Acórdão nº 2998/14.2TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Maio de 2016

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução12 de Maio de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 14 de agosto de 2014, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 4.º Juízo, 1.ª Secção, AA ajuizou ação, com processo especial, de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra BB, S. L., apresentando o formulário a que alude o artigo 98.º-C do Código de Processo do Trabalho, na redação do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de outubro.

Realizada a audiência de partes e frustrada a conciliação entre as mesmas, a ré foi notificada para apresentar o articulado de motivação do despedimento, o que aquela fez, invocando a aplicação da lei espanhola, a caducidade do direito de ação de impugnação judicial do despedimento e a licitude deste, porquanto alicerçado em factos que impossibilitavam a manutenção da relação laboral, sustentando a respetiva absolvição da instância com base na caducidade do direito de ação ou, então, que se declarasse a regularidade e licitude do despedimento efetivado.

O autor contestou, defendendo a improcedência da invocada caducidade e a ilicitude do despedimento operado, porque não precedido do pertinente procedimento disciplinar e por não se verificarem os fundamentos enunciados na comunicação de despedimento, tendo peticionado o pagamento (i) de créditos laborais vencidos e não pagos, no valor de € 14.063,78, e os que se viessem a apurar a título de despesas, (ii) das comissões de vendas do mês de Junho de 2014, que se viessem a apurar, (iii) de € 1.322,32, respeitantes a férias vencidas e não gozadas de 2013, (iv) de € 1.983,48, referentes a proporcionais de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal, (v) das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento, nos termos do artigo 390.º do Código do Trabalho (retribuições intercalares), (vi) de € 11.239,72, fundado no disposto no artigo 391.º do Código do Trabalho (indemnização em substituição da reintegração), (vii) de € 7.500, a título de indemnização por danos, patrimoniais e não patrimoniais, e (viii) de € 2.234,23, relativos a horas de formação não ministrada.

A entidade empregadora respondeu, admitindo apenas a dívida de € 968,66, a título de comissões, sustentando a improcedência das restantes pretensões do autor.

Entretanto, operou-se a junção aos autos do contrato de trabalho outorgado, da respetiva tradução para língua portuguesa e da tradução, para a sobredita língua, das disposições legais e convencionais invocadas pela ré, vigentes no ordenamento jurídico espanhol, sendo que, posteriormente, exarou-se despacho saneador, o qual, no segmento que agora importa considerar, explicitou a fundamentação seguinte: «[…] II. Da exceção de caducidade invocada pela Ré: O Autor AA instaurou a presente ação de impugnação judicial da regularidade e ilicitude do despedimento contra a Ré BB, S. L., alegando que foi ilicitamente despedido pela Ré, por não ter existido procedimento disciplinar e por não se verificarem os fundamentos de facto alegados pela Ré na sua comunicação de despedimento.

A Ré BB, S. L., na contestação que apresentou, começou por invocar a exceção de caducidade da presente ação de impugnação do despedimento, pelo decurso do prazo de vinte dias para o Autor AA a instaurar.

Para o efeito, a Ré invoca que a legislação aplicável ao contrato de trabalho celebrado pelas partes é a lei espanhola, por tal ter sido estabelecido expressamente no contrato, razão pela qual se deve considerar o prazo de caducidade de vinte dias úteis definido no artigo 59.º, n.º 3, [do] Estatuto dos Trabalhadores.

O Autor pronunciou-se pela improcedência da invocada exceção de caducidade, alegando, por um lado, não ter negociado qualquer cláusula contratual e, por outro lado, que a aludida cláusula não pode anular a aplicabilidade da lei portuguesa, em virtude de não ter sido reconhecida ou publicada na nossa ordem jurídica interna.

[…] O estado dos autos permite, desde já, o conhecimento da exceção de caducidade invocada pela Ré.

Com relevância para a apreciação da exceção de caducidade, resultam admitidos por acordo e documentalmente provados os seguintes factos: 1. A Ré é uma pessoa coletiva de direito espanhol, com a sua sede em Espanha.

2. Em 1 de Dezembro de 2005, em Madrid, o Autor e a Ré subscreveram um acordo escrito denominado “Contrato de Trabalho por tempo indefinido”.

3. Nos termos do aludido acordo escrito, o Autor passou a prestar serviços como comercial para a Ré, com a categoria profissional de “Vendedor”, o que fez sempre em Portugal.

4. Consta da cláusula oitava do referido acordo o seguinte teor: “As questões não previstas no presente contrato ficam sujeitas à legislação em vigor aplicável e, nomeadamente, ao disposto no texto consolidado do Estatuto dos Trabalhadores, em especial no artigo 12.º, de acordo com a redação que lhe foi dada pelo RD 15/98, modificado pela Lei n.º 12/2001, de 9 de Julho (BOE de 10 de Julho) e no Convenio Coletivo de Comercio.” 5. A Ré comunicou o despedimento ao Autor, por escrito, no dia 30 de Junho de 2014.

