Acórdão nº 576/22.1 T8VCT.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelNUNO PINTO OLIVEIRA
Data da Resolução12 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. — RELATÓRIO 1.

    Caixa Geral de Depósitos S.A. propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA, pedindo que o Réu seja condenado a restituir à Autora a quantia de 105.684,05 euros, acrescida de juros moratórios à taxa anual legal supletiva dos juros civis, desde 15 de Janeiro de 2021, e até efectivo pagamento.

    1. O Réu AA contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção.

    2. Invocou, inter alia, o abuso do direito da Autora Caixa Geral de Depósitos S.A., em consequência da cativação de saldo bancário de 81.836,57 euros.

    3. Em 7 de Fevereiro de 2023, o Tribunal de 1.ª instância proferiu sentença em que julgou totalmente improcedente a acção.

    4. O dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância é do seguinte teor: 1. Pelo exposto, o Tribunal decide julgar improcedente por não provada a presente acção e, em consequência decide absolver o Réu do pedido.

    5. Custas a cargo da A.

    6. Inconformada, a Autora Caixa Geral de Depósitos S.A. interpôs recurso de apelação.

    7. O Réu AA contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

    8. Em 29 de Junho de 2023, o Tribunal da Relação de Guimarães julgou parcialmente procedente o recurso.

    9. O dispositivo do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães é do seguinte teor: Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o presente recurso, revogando a sentença recorrida e, em sua substituição, julgam a acção parcialmente procedente, condenando o Réu a restituir à autora a quantia de €104.553,13 (cento e quatro mil, quinhentos e cinquenta e três euros e treze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal para as obrigações civis, contados da citação, sobre o montante de €22.716,56 (vinte e dois mil, setecentos e dezasseis euros e cinquenta e seis cêntimos), até efectiva e integral restituição.

      Custas, em ambas as instâncias, pelas partes, na proporção da sucumbência.

    10. Inconformado, o Réu AA interpôs recurso de revista.

    11. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

      1. O Tribunal de primeira Instância - Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo – Juízo Central Cível de ... – Juiz 1 - absolveu o R., aqui Recorrente da acção intentada pela A., aqui Recorrida, de enriquecimento sem causa.

        B) Enquanto que o Tribunal da Relação de Guimarães entendeu o oposto e condenou o aqui Recorrente em acção de enriquecimento sem causa, julgando-a parcialmente procedente, condenando o Réu a restituir à Autora a quantia de €104.553,13, acrescida de juros de mora à taxa legal para as obrigações civis, contados da citação, sobre o montante de €22.716,56, até efectiva e integral restituição.

        C) Nos termos do artigo 674.º n.º 1 alinea a) do CPC, vimos apresentar os fundamentos para o Recurso de Revista, e entendemos estar perante tanto num erro de interpretação dos factos provados no caso concreto e num erro de aplicação do artigo 374.º do CC, pois deveria o Tribunal de Relação de Guimarães ter decidido não se aplicar o instituto do enriquecimento sem causa ao caso em concreto ao não o fazer interpretou mal a prova produzida e aplicou o direito de forma errada, D) pois, sem alterar factos, e aplicando somente o direito consegue fazer uma subversão da leitura dos factos para aplicar e reconhece estarmos perante um enriquecimento sem causa, vejamos, E) A sentença proferida nos presente autos pelo JUIZO CENTRAL CÍVEL DE ... – JUIZ 1, não merecia qualquer repreensão ou censura, pelo que a mesma logrou a aplicação efectiva do direito na submissão aos factos.

        F) A mesma reconhece não haver qualquer enriquecimento sem causa e justifica da seguinte forma: “No caso vertente, entende-se não existir um enriquecimento sem causa por parte do Réu, e que sobretudo que esse enriquecimento tivesse sido obtido à custa empobrecimento da A.

        Na verdade, e quanto a este aspecto, o que a A. qualifica de seu empobrecimento mais não é do que uma consequência nefasta de um erro imputável aos seus próprios serviços como de resto assumiu desde logo na p.i.

        A ter havido enriquecimento do R., o mesmo não advém causalmente do empobrecimento do património da A.. A A. é que para reparar um erro dos seus serviços teve de suportar um prejuízo, o que não se pode confundir com um empobrecimento com base no qual se deu o enriquecimento do Réu.

        De resto quanto ao alegado enriquecimento do Réu, este, desconhecendo o evento de reverse stock split, e no convencimento legítimo de ser titular e ter em carteira 25.000 acções (já que por lapso da Autora não foi actualizada a carteira do Réu por efeito daquele evento), vendo o Réu que no mercado as mesmas estavam a valorizar passou a vendê-las através de várias ordens de venda, que a própria A. cumpriu! E dessa venda retirou o respectivo lucro / mais valias.

