Acórdão nº 632/21.3T8FNC-B.L1-7 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 26 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelMICAELA SOUSA
Data da Resolução26 de Outubro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I–RELATÓRIO A, residente na Estrada da ... ... n.º ..., S... M... M..., ....-...–F_____ requereu a instauração de processo de inventário judicial para partilha dos bens que integram os acervos hereditários deixados por óbito de C [ ÁLVARO ...] e mulher D [ EGÍDIA ...] e de E [ JOÃO ...], residentes que foram na Estrada da ... ..., nº ..., S... M... M..., ....-...–F_____, sendo interessado no inventário, para além da requerente e outra sobrinha, B [ Juvenal ....], residente na Estrada da ... ..., nº ..., freguesia de S... M... M...–F_____, único irmão sobrevivo da falecida D.

Alega a requerente o seguinte: – Em 11 de Setembro de 1988 faleceu C, no estado de casado com D, segundo o regime da comunhão geral de bens, sem testamento ou disposição de última vontade, deixando a suceder-lhe o seu cônjuge, e o filho E ; – Em 23 de Março de 2016 faleceu E, no estado de solteiro, sem testamento ou disposição de última vontade, sucedendo-lhe sua mãe, D ; – Em 8 de Novembro de 2017 faleceu D, no estado de viúva de C, sem testamento ou disposição de última vontade, sucedendo-lhe: o irmão B ; a sobrinha, ora requerente, A , em representação, como única filha, da irmã pré-falecida Maria José ...........; a sobrinha Lígia Maria......., em representação, como única filha, do irmão pré-falecido, José de Freitas .......; a irmã Agostinha......., emigrante na Venezuela, desconhecendo se é viva ou falecida; – O cabeçalato pertence ao irmão B ; – O único activo existente na herança de D é um bem imóvel: prédio urbano situado à Estrada da ... ..., ..., freguesia de S... M... M...–F_____, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 6... e descrito na Conservatória do Registo Predial do F_____ sob o número 5.../.......6, cuja aquisição a favor de Egídia....... foi inscrita pela Ap. 223 de 2016/08/16, por partilha; – Em 11 de Outubro de 2019, foi lavrada escritura de habilitação de herdeiros em que B se declarou falsamente único herdeiro de D; – Em 20 de Janeiro de 2020, B outorgou escritura pública de justificação para fazer registar, como registou, a seu favor o prédio acima identificado, conforme Ap. 680 de 2020/05/21, com aquisição por usucapião; – Para além do activo existe passivo na herança aberta por óbito de D, consistente em dívidas à mãe da requerente, já falecida, e a terceiros que lhe emprestaram diversos valores para fazer face a despesas e, bem assim, relativas a benfeitorias que a requerente efectuou no imóvel.

Requer o inventário para partilha dos bens das heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito dos acima identificados inventariados e solicitou a apensação aos autos de inventário do procedimento cautelar de arrolamento que correu termos sob o n.º 5069/20.9T8FNC (cf. Ref. Elect. 4049407 dos autos principais de inventário).

Em 25 de Março de 2021 foi proferido o seguinte despacho (cf. Ref. Elect. 49751003 dos autos principais de inventário): “Admito a cumulação de inventários, à luz do artigo 1094.º do CPC, correndo os presentes autos de inventário para partilha das heranças deixadas por óbito de: - C ; - E , e - D .

Foi requerida, no requerimento inicial, a apensação aos presentes autos de inventário, da providência cautelar do processo 5069/20.9T8FNC […] Verifica-se que importa indeferir o pedido de apensação do procedimento cautelar supra identificado aos presentes autos. Com efeito, os presentes autos não poderão constituir a ação principal referente ao procedimento cautelar, senão vejamos: O procedimento cautelar que foi autuado com o n.º 5069/20.9T8FNC visou o arrolamento do prédio descrito na competente Conservatória do Registo Civil do F_____, sob o n.º 5...., para evitar a possível venda do bem da herança de D.

Embora os presentes autos de inventário corram, para além do mais, para partilha da herança da referida falecida D, tal não basta para que se possa considerar que o presente processo constitui a ação principal daqueles autos de procedimento cautelar de arresto e assim permitir a apensação à luz do artigo 364.º, n.º 2, do CPC.

