Acórdão nº 40/20.3YHLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelMANUEL CAPELO
Data da Resolução21 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça Relatório “Merck Sharp & Dohme, Corp”, “Merck Sharp & Dohme, Limited”, e “Merck Sharp & Dohme, Lda.” intentaram a presente ação declarativa de condenação contra “Sandoz B.V.” e “Sandoz Farmacêutica, Lda.”, pedindo que as Rés sejam condenadas a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer quaisquer medicamentos que contenham Sitagliptina como substância ativa, como única substância ativa ou em associação com outras substâncias ativas, incluindo, mas não apenas, os que são objecto dos pedidos de AIM melhor identificados no artigo 128 da petição inicial, enquanto a EP ...57 e/ou o CCP ..78 se encontrarem em vigor.

… … Inconformada com a sentença, na parte em que absolveu as demandadas da instância por considerar verificada a exceção de falta de interesse em agir, vieram as Autoras interpor recurso de apelação, tendo sido proferida decisão singular que revogando a decisão recorrida, condenou as Rés a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos que contenham Sitagliptina como substância ativa, que são objeto dos pedidos de AIM melhor identificados no artigo 128.º da presente petição inicial, enquanto a EP ...57 e/ou o CCP ..78 se encontrarem em vigor (…)” Requerendo os Apelantes que sobre a matéria da decisão singular recaísse acórdão, nos termos do disposto no artigo 652º, n.º 3 do Código de Processo Civil foi proferida decisão colegial que julgou parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revogou-se a sentença recorrida, decretando-se em sua substituição a condenação das Rés a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, por si ou por terceiro importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos que contenham Sitagliptina como substância ativa, que são objeto dos pedidos de AIM melhor identificados no artigo 128.º da presente petição inicial, enquanto a EP ...57 e/ou o CCP ..78 se encontrarem em vigor, mantendo no mais a decisão recorrida.

Desta decisão as rés interpuseram recurso de revista concluindo que: “1. Nos presentes autos estão preenchidos os requisitos para admissibilidade da revista ordinária, tal como se prevê nos artigos 629º e 671º do CPC, nomeadamente no que concerne ao valor da ação (superior ao valor da alçada) e sucumbência (decisão desfavorável quanto às Recorrentes em valor superior a metade da alçada do tribunal) 2. A limitação prevista no artigo 3º, n.º 7 da Lei n.º 62/2011 não é aplicável aos processos intentados junto do Tribunal da Propriedade Intelectual, isto porquanto a limitação de um grau de recurso (para o Tribunal da Relação) está, quanto muito, previsto para as ações arbitrais referidas no artigo 3º, nº1 daquele diploma legal.

  1. As questões jurídicas em causa nestes autos são as seguintes: i) A cominação legal prevista no artigo 3º, n.º 2 da Lei n.º 62/2011 impõe uma condenação nos precisos termos previstos na lei; ii) O requisito processual do interesse em agir dos Autores em ação intentada ao abrigo da Lei n.º 62/2011 fica preenchido com a mera referência à apresentação de um pedido de AIM.

  2. As questões colocadas têm complexidade, na medida em que várias decisões contraditórias têm vindo a ser proferidas pelo Tribunal da Relação ....

  3. O número muito alto de litígios envolvendo titulares de direitos de propriedade industrial e requerentes de pedidos de AIM (ou como abaixo se verá titulares de AIM) implica que a apreciação destas questões jurídicas tem uma relevância que ultrapassa largamente os presentes autos, tendo um impacto previsível em vários outros litígios pendentes, atualmente e no futuro, nos tribunais portugueses.

  4. A relevância jurídica das questões jurídicas colocada à apreciação deste Douto Tribunal e o evidente contributo decorrente da apreciação dessa questão pelo Supremo Tribunal de justiça para a melhor aplicação da Lei n.º 62/2011 no ordenamento jurídico português pelo que o presente recurso de revista excecional deve ser admitido ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, alíneas a) e c) do CPC.

  5. Ao aplicar o artigo 3º, n.º 2 da Lei n.º 62/2011, a falta de contestação implicaria, quando muito, que a Primeira Recorrente (Sandoz BV) não pode iniciar a exploração industrial ou comercial dos medicamentos genéricos objeto dos pedidos de AIM identificados nos presentes autos.

  6. Não obstante os exatos termos da cominação legal prevista na Lei n.º 62/2011, o Tribunal Recorrido: i) Desconsiderou que uma das Recorrentes (Sandoz Farmacêutica Lda.), que não é a requerente do pedido de AIM (como exige o artigo 3º, n.º 2 da Lei n.º 62/2011); ii) Condenou as Recorrentes em condutas que vão muito para além do que está previsto no regime cominatório da Lei n.º 62/2011.

