Acórdão nº 1769/12.5TBCTX.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Março de 2017

Magistrado ResponsávelANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Data da Resolução24 de Março de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Relatório I – AA, divorciado, residente em …, ..., instaurou acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB, viúva, residente no ..., alegando, em síntese, que: Viveu em união de facto com a Ré, desde Dezembro de 1999 a Setembro de 2011, período durante o qual partilharam casa, leito e mesa, provendo em conjunto à satisfação das suas necessidades de vida.

No âmbito dessa vivência, perante o receio frequentemente manifestado pela Ré de vir a ser posta fora de casa pela filha do Autor, se lhe sobrevivesse, acedeu a financiar com €150 000,00 a aquisição de um imóvel em nome da Ré.

Foi sempre claro e assumido pelo Autor e pela Ré que esse financiamento era efectuado no âmbito e subsistência dessa vivência em comum e que se porventura essa união terminasse antes da morte de um deles, à Ré caberia entregar ao Autor o imóvel adquirido ou o montante do financiamento.

Adquirido o imóvel, em 2008, em nome exclusivo da Ré, passou a ser utilizado em comum até 2011, altura em que a Ré fez cessar a convivência, nele passando a residir.

O financiamento feito configura um empréstimo nulo, por falta de forma, o que obriga a Ré a restituir o referido montante que sempre será devido, a título de enriquecimento sem causa.

Com tais fundamentos, concluiu por pedir a condenação da Ré a devolver-lhe a importância de €150 000,00, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação.

A Ré contestou, aceitando a convivência análoga à de cônjuges, mas contrapôs diferente versão factual quanto à entrega do aludido montante, sustentando tratar-se de doação feita pelo Autor, sem quaisquer condições, e, desse modo, concluindo pela improcedência da acção e inerente absolvição do pedido.

Saneado o processo, com delimitação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova, e realizada a audiência final, foi proferida sentença (em 17 de Junho de 2015) que, na procedência da acção e com base no enriquecimento sem causa, condenou a Ré a restituir ao Autor a importância de €150 000,00, acrescida de juros moratórios, à taxa anual de 4%, desde a citação.

Discordando dessa decisão, apelou a Ré, com êxito, tendo a Relação de Évora revogado a sentença da 1ª instância e decidido absolver a Ré do pedido.

Agora inconformado, interpôs o Autor recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as seguintes conclusões: 1. Autor e Ré viveram em união de facto, situação que cessou em setembro de 2011.

  1. O Autor providenciou que uma conta solidária, em nome de ambos, ficasse provisionada com o montante de € 150.000,00, mediante três depósitos de três cheques, de € 50.000,00 cada um, por si efetuados nos dias 28 de Janeiro, 01 de Fevereiro e 25 de Fevereiro de 2008, sacados sobre a conta pessoal, de sua única titularidade, no Banco CC.

  2. Provou-se, assim, que entre Janeiro e Fevereiro de 2008, o Autor possibilitou à Ré o acesso à quantia de € 150.000,00, seus, no âmbito da solidariedade da conta bancária provisionada, e no âmbito e no decurso da união de facto existente.

  3. A Ré fez a transferência da quantia de € 150.000,00 que se encontrava depositada na conta solidária em nome de A. e Ré para uma conta pessoal da Ré, em 03 de Março de 2008, isto é, passados seis dias do último depósito do Autor na conta solidária de ambos.

  4. A Ré adquiriu, exclusivamente para si e integrou unicamente no seu, dela, património, um apartamento no ..., cujo preço foi pago, com os € 150.000,00 que a Ré tinha transferido da supra aludida conta solidária para a sua conta pessoal e mais € 5.000,00 pertencentes à Ré.

  5. Se resultou provado que o Autor, no âmbito e no decurso de uma união de facto entre ambos, abriu uma conta solidária com a Ré, que provisionou com €150.000,00 com cheques sacados da sua conta pessoal, sendo o proprietário dessa importância, e que passados seis dias, a Ré transferiu a referida importância para a sua conta pessoal e se nenhum negócio jurídico válido ou qualquer razão atendível ou subsistente se provou, não se justifica que a Ré, finda a união de facto, se enriqueça com o montante de €150.000,00 à custa do empobrecimento, em igual montante, do Autor.

  6. Tanto mais que o que se apurou não foi uma transmissão voluntária da referida quantia do património do Autor para o património da Ré, o que se provou foi que o Autor transferiu fundos seus para uma conta bancária que igualmente possibilitava fosse movimentada pela Ré e que, seis dias depois do último provisionamento dessa conta solidária, foi a Ré quem, por si, transferiu esses fundos – que sabia serem do Autor! – para uma conta exclusivamente sua.

  7. Ou seja, provou-se que a Ré se apropriou de € 150.000,00 que sabia não serem seus (não que o Autor lhe deu essa quantia).

  8. Essa apropriação, mediante o ato unilateral da Ré constitui prova bastante da falta de causa justificativa do enriquecimento da Ré à custa do Autor.

  9. Tal como o ato de furto prova por si só a falta de causa do enriquecimento do ladrão e o empobrecimento do furtado, sem justa causa.

  10. De qualquer forma, sempre a cessação da união de facto entre A. e Ré, constitui facto que consubstancia a perda da causa para a deslocação patrimonial, fundamentando a restituição pedida.

  11. A falta de causa justificativa pode decorrer da circunstância de nunca ter existido ou, tendo existido, se ter, entretanto, perdido.

  12. A decisão recorrida, ao não dar relevância aos factos constantes das conclusões anteriores, errou e violou o disposto no art. 473.º do Código Civil.

    A Ré ofereceu contra-alegação a pugnar pelo insucesso do recurso e, colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    II - Fundamentação de facto A factualidade dada como provada, nas instâncias, é a seguinte: A) A partir de Dezembro de 1999, Autor e Ré passaram a coabitar juntos, numa moradia do Autor na …, Cartaxo, partilhando casa, leito e mesa, como se marido e mulher se tratasse; B) Em Janeiro de 2008, Autor e Ré abriram uma conta bancária solidária, em nome de ambos, movimentável indiferentemente por qualquer deles, no Banco DD [Conta nº 29…].

    1. O Autor providenciou que a referida conta ficasse provisionada com o montante de €150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) mediante três depósitos de €50.000,00 cada, por si efectuados nos dias 28 de Janeiro, 01 de Fevereiro e 25 de Fevereiro de 2008...

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