Acórdão nº 578/19.5T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução08 de Outubro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.

*I – RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. J. L.

(aqui Recorrente), residente na Rua …, Lote …, ..., em Viana do Castelo, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra R. G.

e marido, P. N.

(aqui Recorridos), residentes na Rua de …, n.º .., ..., em Viana do Castelo, pedindo que · os Réus fossem condenados a pagarem-lhe a quantia de € 23.500,00, a título de capital, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a citação até integral pagamento.

Alegou para o efeito, em síntese, que, sendo tio materno da Ré mulher, e vivendo esta na quinta que era do seu pai - e avô materno dela - (M. C.), que aí continuava a residir, viram a mesma ser penhorada no âmbito de uma execução, por dívidas daquele.

Mais alegou que, pretendendo ele próprio e os irmãos, incluindo a mãe da aqui Ré (E. G.) que a dita quinta continuasse a fazer parte do património familiar, e que o pai comum não tivesse que a abandonar, combinaram conjugar esforços para a comprarem, em comum ou apenas por um deles, ressarcindo-se depois na proporção dos respectivos contributos (nomeadamente, mercê da adjudicação de outro bens, em sede de futuras partilhas).

Alegou ainda o Autor (J. L.) que, mercê da precária situação financeira de dois dos seus irmãos, e da sua falta de disponibilidade para o efeito, a dita quinta viria a ser remida pela aqui Ré (R. G.), na qualidade de neta do proprietário executado, pelo valor de € 91.500,00; e ter ele próprio contribuído para esse efeito com € 15.500,00 (por meio de diversos cheques que lhe disponibilizou), e ainda com € 8.000,00, igualmente entregues à Ré para este efeito (quantia que correspondia à sua quota parte do preço de venda ao Réu de um prédio rústico, herança materna dele próprio e dos seus irmãos, realizada pouco tempo antes da remissão).

Por fim, o Autor (J. L.) alegou que, tendo-se os Réus (R. G. e P. N.) casados entre si já depois de autorizada a remissão, se recusaram a cumprir o acordado, negando-o inclusivamente; e desse modo fizeram desaparecer a causa das atribuições patrimoniais que lhes tinha feito (exclusivamente naquele pressuposto), enriquecendo-se injustificadamente nessa medida e à custa do seu próprio empobrecimento.

1.1.2.

Regularmente citados, os Réus (R. G. e P. N.), contestaram, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, por não provada, sendo eles próprios absolvidos do pedido.

Alegaram para o efeito, em síntese, não ter existido qualquer acordo familiar sustentando o exercício do direito de remição do imóvel em causa pela aqui Ré; e não ter o mesmo sido viabilizado com as verbas e quantias referidas pelo Autor (que foram antes utilizadas para pagar despesas decorrentes do seu divórcio, outras de cariz mensal e dívidas que ele próprio tinha para com o pai).

Mais alegaram que, ainda antes da remição ser exercida, já eles próprios dispunham da quase totalidade da quantia necessária para o efeito, uma vez que lhes fora concedido um empréstimo bancário de € 73.000,00 e possuíam uma conta poupança de € 16.000,00.

Por fim, os Réus (R. G. e P. N.) defenderam: a impropriedade do meio processual usado, uma vez que, tal como o Autor (J. L.) teria configurado os factos, poderia obter tutela para o seu direito numa acção de reivindicação, ou de cumprimento de contrato de mútuo, ou de erro sobre a base do negócio; e a prescrição do seu direito, já que teria sido exercido depois de terem decorrido três anos sobre o respectivo conhecimento pelo Autor (conhecimento que fizeram coincidir com a realização da remição).

1.1.3.

O Autor (J. L.) respondeu às excepções deduzidas na contestação, pedindo que fossem julgadas improcedentes.

Alegou para o efeito, e quanto à impropriedade do meio processual usado, não ter invocado nos autos qualquer direito de propriedade sobre o imóvel em causa, susceptível de ser defendido por uma acção de reivindicação, ou a realização de qualquer mútuo aos Réus (R. G. e P. N.), ou de qualquer negócio em que tivesse incorrido em erro sobre a respectiva base (justificando-se, assim, o recurso ao instituto do enriquecimento sem causa).

Já relativamente à alegada prescrição do seu direito, defendeu ser a mesma inexistente, por só em 2017 ter tido conhecimento da posição dos Réus (R. G. e P. N.), de não honrarem o pacto familiar que justificara as atribuições patrimoniais que lhes fizera.

1.1.4.