        Durante o período em causa, ou seja, durante 29 dias, o R. procedeu à venda de 20.000 das 25.000 acções que tinha adquirido e constavam da sua carteira, mediante as expectativas que a cotação das mesmas tinha subido sobremaneira, e vendeu-as pois constavam disponíveis na sua carteira.

        Ou seja, o enriquecimento do R. está fundado, por um lado, na titularidade de determinado número de acções, que para si constavam formalmente da sua carteira, carteira essa que não tinha sido actualizada pelos serviços da A., e por outro em ordens de venda dessas mesmas acções dadas pelo Réu, quando viu a sua valorização no mercado bolsista, que a própria A. cumpriu.

        Perante isto, entende-se que não se está propriamente em face de um enriquecimento sem causa justificativa.

        Por outro lado, também não se pode olvidar que o Réu, em virtude da venda das acções em causa, e para abater eventuais mais valias efectuou também a venda de acções que tinha em carteira em desvalorização, venda que não faria se não ocorresse a vendas das primeiras.

        Por último, não se pode olvidar que entre A. e R. estabeleceu-se um contrato de intermediação financeira, que a A. cumpriu ou executou em erro a si própria imputável, pelo que será ou seria no âmbito das regras que regem tal contrato que as vicissitudes verificadas entre A. e R. deverão ou deveriam ser objecto de tratamento, pelo que lançar mão do instituto do enriquecimento sem causa não seria o único meio de a A. obter eventual indemnização ou restituição.” G) Em virtude desta sentença a ali A. recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães apresentando alegações que não correspondem à realidade, então: H) A Autora no seu recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães formula conclusões no ponto 5) e no ponto 7) que são absolutamente falsas, a saber: “5) Ou seja, o enriquecimento do apelado só se tornou possível porque a apelante teve de adquirir o diferencial das ações em falta, sem o que a venda das mesmas e o correspetivo encaixe/enriquecimento daquele no valor de €105.684,00 não teria existido, verificando-se assim uma ligação funcional imediata entre o lapso da A. na atualização do número de ações, as ordens de venda dadas pelo apelado, e a aquisição do diferencial das ações pela apelante que originou o enriquecimento daquele e o empobrecimento desta;” “7) Certo é que sem a aquisição destas ações pela apelante o apelado não teria visto o seu património enriquecido e, não fora essa aquisição, não teria a apelante visto empobrecer o seu património;” I) O Réu obteve o encaixe financeiro logo com a venda das acções que constavam na sua carteira entre o dia 20-12-2020 até dia 15-01-2021, o R. foi vendendo as suas acções, o montante das vendas efectivas foram logo cumpridas e efectuado o pagamento devido, J) O R. não teve de aguardar que a A. adquirisse o diferencial das acções em falta, para o R. ter o retorno ou encaixe financeiro das acções vendidas– o que é absolutamente falso, - quando a A. se apercebe do seu erro grosseiro a 15-01-2021 e o Réu já tinha embolsado na sua conta bancária o valor das acções efectivamente vendidas!!! K) A A. falta à verdade, o Réu foi vendo o seu património enriquecido à medida que ia vendendo as acções, as ordens eram cumpridas e o valor das mesmas era pago ao Réu, logo em 15-01-2021 o R. já tinha o valor todo disponível na sua conta bancária das vendas que tinha efectuado! L) Assim não entenderam os Exmos. Srs. Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães, o qual proferiram Acórdão com fundamentação totalmente oposta ao Tribunal de primeira instância e com a qual discordamos na integra, vejamos: M) O Tribunal da Relação de Guimarães entendeu que: “Efectivamente, no caso em apreço provou-se que ocorreu uma deslocação do património da Autora para o património do Réu, correspondente ao valor de 19.800 acções de que o mesmo não era titular e, por isso, de que não podia dispor, nem fazer seu o produto da respectiva venda.

        Essa deslocação patrimonial, na parte em que excede o valor correspondente às 200 acções, fundada num mero lapso dos serviços da Autora, carece de justificação legal ou negocial e enriqueceu nessa exacta medida o património Réu.

        Por força dessa deslocação patrimonial a favor do Réu, a Autora (CGD) viu o seu activo diminuído ou o seu passivo aumentado, nessa exacta medida.

        Inexiste qualquer relação obrigacional, negocial ou legal que justifique tal deslocação patrimonial, e aquela prestação (montante transferido pela Autora para a conta do Réu pela venda de 19.800 acções que este não detinha), ou seja, a deslocação patrimonial, não tinha qualquer finalidade típica juridicamente tutelada.

        Existe a necessária correlação entre o enriquecimento (recebimento indevido) e o empobrecimento da Autora (transferência ou depósito efectuado com base em erro dos serviços – facto provado sob o nº16).

        Embora na sentença recorrida se refira que não seria a este meio (restituição com base no enriquecimento sem causa) que a autora deveria ter recorrido, antes a questão deveria ter sido dirimida no âmbito das regras que regem o contrato de intermediação financeira, certo é que também refere que a Autora “cumpriu ou executou...

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