Acórdão nº 1487/17.8T8BGC.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Data da Resolução06 de Julho de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, I – Relatório 1. AA e BB intentaram ação de investigação de paternidade contra CC, pedindo se declare que este é o seu Pai e que seja averbado ao assento de nascimento de cada uma delas, Autoras, a paternidade do Réu, assim como dos ascendentes paternais em 2.º grau.

  1. Alegam, em síntese, que durante o período legal de conceção de cada uma delas a mãe manteve relações sexuais com o Réu e que este sempre as reconheceu como filhas, tratamento que cessou apenas desde o último Natal (dezembro de 2016).

  2. O Réu CC contestou, excecionando a caducidade da ação e, por impugnação, negando o reconhecimento/tratamento das Autoras AA e BB como filhas. Invoca também o abuso do direito, referindo que as Autoras propõem a presente ação, quase quarenta anos depois de terem atingido a maioridade, apenas com a esperança de obter vantagens patrimoniais, pondo em causa a vida privada do Réu e a sua estabilidade emocional.

  3. Em sede de audiência prévia, as Autoras AA e BB responderam à exceção de caducidade e ao alegado abuso do direito. Foi definido o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.

  4. Foi determinada e realizada perícia de investigação de parentesco biológico pelo INML, tendo-se concluído pelas probabilidades de 99,99999999% e 99,99999998% de o Réu CC ser pai das Autoras AA e BB, respetivamente.

  5. Depois da realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu: - declarar ser o Réu CC pai biológico das Autoras AA e BB; - ordenar o averbamento no assento de nascimento das Autoras AA e BB da paternidade destas por parte do Réu CC, assim como, consequentemente, do nome dos ascendentes em 2.º grau das Demandantes, pais do Demandado.

  6. Inconformado, o Réu CC interpôs recurso de apelação, pedindo a reapreciação da decisão de facto e a revogação do decidido.

  7. As Autoras AA e BB contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão.

  8. Por acórdão de 8 de julho de 2020, com voto de vencida da Senhora Desembargadora Ana Cristina Duarte, o Tribunal da Relação de Guimarães, em conferência, decidiu o seguinte: “Considerando quanto acima se deixa exposto, decide este Colectivo, por maioria, julgar improcedente o presente recurso de apelação, confirmando e mantendo a decisão impugnada, e considerar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 3, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, aplicável ex vi do disposto no artigo 1873.º do mesmo diploma, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação da paternidade, prevê um prazo de três anos para a propositura da ação.

    Custas da apelação pelo Apelante”.

  9. O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade, com base no art. 70.º, n.º 1, al. a), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, da parte final do dispositivo do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães. O recurso foi admitido, com efeito suspensivo, pelo Tribunal a quo.

  10. A 11 de novembro de 2020, o Tribunal Constitucional decidiu não conhecer do objeto do recurso.

  11. Não conformado com o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 8 de julho de 2020, o Réu CC interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões: “1ª Tendo as Autoras, em ação de investigação de paternidade, alegado um facto ocorrido no Natal de 2016, para poderem beneficiar da possibilidade estabelecida na alínea b) do nº3 do artigo 1817º do CC e não tendo sido feita prova daquele facto, não pode o tribunal, oficiosamente, lançar mão de outro facto, ocorrido meses antes e sem qualquer conexão com o facto indemonstrado, para concluir que ele preenche a previsão da alínea c) do mesmo artigo, pois tal viola a vinculação temática a que o tribunal está adstrito, gerando a nulidade da decisão.

    1. A interpretação feita pelo tribunal a quo de que a alínea b) do nº3 do artº 1817º se reporta aos casos em que a paternidade do investigante consta do registo, em contraposição à previsão da alínea c) que teria em vista as situações em que a paternidade não está registada, não faz o menor sentido, pois, a ação de investigação da paternidade pressupõe, necessariamente, a omissão no registo da menção sobre a paternidade.

    2. Assim, a referência à “paternidade determinada” tem de ser entendida como “paternidade conhecida” e não “paternidade registada”, em contraposição à previsão da alínea c) que tem em vista as situações em que o investigante não conhece a identidade do seu progenitor; 4ª Conhecendo as AA, desde pequenas, a identidade do seu progenitor e tendo abdicado de ver reconhecida a paternidade, primeiro a pedido da mãe até ao seu falecimento em 2007 e depois por vontade própria, não lhes aproveita o disposto na alínea c) do artigo em análise, pois in casu desde há quase 60 anos que a paternidade está determinada.