  7. O Tribunal Recorrido aplicou incorretamente o disposto no artigo 3º, n.º 2 da Lei n.º 62/2011, devendo o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro em conformidade.

  8. O Tribunal Recorrido refere-se ao interesse em agir quanto à AIM após ter sido concedida.

    No entanto, logo em seguida condena a requerente do pedido de AIM e a titular da AIM, entidades jurídicas completamente distintas.

  9. Caso o legislador derrogar o interesse em agir, enquanto requisito da Lei n.º 62/2011, deveria ter feito menção expressa a tal pretensão.

  10. O legislador refere expressamente a existência de um litígio no artigo 3º, n.º 2 da Lei n.º 62/2011. Havendo um litígio seria necessário demonstrar o interesse em agir.

  11. A Lei 62/2011 teve como intenção esclarecer que a AIM ou o pedido de AIM não viola quaisquer direitos de propriedade industrial.

  12. O interesse em agir pode ser definido como a necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a ação, circunstância que, manifestamente, não se verifica no caso em apreço.

  13. No artigo 102º do CPI estão identificados os atos considerados infratores de direitos de propriedade industrial. A mera obtenção de uma AIM para os medicamentos genéricos não se traduz na violação ou risco de violação de qualquer alegado direito invocado pelas Recorridas, ou sequer numa ameaça séria dessa violação (conforme decorre claramente da lei - artigo 19º, n.º 8, do Regime Jurídico dos Medicamentos de Uso Humano).

  14. O pedido de AIM um ato lícito que, sendo lícito, não pode constituir ameaça aos direitos de propriedade industrial.

  15. O acórdão recorrido interpretou incorretamente o disposto nos artigos 19º, 25º e 179º do Regime Jurídico dos Medicamentos de Uso Humano e bem assim, o disposto nos artigos 1º a 3º da Lei n.º 62/2011.” Conclui pedindo que se revogue o acórdão recorrido e ordene a sua substituição por decisão que ordene a absolvição da instância das Recorrentes ou, subsidiariamente, ordene a absolvição da instância da Segunda Recorrente e condene a Primeira Recorrente nos precisos termos previstos no artigo 3º, n.º 2 da Lei n.º 62/2011.

    … … Também as autoras interpuseram recurso excecional da decisão da Relação na parte em que esta confirmou a sentença e entendeu não terem as demandantes, ora recorrentes, interesse em agir quanto ao pedido de condenação das Rés na proibição de exploração industrial e económica de quaisquer medicamentos genéricos, para lá dos que são objeto dos pedidos de AIM identificados no artigo 128.º da petição inicial, concluindo que: “A. o presente recurso vem interposto do Acórdão Recorrido na parte em que absolveu as Recorridas da instância relativamente ao pedido de condenação de proibição de exploração industrial e económica de quaisquer medicamentos genéricos que contenham sitagliptina como substância ativa por alegada falta de interesse em agir das Recorrentes.

    1. A questão que é trazida ao conhecimento deste Tribunal assume relevância jurídica, cuja apreciação é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito por, pelo menos, cinco ordens de razão.

    2. Em primeiro lugar, estamos diante de uma questão complexa, de elevado grau de dificuldade ou suscetível de originar a prolação de decisões antagónicas em processos de cariz semelhante. Os titulares de direitos de propriedade industrial que iniciam uma ação em razão da publicitação de pedidos de AIM na página oficial do INFARMED, peticionam a condenação do réu não só na proibição de exploração dos medicamentos genéricos objeto dos pedidos da AIM formulados, mas também na proibição de exploração de quaisquer medicamentos genéricos que contenham a substância ativa protegida pelos direitos invocados, por considerarem que nada na Lei 62/2011 limita ou restringe os poderes de cognição do Tribunal, nem tão-pouco delimita os pedidos que um titular de direitos de propriedade industrial se encontra habilitado a formular no âmbito da ação aí prevista. Inclusivamente o Tribunal da Relação ... já se pronunciou por diversas vezes no sentido da admissibilidade e procedência deste pedido – sendo que o Acórdão Recorrido o negou – o que por si ilustra que esta é uma questão ainda em aberto, sujeita a discussão e cuja intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça se revela da maior importância.

    3. Em segundo lugar, não pode ser ignorada a enorme controvérsia jurisprudencial que se tem gerado em torno da matéria relacionada com o interesse em agir, como aliás já reconheceu o próprio Supremo Tribunal de Justiça, pelo que a sua intervenção se reveste da maior importância.

    4. Em terceiro lugar, apesar de a questão ora trazida a este Tribunal já se colocar na vigência da versão original da Lei 62/2011 (com diversas conformações jurídicas), considerando que a Lei 62/2011, na sua redação atual, entrou em vigor há menos de 3 anos, podemos afirmar que as questões que se suscitam em torno da sua aplicação são dotadas de novidade.

    5. Em quarto lugar, existem vários recursos...

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