Acórdão nº 3954/18.7T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelM
Data da Resolução30 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Sumário: (…) Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo Local Cível de Setúbal, (…), na qualidade de legal representante do seu filho menor (…), nascido a 18 de Fevereiro de 2014, propôs acção declarativa comum contra o pai deste, (…).

Formulou os seguintes pedidos: a) “Ser declarado anulável a movimentação do R. efectuado na conta do menor (…), da qual resultou uma dissipação/alienação de depósitos titulados pelo menos no valor de 20.000 Euros; b) Ser o R. condenado à restituição do valor de 20.000 € ao menor (…), acrescidos de juros de mora vencidos no valor de 1.733,80 € e dos vincendos até efectivo e integral pagamento.” Alegou-se na petição inicial que, durante a vigência do casamento, A. e R. decidiram criar uma conta bancária para o filho de ambos onde seriam depositados todos os valores a ele exclusivamente destinados. Nesta sequência, depois da A. ter ordenado, em 15.07.2014, uma transferência para essa conta no valor de € 22.000,00, o R. comprometeu-se a transferir para essa conta um valor igual logo que recebesse uma indemnização devida pela morte da sua mãe. Assim, a 05.06.2015, o R. transferiu para essa conta a quantia de € 20.000,00, que aplicou no produto “Poupança a Crescer + IV”. Mais se alega que A. e R. decidiram constituir a conta bancária em nome do filho com o intuito de nela acumular rendimento e poupança para o seu futuro, e de modo a que este, aquando da sua maioridade, tivesse aforro suficiente para o início da sua vida, sem ajuda dos progenitores, e somente seria levantado antes em caso de absoluta urgência ocorrido em vida do menor. Uma vez que, após o divórcio, o R. transferiu os € 20.000,00 para conta por si titulada, apresenta-se a formular o pedido, argumentando que esse valor havia sido doado ao filho e que assim o R. não podia dele apropriar-se, sendo tal acto anulável nos termos dos arts. 1889.º, n.º 1, al. a), 1892.º, n.º 1 e 1893.º, n.º 1, do Código Civil.

Na contestação afirma-se que a conta era titulada pelo menor, pela A. e pelo R., podendo ser movimentada por qualquer um dos últimos, que a transferência de 05.06.2015 não constituiu doação de qualquer valor ao menor, argumentando que dividiu o valor recebido pela morte da sua mãe por duas contas para melhor rentabilizar as quantias depositadas, mantendo a possibilidade de movimentar as contas a todo o tempo e como bem entendesse, e que após o divórcio necessitou do valor depositado para fazer face a obras na nova casa onde iria passar a habitar com o menor, motivo pelo qual este não foi desapossado de qualquer valor que lhe pertencesse nem foi prejudicado.

Realizado julgamento, a sentença julgou a causa totalmente improcedente.

Recorre a A. e conclui: 1) A Recorrente não se conforma com a douta decisão proferida nos autos em epigrafe, por entender que foi produzida prova suficiente que conduza a um diferente julgamento de alguns pontos da matéria de facto provada e não provado, e ainda, porque a decisão proferida não contempla o sentido que se encontra expresso no disposto no art. 940.º do Cód. Civil, devendo, ao invés, considerar-se subsumida toda a factualidade demonstrada naquela norma e concluído que a transferência de Euros 20.000 efectuada pelo R. consubstancia uma verdadeira doação sujeita, por isso ao regime legal dos arts. 1889.º e ss. do Cód. Civil. Concretizando, 2) Impugna-se nesta sede o julgamento que o tribunal de primeira instância efectuou sobre os Pontos 4), 6) e 9) da Factualidade Provada e as alíneas a), b), c) e f) da matéria de facto julgada não provada. Porquanto, 3) No que concerne ao Ponto 4) da Factualidade Provada, cremos ter resultado da prova testemunhal, com suficiência e transparência, que a conta bancária a que aludem os presentes autos era do Menor e apenas para o mesmo era destinada, vide a este respeito os depoimentos de Depoimento de (…), inquirida na sessão de julgamento realizada a 4 de Abril de 2019, entre as 09.33.24 e as 09:50:55, Excerto 09:27 a 09:50, 10.41 a 10.42, de (…), inquirida na sessão de julgamento realizada a 4 de Abril de 2019, entre as 09.51.55 e as 10.06.21, Excertos 02.00 a 04.39, 04.59 a 05.55, 10.42 a 10.55; (…), inquirido na sessão de julgamento de 04 de Abril de 2019, entre as 11.01 e as 11.24, Excertos 07.46 a 08.48, 09.31 a 09.35, e (…), inquirida na sessão de julgamento de 04 de Abril de 2019, entre as 11.55 e 12.08, Excertos 02.51 a 03.47: 4) Com relevância para a prova deste facto encontramos também a documentação junta aos autos como documento n.º 8 junto com a petição inicial – aceite e não impugnado pelo Réu -, que corresponde a um extracto da conta criada para o Menor, sendo tal conta apelida de CONTA MESADA SELECT, tendo por NIB (…), que, devidamente confrontado com a informação constante das Condições Particulares e Especiais e com a Ficha de Informação Normalizada (FIN) junta aos autos a 21 de Maio de 2019, extrai-se que aquela conta visava abarcar apenas como titulares os menores, ainda que representados pelos seus progenitores, os quais era igualmente incluídos na titularidade das contas, mas relegados para segundo e terceiro titular, ficando a primeira titularidade sempre adstrita ao Menor; 5) Neste sentido também o facto de a partilha de bens efectuada juntamente com o divórcio por mútuo consentimento não incluir a conta em apreço resulta indiciado que, quer a Recorrente quer o Recorrido não a consideravam como bem comum, mas antes um activo do filho de ambos, alheio do acervo patrimonial conjugal, vide Doc. 1 junto com a petição inicial.

