Acórdão nº 4305/15.8T8SNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Maio de 2017

Magistrado ResponsávelANA LUÍSA GERALDES
Data da Resolução18 de Maio de 2017
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I – 1. AA Instaurou a presente acção declarativa especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra: BB, S.A.

Opondo-se ao despedimento promovido pela Ré.

  1. A Entidade Empregadora motivou o despedimento imputando ao Autor, seu trabalhador, o facto de este, enquanto ... ao serviço da Ré, ter procedido ao recebimento de pagamentos em dinheiro efectuados por clientes que não registava no sistema informático “M...” da empresa e não emitia a correspondente factura, verificando-se, após, que os referidos pagamentos em dinheiro não constavam do fecho diário da caixa.

  2. O A. contestou a motivação negando a prática dos factos imputados, arguindo a nulidade da prova produzida em sede de procedimento disciplinar e requerendo a condenação da R. no pagamento de indemnização em detrimento da reintegração.

  3. Realizado o julgamento, a sentença proferida tem o seguinte teor decisório: “Face ao exposto julga-se a acção procedente, declarando-se ilícito o despedimento do Trabalhador e, consequentemente, condena-se a Empregadora a pagar ao Trabalhador: I) Uma indemnização por antiguidade que se liquida, nesta data, no montante € 29.154,58 (vinte e nove mil cento e cinquenta e quatro euros e cinquenta e oito cêntimos); II) A quantia que se apurar em incidente de liquidação, correspondente aos salários, e respectivos subsídios de férias e de Natal, vencidos desde 13 de Fevereiro de 2015 até ao trânsito em julgado da presente sentença, com referência à retribuição e diuturnidade do Trabalhador, no montante de € 1.121,33 (mil cento o vinte e um euros e trinta e três cêntimos), deduzidas as importâncias que o mesmo eventualmente tenha auferido, a título de rendimentos de trabalho, após a data do despedimento, e que não receberia se não fosse o despedimento, e subsídio de desemprego, nos termos do disposto nos nºs 2 e 3, do art. 390º, do C. de Trabalho”.

  4. Inconformada, a Ré Entidade Empregadora Apelou, recorrendo:

    1. Quer da decisão proferida pela 1ª instância quanto à matéria de facto (por entender que tal Tribunal errou na apreciação da prova); b) Quer quanto à decisão de direito, porquanto considera que existe justa causa para o despedimento do Autor.

  5. Após reapreciação da matéria de facto, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu Acórdão com o seguinte decisório: “Face a todo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso interposto por BB, S.A. e, em consequência, revogar a sentença Recorrida, considerando que o despedimento do Autor pela Ré é lícito, porquanto com justa causa, absolvendo-se a Ré de todos os pedidos contra ela formulados.” 7.

    Irresignado, o Autor interpôs o presente recurso de revista, tendo formulado, as seguintes conclusões: 1. “O Tribunal "a quo" recorreu ilicitamente, no caso concreto, ao instituto jurídico das presunções legais, para dar como provados factos não provados, por quem assistia o ónus da prova; 2. As presunções judiciais são admitidas no nosso ordenamento jurídico, desde que respeitados os requisitos subjacentes ao tal instituto, o que, no nosso entendimento, não sucedeu no caso em concreto, pelos motivos indicados nas alegações supra; 3. Efectivamente, o Tribunal "a quo" deu como provado factos com base em presunções, nomeadamente, o não registo de consumos de clientes no dia 29 de Outubro e 3 de Novembro de 2014, e a apropriação dos quantitativos pagos relativamente aos consumos não registados, que foram retirados de factos desconhecidos, que exigiam um grau superior de prova e que conflituam com a factualidade material provada; 4. O Tribunal "a quo" ao agir como agiu, violou os artigos 349° e 351° do Código Civil; 5. O Tribunal "a quo" ao considerar como provado, com base em presunções, factos que caberiam à Recorrida o ónus da prova, nomeadamente o não registo de consumos de clientes no dia 29 de Outubro e 3 de Novembro de 2014, e a apropriação dos quantitativos pagos relativamente aos consumos não registados, violou o artigo 342.° do Código Civil; 6. O Tribunal "a quo" substituiu-se à Recorrida na produção de prova, o que teve como consequência a alteração do sentido da decisão, revogando a decisão do Tribunal de 1ª Instância pelos termos constantes do Acórdão ora recorrido; 7. O recurso ilícito por parte do Tribunal "a quo" ao instituto das presunções legais terá como consequência, que este Douto Tribunal - STJ - considere como não provado os factos obtidos por via da presunção e apreciar do mérito da decisão, com a ausência de tais factos; 8. Procedendo a argumentação anterior, este Douto Tribunal terá de considerar que o Tribunal "a quo" aplicou erradamente o direito aos factos, ou seja, deverá considerar que a sanção de despedimento invocada pela Recorrida é ilícita, na medida em que é desajustada e desproporcional em face das infracções cometidas, segundo a factualidade material dada como provada; 9. Este Douto Tribunal deve considerar que, não obstante existir prova de comportamentos ilícitos por parte do Recorrente, tais como, não entrega de factura, não se ter despedido dos clientes, etc., são comportamentos susceptíveis de sanção disciplinar, contudo, nunca da sanção máxima de despedimento com justa causa; 10. Nesta medida, o Tribunal "a quo" ao decidir como decidiu, aplicou erradamente o nº 1 do artigo 351.° do Código do Trabalho, e violou as disposições constantes do artigo 338.° do Código do Trabalho, que proíbe o despedimento sem justa causa, bem como do artigo 53.° da Constituição da República Portuguesa, que consagra o princípio da segurança no emprego e a proibição de despedimentos sem justa causa.” Concluiu pedindo a procedência do recurso, com a consequente revogação do Acórdão recorrido e a repristinação da sentença proferida pela primeira instância.

