Acórdão nº 1093/21.2T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Maio de 2023

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução04 de Maio de 2023
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO AA intentou ação de impugnação de paternidade contra BB, CC e BB, 1.ª ré, ambas na qualidade de herdeiras legitimárias de DD, falecido em .../.../1967 e EE e FF, na qualidade de herdeiras legitimárias de GG, falecido em .../.../2013, pedindo que seja declarado e reconhecido que a autora não é filha do falecido HH, mas sim do, também falecido, GG, ordenando-se que a sentença produza todos os legais efeitos no respetivo assento de nascimento da autora.

Alegou para o efeito que nasceu em .../.../1966, constando do seu assento de nascimento como sua mãe a aqui 1.ª ré que, a essa data, era casada com o falecido DD, tendo a paternidade da autora sido fixada por presunção a favor do marido da mãe, o que não corresponde à verdade, pois a autora é filha do falecido GG, com quem sua mãe manteve uma relação extraconjugal e íntima, no período compreendido entre os anos de 1965 e 1966. Este GG sempre considerou a autora como sua filha – tendo-se até submetido, com a autora, a testes de ADN, nos termos dos quais se concluiu, em .../.../2010, ser ele o pai biológico da autora -, o mesmo sucedendo com a sua família, mas acabou aquele por falecer sem ter sido reposta a verdade biológica.

As rés EE e FF foram citadas editalmente e, em seguida, citado o Ministério Público.

Não foi oferecida qualquer contestação.

Foram as partes notificadas para se pronunciarem quanto à possibilidade de conhecimento da exceção de caducidade.

A autora pronunciou-se pela improcedência da referida exceção, sustentando-se em Acórdão da Relação de Lisboa de 27/11/2019 e em Acórdão do STJ de 05/05/2020.

Foi proferida sentença que julgou verificada a exceção perentória de caducidade e, em consequência, absolveu os réus dos pedidos.

A autora interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões: I. A aqui Autora/Recorrente, intentou, em 23-02-2021, a presente ação declarativa comum, cumulando o pedido de impugnação de paternidade presumida quanto ao falecido R., DD (falecido em .../.../1967), marido da sua mãe, a 1ª R., BB e cujos herdeiros são os RR, CC e BB, com o pedido de investigação da paternidade quanto ao falecido GG ( falecido em .../.../2013), cujos únicos e universais herdeiros são os RR. EE e FF.

  1. Alegou, em suma, que consta do registo civil como sendo o seu pai o falecido DD, por ser o marido da sua mãe (BB), quando o seu pai biológico é o falecido GG.

  2. Alegou, ainda, que tem conhecimento, desde .../.../2010, que o seu pai biológico é o falecido GG mas, sustenta que o prazo de caducidade previsto no artigo 1842º, nº1, al. c), do Código Civil é inconstitucional.

  3. As RR. EE e FF foram citadas editalmente.

  4. Nenhum dos RR. contestou.

  5. Os autos seguiram os seus termos e, em 03-01-2023, foi proferida a Sentença, de que ora se recorre, pronunciando-se a Meritíssima Juíza sobre a caducidade do direito da Autora em instaurar a presente ação de impugnação da paternidade, absolvendo os RR do pedido; VII. Salvo melhor opinião, e ao contrário do entendimento explanado na sentença recorrida, defende a Autora/Recorrente que a questão que ora se traz a juízo consiste em declarar que o prazo de dez anos de caducidade para a propositura da ação investigatória da paternidade (previsto no art. 1842.º, n.º 1 c), é inconstitucional, devendo, por isso, não ser aplicado.

  6. A Decisão recorrida determinou a conformidade do dito prazo à nossa Lei Fundamental estribando-se na tendência maioritária das decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional, fazendo apelo, entre outros, aos Acórdãos n.ºs 401/2011, 394/2019 e 445/2021.

  7. Porém, o caráter maioritário não significa unanimidade, e mesmo no âmbito dos Acórdãos exarados pelo Plenário deste Tribunal Constitucional há vozes dissonantes, desde logo as que votaram vencido no Acórdão do Plenário deste Tribunal, n.º 394/2019, de 3 de julho de 2019 (relatado pelos Conselheiros João Pedro Caupers e Maria Clara Sottomayor), a cuja fundamentação se adere e que se subscreve.

  8. No modesto entendimento da Autora/Recorrente a Decisão recorrida faz uma errada interpretação da lei e aplicação do direito, denegando à Autora/Recorrente o direito à Verdade Biológica na filiação.

  9. Ainda a este propósito, não deixa de se invocar os, aliás doutos, Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça a 07/07/2009, 05/05/2020 e 26/01/2021, que, no modesto entendimento da Autora/Recorrente, procederam a uma correta interpretação e aplicação das normas acima evocadas.

  10. Não se olvide que foi realizado, nestes autos, exame hematológico (vulgo “exame de ADN”) que determinou, com 99,9999999999999% de certeza que a Autora/recorrente é filha do falecido, GG - Facto Provado na sentença recorrida.

  11. Donde, a circunstância de ter sido produzida prova insofismável da relação biológica torna injusta qualquer outra decisão que não seja a de reconhecer o vínculo filial.

  12. O direito fundamental ao “desenvolvimento da personalidade", constante do artigo 26.º, n.º 1, da CRP significa que o pretenso filho tem o direito de investigar e determinar as suas origens, a sua família.

  13. A decisão de avançar para um processo de judicial de estabelecimento da filiação convoca uma reflexão prévia e profunda sobre aspetos pessoalíssimos do impugnante, não se coadunando com a existência de prazos legais para o exercício deste direito.

  14. A presente ação de impugnação de paternidade contempla interesses indisponíveis do ser humano: o direito a conhecer e a ver reconhecida a sua ascendência biológica, constituindo, aliás, o único meio de a Autora ver reconhecido o seu direito à verdade biológica, direito esse intrinsecamente pessoal, indisponível e imprescritível, e que por isso não esmorece com o tempo.

  15. O próprio direito fundamental de constituir família (art. 36.º da Lei Fundamental) – que inclui o de descobrir e ver reconhecida as relações de filiação – ao impor ao legislador a previsão de meios para o estabelecimento jurídico dos vínculos de filiação foi denegado pela Decisão Recorrida, que restringiu princípios com dignidade constitucional através de uma lei com valor inferior (no caso, os arts. 1842º, n.º 1 al.c) do Código Civil).

    XVIII. Ademais, o art. 36.º, n.º 4, da Constituição proíbe a discriminação dos filhos nascidos fora do casamento, o seu desfavorecimento ao verem limitadas as possibilidades de estabelecimento da sua filiação mediante prova do vínculo biológico – prova essa que, no caso em apreço foi feita pelo exame hematológico: A Autora/Recorrente é filho do falecido Réu, GG.

  16. Assim, o...

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