6) Ante os concretos meios probatórios citados, entendemos que mal andou o douto tribunal a quo no julgamento que efectuou quanto ao Ponto n.º 4) da Factualidade Demonstrada, devendo antes ter-se como provado que: “Durante a vigência do matrimónio, autora e réu decidiram criar uma conta bancária para o filho de ambos, tendo ficado também ambos titulares, na qualidade de legais representantes.” 7) No que respeita aos factos constantes em 6) e 9) entendemos que o Tribunal não considerou o que resulta da prova documental que subjaz à criação de tais aplicações e produtos financeiros, v.g. As Condições Particulares e Especiais e as Fichas de Informação Normalizadas, juntos aos autos, respectivamente, como Documentos 5 e 6da petição inicial – Facto 6) – e por oficio do Santander remetido para os autos a 21 de Junho de 2019 – Facto 9) – Em ambos os casos, resulta daquela documentação que o único titular em nome do qual ficaram constituídas as aplicações - concretamente a que é alvo de toda a atenção nestes autos efectuada em 5 de Junho de 2015 – é o Menor (…), e apenas este, e não nenhum dos restantes titulares da conta, sendo as condições aqui previstas especialmente delineadas para titulares Menores representados pelos respectivos representantes legais.

8) Mais se esclarece nas Condições Particulares e Especiais e no clausulado da FIN do produto Financeiro Poupança A Crescer + IV que apenas o Menor (vg. os seus interesses) poderia ditar a respectiva movimentação, e tal produto destinava-se, unicamente, à acumulação de poupança e de rendimento do respectivo titular, v.g. do Menor (…); 9) Entendemos, por isso, que aos factos aqui em menção julgados como provados deveria ter-se adicionado em cada um deles o seguinte: Facto provado 6) Por sua vez, na conta aberta em nome do (…), foram criadas duas aplicações: uma no valor de € 10.000,00, denominada “Poupança A Crescer + II”, e outra no valor de € 9.000,00, denominada “Depósito Valor Inovação”, ambas a 17 de Julho de 2014, e em que o único titular é (…) e Facto Provado em 9) – Aquele valor foi aplicado no produto sob a designação “Poupança A Crescer + IV”, naquela mesma data, constando como único titular (…), e sendo as condições de movimentação as do Menor, destinando-se tal produto ao rendimento e à acumulação de poupanças.

10) No que respeita à factualidade não provada em a), b) e c), entende a Recorrente ter o tribunal incorrido num erro de julgamento, porquanto resultou do depoimento da prova testemunhal inquirida que a conta criada, bem como as respectivas aplicações, eram na verdade “um mealheiro” do Menor – ao tempo da constituição da conta e das aplicações financeiras –, e que o Réu, quando confrontado com o levantamento indevido da quantia reforçou a titularidade do Menor quando alegou tratar-se de apenas um empréstimo, sujeito à devida devolução, vide Depoimento de (…), inquirida na sessão de julgamento realizada a 4 de Abril de 2019, entre as 09.33.24 e as 09:50:55, Excerto 3.50 a 05.32, 05.53 a 06.20, 06.33 a 07.35, 07.47 a 08.58,09.27 a 09.50, 10.41 a 10.42, 16.59 a 17.28, Depoimento de (…), inquirida na sessão de julgamento realizada a 4 de Abril de 2019, entre as 09.51.55 e as 10.06.21, Excerto 02:00 a 04.39, 04.59 a 05.55, 06.51 a 07.15, 08.00 108.19, 09.29 a 09.49, 10.42 a 10.55, 12.28 a 12.50, Depoimento de (…), inquirida na sessão de julgamento de 4 de Abril de 2019, entre as 10.08 e as 10.37, Excerto 10.11 a 10.23, 18.37 a 19.14, 19.15 a 20.08, Depoimento de (…), inquirido na sessão de julgamento de 04 de Abril de 2019, entre as 11.01 e as 11.24, Excerto 04.43 a 05.11, 14.41 a 16.20, 16.42 a 17.01; 11) A testemunha (…) terá afiançado que apenas tomou conhecimento da conta do menor e das aplicações em seu nome, no momento em que o recorrido terá procedido ao levantamento da primeira quantia – assinalada em 11) dos Factos provados –, tendo promovido o confronto directo com o Recorrido por conferencia telefónica, finda a qual ficou descansada perante a promessa daquele que o levantamento havia sido de mero empréstimo e que seria reposto. Por sua vez, a mãe da Recorrente adiantou, o único conhecimento de que tinha e que lhe foi transmitido pelo próprio Recorrido, de que os valores pertenciam exclusivamente ao Menor.

12) Por sua vez, as testemunhas indicadas pelos Recorrido, ainda que tenham tentado escamotear a titularidade da conta e fazer realçar a capacidade de movimentação do Recorrido, acabavam...

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