  6. A Entidade Empregadora apresentou as seguintes contra-alegações: A) “A reapreciação que o Tribunal “a quo” fez da matéria factual controvertida, constante da fundamentação do Acórdão recorrido, é resultado da livre convicção dos Venerandos Desembargadores, formada ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova e amplamente fundamentada por referência aos meios de prova ponderados, designadamente testemunhal e documental, não resultando do recurso ilegal a presunções judiciais, e não pode ser objecto de apreciação em recurso de revista nos termos do disposto no artigo 674º, nº 3 do CPC.

    1. Na fundamentação do Acórdão recorrido não estamos perante o recurso a qualquer presunção judicial na determinação dos factos provados, mas sim perante uma conclusão que o Tribunal “a quo” retirou da factualidade dada (licitamente) como provada; caso assim não se entenda o recurso a presunção judicial é legalmente admissível e encontra-se no âmbito da livre apreciação e fixação dos factos pelo Tribunal da Relação.

    2. O Tribunal “a quo” na apreciação da prova e fixação da matéria factual provada não incorreu em qualquer violação do disposto nos artigos 342º, 349º e 351º, todos do CC., nem de qualquer outra norma legal, afigurando-se verdadeiramente irrepreensível a sua decisão.

    3. Em face dos factos licitamente dado como provados, a decisão Recorrida que julgou o despedimento do Autor, ora Recorrente, deve ser julgada lícita, porque precedida do competente processo disciplinar e de justa causa, pelo que não poderia ser mais justa e conforme com o disposto na lei, nomeadamente com os artigos 351º e 338º do Código do Trabalho e 53.º da Constituição da República Portuguesa, revelando-se adequada e proporcional à gravidade dos ilícitos cometidos pelo Autor.” Deve, por isso, manter-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que julgou lícito o despedimento do Autor, dada a existência de justa causa.

  7. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu pronúncia no sentido da improcedência do recurso porquanto, e em síntese: * O Tribunal da Relação não alterou a matéria de facto com base em presunções, mas sim por ter valorado diferentemente a prova produzida, o que fez ao abrigo das suas competências legais; * Foi o Autor que, com o seu comportamento, cometeu violação grave dos deveres de zelo e de diligência, com lesão séria dos interesses patrimoniais da entidade empregadora, dando causa ao seu despedimento.

  8. O mencionado Parecer, notificado às partes, não obteve resposta.

  9. Preparada a deliberação, cumpre apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação do Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2 e 679º, ambos do Código de Processo Civil.

    Salienta-se, contudo, que não se confundem com tais questões todos os argumentos invocados pelas partes, aos quais o Tribunal não está obrigado a responder.

    [1] 12. Já após os presentes autos terem sido inscritos em tabela, para julgamento, veio o Autor juntar um requerimento, datado de 15/05/2017, no qual dá conta que a Ré apresentou queixa-crime contra o Autor, que deu origem ao processo crime nº 2181/15.OTDLSB, que correu termos no Tribunal da Comarca de Lisboa – JL Criminal – Juiz 2, e que culminou com a sentença proferida no passado dia 04/Maio/2017, cuja cópia juntou aos autos, tendo o A. sido absolvido da prática de dois crimes de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205º, nº 1, do Código Penal.

    O Autor requereu a admissão do referido documento a este Supremo Tribunal, pedindo, a final, (…)“que aceite a junção deste documento, que o leve em consideração” (sic).

    Não se vê necessidade de ouvir a parte contrária – ao abrigo da segunda parte, do nº 3, do art. 3º, do Novo CPC – e dada a junção nesta fase processual será a mesma analisada como questão prévia.

    II – QUESTÃO PRÉVIA: 1.

    Conforme se fez constar supra, veio o Autor requerer a junção aos autos do citado documento: a sentença proferida, no passado dia 04/Maio/2017, no processo crime nº 2181/15.OTDLSB, que correu termos no Tribunal da Comarca de Lisboa – JL Criminal – Juiz 2, e...

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