Acórdão nº 2947/12.2TBVLG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Março de 2018

Magistrado ResponsávelALEXANDRE REIS
Data da Resolução13 de Março de 2018
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 2/8/2012, AA (nascido em .../1947) intentou a presente acção contra BB, pedindo que este fosse condenado a reconhecer que é o seu pai.

Para tanto, alegou que nasceu em consequência das relações de cópula havidas entre o R e a sua mãe, que esta, apenas algum tempo antes da sua morte, ocorrida em 6/02/2010, lhe confidenciou que o R era o seu pai e que a sua paternidade sempre lhe fora ocultada.

O R contestou, invocando a excepção da caducidade do direito do A e impugnando a matéria de facto por este alegada.

O A replicou, pugnando pela improcedência da invocada caducidade, com fundamento na desconformidade constitucional do estabelecimento do prazo em questão.

Foi proferida sentença, julgando improcedente a excepção de caducidade e reconhecendo que o R é pai do A.

O R faleceu em 20/12/2016, na pendência da apelação que interpôs da sentença, tendo sido julgados habilitados como seus herdeiros, para com eles prosseguirem os ulteriores termos do processo, os seus filhos CC e DD A Relação, julgando a apelação improcedente, designadamente quanto à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, confirmou na íntegra a sentença.

Os habilitados em lugar do R interpuseram revista excepcional, admitida pela competente formação, cujo objecto delimitaram com conclusões que a seguir se transcrevem e em que suscitam as questões da caducidade e da exclusão dos efeitos patrimoniais da procedência da acção: (…) II - Pelo que interpõe recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no art.º 672º, nº 1 do CPC, por estar em contradição com o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08.09.2015, proferido no âmbito do processo 4704/14.2T8VIS.C1, assim como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.04.2013, proferido no âmbito do processo nº 187/09.7TBPFR.P1.S1, que limitou o estabelecimento da filiação às questões pessoais, dela excluindo os efeitos patrimoniais daí resultantes (Doc. 1 e 2).

III - A nova redacção conferida pelo art. 1817 nº l do CC pela Lei nº 14/2009 ao prever um prazo geral de dez anos de caducidade nas acções de investigação da paternidade, contados da maioridade do investigante, estabeleceu um justo equilíbrio entre os valores em causa, por um lado o direito do investigante a conhecer a sua identidade pessoal e, por outro, a certeza e segurança jurídicas aliadas ao direito do investigado à reserva da sua vida privada.

IV - Pelo que a sujeição deste tipo de acções a determinados prazos deve ser vista como limitação de um direito sujeita, por isso, ao crivo do princípio da proporcionalidade decorrente do nº 2 do art. 18 da Constituição, que ocorre quando estejamos na presença de um outro direito, também ele dotado pela bitola constitucional, sendo que tais prazos de caducidade (previstos no art. 1817 do CC) não constituem em si restrições ao direito de investigação de paternidade; mas sim meros limites a um tal direito.

V - A fixação de um prazo de caducidade das acções de investigação de patemidade, de 10 anos, ou mesmo 20 anos (após a maioridade do investigante) tomando por referência o prazo ordinário da prescrição previsto no art 309 do CC é totalmente conforme a actuação do princípio da proporcionalidade previsto no nº 2 do art. 18 do texto constitucional, afigurando-se, como uma solução adequadamente e fortemente sugerida pela teleologia imanente, ao sistema.

VI - O recorrido na sua petição inicial, não invoca qualquer razão para a propositura da acção de investigação de paternidade nos prazos estabelecidos no referido 1817 do CC, nem alegou quaisquer outras circunstâncias previstas nas alíneas do nº3 daquele dispositivo legal.

VII - A circunstância de se ter dado como provado, que a mãe do A só em Fevereiro de 2010 lhe confidenciou a sua paternidade, a qual sempre lhe havia ocultado, não é susceptível de ser integrada na hipótese contemplada na alínea b) do nº 3 do Art. 817,º do CC.

VIII - Tanto por via do decurso do prazo de 10 anos previsto no art. 1817, nº 1 do CC, como pela inaplicabilidade do prazo de 3 anos previsto na alínea b) do nº 3 do citado artigo, se conclui que a excepção de caducidade invocada pelo ora Recorrente, deveria ter sido julgada provada e procedente com todas as consequências legais.