Realizada uma audiência prévia, foi proferido despacho: saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); fixando o valor da causa em € 23.500,00; definindo o objecto do litígio («Apurar se o autor tem direito à restituição do montante peticionado e se tal direito se alicerça no instituto do enriquecimento sem causa») e enunciando os termas da prova («a) Se entre o autor e os réus foi firmado um acordo com o propósito do imóvel penhorado e que estava à venda no âmbito da execução n.º 1846/14.8TBVCT do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo contra M. C. se mantivesse no património da família do executado»; «b) O referido acordo consistia numa combinação conjunta de todos colaborarem com quantias em dinheiro para que o imóvel ficasse na propriedade de todos, de alguns, ou, se outra forma não fosse possível, de apenas um, comprometendo-se, em qualquer caso, fosse qual fosse o resultado dos seus propósitos quanto à titularidade do futuro bem, esta haveria de ser atribuída em espécie ou mediante compensações monetárias, na proporção das suas contribuições»; «c) Em concretização do acordo afirmado, o autor entregou aos réus, em fracções, o montante total de € 23.500,00; d) Os réus R. G. e P. N. recusaram-se a devolver as quantias entregues pelo autor, em 10-04-2017); apreciando os requerimentos probatórios das partes e designando dia para realização da audiência de julgamento.

1.1.5.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando improcedente a excepção de prescrição deduzida (não tendo este juízo sido objecto de recurso) e totalmente improcedente a acção, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) V - DECISÃO Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção totalmente improcedente e, consequentemente, absolver os Réus do pedido.

Custas da acção pelo Autor (art.º 527º, nº 1 e 2 do CPC).

Registe e notifique (…)»*1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformado com esta decisão, o Autor (J. L.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse a sentença proferida, sendo a mesma substituída por acórdão julgando a acção procedente.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões): A - Na presente acção, o Autor, ora Recorrente, pretendia ver reconhecido o direito de crédito no montante de € 23.500,00, acrescidos de juros legais contabilizados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, de que os RR. se constituíam devedores, por, brevitatis causa, ter aquele acordado com estes colaborar e fazer convergir meios económicos com vista a concorrer à venda judicial do prédio identificado nos autos e penhorado no âmbito do processo executivo nº 1846/14.8TBVCT com o objectivo de o manter no património da família, acordando-se, pois, que a R. R. G., sua sobrinha e também herdeira, apresentar-se-ia a exercer o respectivo direito de remição com tais fundos, negócio esse cuja causa deixou de existir e, por isso, pediu o A. a restituição das verbas que disponibilizou, em função do correspectivo enriquecimento dos RR.

B - Como fundamento jurídico dessa pretensão invocou o A., portanto, o instituto do enriquecimento sem causa, com assento nos arts. 473º a 482º do Código Civil.

C - Como se refere na douta sentença, o A. terá cumprido o seu ónus de alegação, relativamente à factualidade susceptível de integrar o fundamento jurídico da pretensão, mas, em função da matéria de facto considerada provada e não provada pelo Tribunal a quo, não terá logrado provar a existência do alegado acordo com os RR., nem a deslocação patrimonial da quantia indicada como sendo a do enriquecimentos dos RR. à custa do ora recorrente. Daí, a improcedência da acção.

D - Por isso, à pretendida alteração do decidido interessa, e por isso estão em causa os factos constantes dos pontos a), b), c), d), f), g), h), e i) do elenco dos factos não provados, cuja inclusão no elenco de factos provados vem ora pugnar o recorrente, bem como a eliminação ou a alteração do facto elencado em m) do rol de factos provados.

E - Na verdade, entende o recorrente que, em face da prova produzida em audiência, nomeadamente as declarações e depoimentos de parte prestados quer pelo A., quer pelos R. P. N. e R. G., e os depoimentos das testemunhas A. B., M. C. – irmão do A.-, e E. G. – irmã do A.-, concatenadas com a prova documental constante dos autos, tudo permitirá, conclusivamente, resultado inferencial distinto do que foi fixado na douta sentença do tribunal a quo quanto aos pontos de facto mencionados no artigo anterior, quer na apreciação dos seus elementos probatório objectivos, quer na sua consideração à luz das regras de experiência do julgador.

Concretizando; F- Relativamente ao facto não provado da alínea a) que se pretende ver alterado para provado, nomeadamente no que toca à propósito de o A. concorrer à venda judicial da “Quinta” penhorada é matéria pacífica quer nas declarações do A. referenciadas nos arts. 37º e ss. supra, quer nas da testemunha M. C., quer reconhecido pela testemunha E. G., quer pelos RR., fazendo parte do próprio acordo a aquisição por um ou por vários, desde que se mantivesse no património familiar.

G - Passando aos factos das alíneas b), c), e f), isto é, quanto à demonstração da existência do acordo entre os A., os seus...

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