenha feito qualquer referência ao seu depoimento, na sentença ora posta em crise.

      22-Ora, o douto Tribunal a quo não evidenciou o depoimento daquela testemunha, nem sequer o mencionou na sua motivação de facto.

      23- A lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o Tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.

      24- O Tribunal a quo, em face da prova...

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