    3. Por conseguinte, conhecendo as AA a identidade do progenitor, apenas podiam prevalecer-se da “oportunidade” estabelecida na alínea b) - como aliás fizeram -desde que demonstrassem a cessação do tratamento como filhas por parte do investigado, razão por que, tendo ficado provado nunca ter existido tal tratamento, a caducidade do direito das AA era incontornável, pois desde a sua maioridade estavam decorridos, à data da propositura da ação, mais de 37 anos!!! 6ª Tendo o Plenário do Tribunal Constitucional sufragado a constitucionalidade do prazo de 10 anos, agora estabelecido no nº1 do artº1817º do CC, não parece razoável que o tribunal recorrido, mesmo depois de ter considerado tempestiva a ação com base no prazo adicional do nº3, tivesse vindo convocar um voto discordante do entendimento que fez vencimento naquele Plenário, para proclamar a inconstitucionalidade do novo prazo, tanto mais que o entendimento do Plenário está em absoluta sintonia com a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça.

    *** Nestes termos, deve ser concedido provimento à revista e revogado o Acórdão impugnado e declarada a caducidade do direito das AA e, em consequência, absolver-se o recorrente do pedido, melhor se fazendo assim JUSTIÇA !” 13.

    As Autoras AA e BB apresentaram contra-alegações com as seguintes Conclusões: “1. As autoras/recorridas reiteram e consideram que a douta sentença proferida em 03-09-2019, bem como o acórdão agora sob escrutínio refletem uma rigorosa, acertada e irrepreensível apreciação da matéria de facto, perfeita e inequivocamente fundamentada quanto à prova produzida, expressando ainda uma adequada e correta interpretação das normais legais em vigor e aplicáveis aos autos.

  12. Quer a douta sentença do Tribunal de 1.ª Instância quer o douto Acórdão recorrido são claros, contundente e assertivos na sua pronúncia sobre a excepção de caducidade defendida pelo réu, fundamentando-a de forma explícita e com razão de ciência e de facto.

  13. Analisando todos os factos dados como provados no douto Acórdão recorrido, resulta claro e evidente que AS AUTORAS SEMPRE FORAM TRATADAS COMO FILHAS POR PARTE DO RÉU(sublinhado nosso).

  14. A contrario, nunca conseguiu demonstrar, pelo que consta dos factos não provados, que tal tratamento não tinha existido e muito menos que não tinha cessado, ónus que lhe incumbia conforme preceituado nos artigos 1817º nº3 alínea b) e nº4 e 343º nº2 do CC.

  15. Foi dado como provado, que para as autoras/recorridas a cessação de tal tratamento terá ocorrido a partir da festa da aldeia no Verão de 2016, tendo estas formado essa convicção a partir desse momento, concretizando-a com o ocorrido no Natal de 2016.

  16. Mesmo não se tendo dado como provado o facto subjacente ao Natal de 2016, é completamente legal, legitimo e não enferma de qualquer nulidade, que o Tribunal a quo se tenha fundamentado noutro facto dado como provado, para aferir o momento da cessação do tratamento como filhas (as autoras/recorridas) por parte do réu/recorrente.

  17. O Tribunal a quo fundamentou esta questão, justificando de forma clara e inequívoca a razão pela qual o “facto verão de 2016” se revelou mais idóneo para se considerar como relevante para a cessação do tratamento como filhas (as autoras/recorridas) por parte do réu/recorrente, conforme consta da fundamentação do douto Acórdão.

  18. E com base nessa fundamentação afastou devidamente a verificação da excepção da caducidade.

  19. Daqui se retira que, e ao contrário do alegado pelo réu/recorrente, o Tribunal da Relação no seu Douto Acórdão fundamenta de forma cabal a sua motivação quanto à preponderância da essencialidade do facto que chamou à colação, facto esse que não foi inventado pelo Tribunal, mas sim dado como provado em ambas as instâncias.

  20. Não podemos descurar que é frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar, desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial, algo que o recorrente também utilizou.

  21. Ora, o réu/recorrente defende que o Acórdão é nulo pois que apesar de manter inalterados os factos em que assenta a apreciação da causa formou uma convicção que não encontra amparo na factualidade provada.

  22. Salvo o devido respeito, conclui-se que não estamos perante qualquer nulidade, pois que o Tribunal após descrever os factos provados faz uma subsunção dos mesmos ao direito e decide de acordo com esse direito.

  23. Pois que o acórdão descreve e enuncia claramente os factos provados, enuncia também o direito aplicável e, em seguida decide de acordo com aqueles factos e aquele direito.

  24. Também não colhe a arguição da nulidade invocada pelo Réu por aplicação do n.º 1 do artigo 666 do CPC.

  25. Mal estaríamos se o douto colectivo de Juízes Desembargadores ficasse adstrito à decisão formada pela 1ª Juiz Relatora e não pudesse ser esta objecto de diferente análise por parte dos restantes relatores, ou seja, in casu, o colectivo é composto por três Juízes, dois deles apreciaram e decidiram da mesma forma, ganhando estas decisão força final por maioria, contrariando a decisão da 1ª relatora que votou por isso...

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