6. O Autor instaurou a presente ação de impugnação do despedimento no dia 14 de Agosto de 2014.

Atenta a factualidade acima elencada, importa, pois, passar à apreciação da exceção de caducidade invocada pela Ré, o que implica, em primeiro lugar, analisar a questão prévia suscitada pelas partes relativa à legislação aplicável ao despedimento do Autor, questão que se coloca uma vez que a relação de trabalho em causa tem elementos de conexão com o ordenamento jurídico espanhol e com o português.

Com o ordenamento jurídico-laboral espanhol, em razão de aí ter sido celebrado o contrato de trabalho, junto aos autos a fls. 278 a 281 — locus celebrationis — e com o ordenamento jurídico português, em virtude de ter aqui decorrido a execução desse mesmo contrato — locus laboris ou locus executionis —, sendo que a ação foi proposta em Portugal — lex fori —, tendo o Autor/trabalhador, nacionalidade portuguesa.

Estamos, pois, perante um problema de direito internacional privado, já que o contrato de trabalho tem, no caso, a natureza de contrato de direito privado, e para a sua solução torna-se necessário recorrer às normas de conflitos de ordenamento jurídico português, por ser a lex fori.

[...] No caso concreto, conforme resulta expresso da cláusula oitava do contrato de trabalho celebrado entre as partes (cujo teor e veracidade não foi impugnado), as partes determinaram que as questões não previstas no contrato ficariam sujeitas à legislação vigente aplicável, nomeadamente ao disposto no texto consolidado do Estatuto dos Trabalhadores e em especial no artigo 12.º, de acordo com a redação que lhe foi dada pelo RD 15/98, modificado pela Lei 12/2001, de 9 de Julho (BOE de 10 de Julho) e no Convenio Coletivo do Comercio.

De igual modo, consta expresso do referido contrato que a retribuição atribuída ao trabalhador foi calculada com base no que dispõe o Convenio Coletivo do Comercio (cf. cláusula sexta).

Perante o assim exposto, dúvidas não subsistem de que as partes designaram expressamente a legislação aplicável ao contrato de trabalho celebrado, sendo que a designação da legislação espanhola está ainda em conexão com alguns dos elementos do negócio jurídico em causa, desde logo por corresponder à lei do lugar da celebração do contrato e ser essa a sede da entidade empregadora.

[…] Ainda neste contexto, refira-se que, ao contrário do que parece pretender o Autor, o contrato de trabalho celebrado entre as partes, suscetível de negociação individual, não se confunde com um mero contrato de adesão. E o Autor, ao apor a sua assinatura no contrato, vinculou-se ao respetivo clausulado nos seus precisos termos, cuja validade e eficácia, de resto, nunca aquele colocou em causa (como a instauração da presente ação inequivocamente o demonstra). Acresce que o Autor nem sequer invoca o desconhecimento das cláusulas insertas no contrato de trabalho que celebrou com a Ré, razão pela qual assume absoluta irrelevância, nesta parte, a mera alegação de que o contrato não foi por si negociado e que se baseou num modelo previamente aprovado e emitido pelo “Ministerio de Trabajo Y Asuntos Sociales”.

Encontrada, assim, a ordem jurídica competente, de harmonia com as normas de conflitos da lei portuguesa, resta atender ao expressamente previsto no Estatuto dos Trabalhadores (BOE 29 de Março de 1995) acerca do regime do despedimento, com relevância para os presentes autos, tendo em vista o disposto no artigo 22.º, n.º 1, do Código Civil.

Prevê o artigo 54.º, n.º 1, do Estatuto dos Trabalhadores, respeitante ao “despedimento disciplinar”, que o contrato de trabalho poderá cessar por decisão do empregador, mediante despedimento baseado num “incumprimento grave e culposo do trabalhador”, elencando o n.º 2 do mesmo preceito legal, as condutas suscetíveis de integrar o referido conceito de “incumprimento contratual grave e culposo”.

Por seu turno, estabelece o artigo 55.º, n.º 1, do Estatuto dos Trabalhadores (Forma e efeitos do despedimento disciplinar), que o despedimento deve ser notificado por escrito ao trabalhador, fazendo constar as causas que o motivam e a data em que terá efeito, para efeitos do exercício do contraditório nas situações aí expressamente previstas.

Dispõe, por último, o artigo 59.º do Estatuto dos Trabalhadores que: “1. As ações derivadas de contrato de trabalho sem prazo especial prescrevem no prazo de um ano após a sua conclusão.

[...] 3. O exercício da ação contra o despedimento ou resolução de contrato a termo caduca nos vinte dias seguintes à data em que se produziu. Os dias são úteis e o prazo de caducidade produzirá efeitos plenos. O prazo de caducidade interrompe-se pela...

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