IX - A este respeito decidiu o Tribunal da Relação de Coimbra, por Acórdão datado de 08.09.2015, proferido no âmbito do processo 4704/1.4.2:T8VIS.Cl (Doc. 1), que: IV - O autor que, nascido em 1934, propõe a ação de investigação de paternidade em 2002, tem o seu direito, invocado ao abrigo do disposto no art. 1817º nº1 do CC, caducado, pois que, no máximo, e atento o disposto no art. 19º do DL 47344 de 25.11, apenas a poderia instaurar até maio de 1968. V - Para que o autor possa beneficiar do prazo de propositura da ação previsto na al. b) do nº 3 do art. 1817º do CC, vg. com base na posse de estado, tem de provar esta posse, consubstanciada pelos seus três requisitos cumulativos: a) A reputação como filho pelo pretenso pai; b) O tratamento como filho pelo pretenso pai; c) A reputação como filho pelo público, bem com a data da sua cessação.

X - Não tendo o recorrido alegado e muito menos efectuado prova dos invocados três requisitos cumulativos, óbvio se torna que não poderia ter beneficiado do prazo de propositura da acção previsto na alínea b) do nº 3 do art. 1817º do CC, a que determina inevitavelmente a caducidade da acção instaurada.

XI - Ainda que se entenda que o recorrido beneficiava do prazo constante alínea b) do nº 3 do art. 1817º do CC, o que não se aceita, o certo a procedência dessa acção de investigação apenas poderá produzir efeitos na esfera pessoal, afastando-se os efeitos patrimoniais daí decorrentes.

XII - Com efeito, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 09-04-2013, proferida no âmbito do processo nº 187/09.7TBPFR.P1.S1, foi limitado o espectro do estabelecimento da filiação às questões pessoais, dela excluindo os efeitos patrimoniais daí resultantes. (Doc. 2).

XIII - De facto, o recorrido nasceu em 28 de Março de 1947, atingiu a maioridade no dia 28 de Março ano de 1968 e só intentou a acção de investigação de paternidade em 02 de Agosto de2012, mais de 44 anos após ter atingido a maioridade e quando o recorrente nascido em 23 de Abril de 1929, contava com mais de 83 anos de idade, o que demostram que a interposição da presente acção não tem como verdadeiro interesse o estabelecimento da verdade biológica, antes um inconfessado interesse material.

XIV - Ao não produzir essa limitação dos efeitos da filiação à esfera pessoal do recorrido, o douto Acórdão da Relação do Porto, entra em directa contradição com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 09.04.2013, que para uma situação de facto genericamente análoga à dos autos, fornece uma solução jurídica manifestamente diversa, ou seja, a limitação do estabelecimento da filiação ao foro pessoal, deixando de fora a vertente patrimonial.

XV - O douto Acórdão recorrido, ao julgar improcedente a excepção de caducidade, violou expressamente, entre outras, as disposições constantes dos artºs, 1817º, nº 1 e nº 3, na versão introduzida pela Lei 14/2009.

XVI - Como tal deverá ser substituída por douto Acórdão que o revogue e, em consequência, julgue procedente a excepção de caducidade invocada.

* Importa apreciar as questões enunciadas e decidir. Para tanto, releva a seguinte matéria de facto fixada pela Relação: Os factos provados: 1. AA nasceu a .../1947.

  1. Encontra-se registado como filho de EE e pai incógnito.

  2. O R nasceu a ...de 1929, na freguesia e concelho de ..., tendo como pais FF e GG.

  3. A mãe do A manteve com o R relações sexuais de cópula completa durante os primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do filho.

  4. Algum tempo antes da sua morte, em Fevereiro de 2010, a mãe do A confidenciou-lhe que o R era seu pai, o que sempre lhe havia ocultado.

    Factos julgados não provados: - a mãe do A. em 1945 tenha ido trabalhar como empregada doméstica para a casa de família do R.; - aí se tenha mantido, com tais funções, até princípio do ano de 1948; - durante o período entre 1945 e o princípio do ano de 1948, a mãe do A. e o R. tenham iniciado um envolvimento amoroso; - as relações sexuais que mantiveram tenham sido frequentes; - tenham sido na casa onde ambos viviam; - tenham...

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