Com efeito, conforme alega a requerente no requerimento inicial que deu origem ao presente processo, à semelhança do que fez no âmbito do procedimento cautelar, o referido bem imóvel pertence à referida herança (de acordo com a relação controvertida apresentada pela parte ativa) mas o irmão da falecida, B, outorgou escritura pública de justificação, em 20.01.2020, para registar, como fez, o prédio em seu favor, tendo prestado falsas declarações quanto à aquisição do prédio. Ora, tendo sido celebrada escritura de justificação do imóvel que, na versão da requerente, pertence à (s) herança (s) a partilhar no âmbito do inventário, e beneficiando o ora interessado B, de registo do bem em seu nome (e logo da presunção de propriedade derivada do registo, nos termos do artigo 7.º do Código do Registo Predial), não poderá a questão da definição do direito de propriedade do imóvel em causa ser efetuada no âmbito do presente processo mas apenas em ação de processo comum para a impugnação de escrita de justificação notarial, questão que pela sua complexidade, jamais poderia ser julgada no âmbito da presente ação especial de inventário para a partilha de bens das heranças em causa.

Em conformidade, veja-se a própria sentença proferida a 06.01.2021, no procedimento cautelar 5069/20.9T8FNC, que se refere ao mesmo procedimento como preliminar de processo comum de impugnação de escritura de justificação - veja-se o primeiro parágrafo dessa sentença, bem como o penúltimo parágrafo da sua antepenúltima folha.

Será, pois, através de ação de impugnação da escritura de justificação, com base na qual o ora interessado Juvenal.......

registou o imóvel em causa em seu favor, que esse registo poderá vir a ser abalado, caso a ação venha a proceder e seja declarado que ocorreu falsas declarações e que o bem não pertence a quem o justificou.

Assim, salvo o devido respeito, inexiste fundamento legal, à luz do artigo 364.º, n.º 2, do CPC ou de qualquer outro preceito, para que o procedimento cautelar corra por apenso aos presentes autos, que não constituem a sua causa principal.

Pelo exposto, indefiro o pedido de apensação aos presentes autos da providência cautelar autuada com o n.º 5069/20.9T8FNC. Uma vez que a apensação já foi concretizada, importa proceder à desapensação, o que ora se determina, por forma a que volte o procedimento cautelar a assumir a autuação inicial.

Notifique.” Inconformada com esta decisão, vem a requerente dela interpor o presente recurso, cujas alegações conclui do seguinte modo (cf. Ref. Elect. 4123203 dos autos principais): a)-Os inventariados C, D e E eram donos e legítimos possuidores do prédio urbano, objecto da providência cautelar de arrolamento e identificado no requerimento inicial; b)-Aproveitando a morte da sua irmã D, o requerido B mediante escritura de habilitação de herdeiros, declarou falsamente ser o único herdeiro legítimo da mesma; c)-E ainda com base em falsas declarações prestadas perante oficial público, Notária, declarou ter adquirido por usucapião o prédio que registou em seu nome e colocou à venda; d)-Factos que motivaram que a Requerente intentasse o procedimento cautelar de arrolamento tendo em vista apreender a coisa para sua partilha judicial e impedir a dissipação da mesma; e)-O facto de o Requerido ter o prédio registado a seu favor, e portanto formalmente ser o titular do direito de propriedade e de ser o seu presuntivo proprietário, não obsta a que, o prédio seja de facto propriedade e pertença às Heranças como já indiciariamente se provou; f)-E de novo se demonstrará e provará se o Requerido, enquanto cabeça de casal se recusar a relacionar o mesmo como tal; g)-Constando como já constam quer dos autos de providência de arrolamento os meios de prova quer da propriedade do bem como sendo das Heranças quer da falsidade das declarações do Requerido quanto à aquisição do direito de propriedade por usucapião, nada obsta a que, na decisão das reclamações sobre o bem imóvel seja proferida decisão definitiva relativa às falsidades e ao verdadeiro titular do direito da propriedade e ordenado o cancelamento do registo a favor do Requerido; h)-Atenta a evidência probatória das falsidades praticadas e declaradas, não carecem os autos de aturada e complicada investigação probatória, atenta a simplicidade e a evidência das falsidades daqueles actos notariais e subsequente registo; i)-Assim deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que ordene a apensação da providência cautelar de arrolamento aos presentes autos, nos termos do art. 403 do CPC.

Termina as conclusões pugnando pela procedência do recurso e a consequente revogação do despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que mantenha a apensação do procedimento cautelar.

Não foram apresentadas contra-alegações.

*** II–OBJECTO DO RECURSO Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.

Em face das conclusões da recorrente a única questão que importa apreciar é a de saber se deve haver lugar à apensação do procedimento cautelar supra identificado aos autos de inventário que correm termos sob o n.º 632/21.3T8FNC.

Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.

*** III–FUNDAMENTAÇÃO 3.1.– FUNDAMENTOS DE FACTO Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do...

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