Acórdão nº 633/15.0T8VCT.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Fevereiro de 2018
Magistrado Responsável | MARIA DA GRAÇA TRIGO |
Data da Resolução | 08 de Fevereiro de 2018 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.
AA instaurou contra BB, acção declarativa sob a forma de processo comum, peticionando: “Declarar-se que:
-
A autora é dona e legítima proprietária do prédio identificado no item 1º desta Petição, tal como o Réu, ou em alternativa das benfeitorias.
-
Ser o prédio declarado parte integrante do acervo comum do extinto casal.
Condenar-se o Réu a: c) Reconhecer o direito de propriedade da A sobre o referido prédio ou sobre as benfeitorias; d) Pagar custas e procuradoria.”.
Para tanto, e em suma, alegou a A.: - Ter sido casada sob o regime de comunhão geral de bens com o aqui R., casamento este dissolvido por divórcio decretado em 2010; - Ter, na constância do casamento, recebido o R. marido por doação de seus pais o prédio urbano descrito em 10º da p.i., o qual, por se encontrar em ruínas, foi totalmente demolido e de novo edificado pelo casal, a suas expensas, após o casamento. Tendo A. e R. pago o material nele incluído; - O direito de propriedade sobre o referido bem advém-lhe da doação, atento o regime de casamento que vigorava entre os cônjuges; - Mesmo que se não entenda ser a totalidade do prédio comum, sempre o seriam as benfeitorias, porque edificadas pelo casal a suas expensas após o casamento; - Para além de se encontrar na posse do prédio em questão há mais de 20 anos, por si e ante possuidores, à vista de toda a gente, sem violência ou oposição de quem quer que seja, sobre ele praticando os actos próprios de proprietária; - Pelo que mais invocou a aquisição da propriedade a título originário por via da usucapião do referido prédio.
Regularmente citado, contestou o R., alegando, em síntese: - Não obstante o regime de bens que vigorou durante o matrimónio entre A. e R., a partilha subsequente a divórcio haverá de fazer-se sem que qualquer dos cônjuges receba mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime de comunhão de adquiridos; - O prédio em questão, por lhe ter sido doado, é bem próprio; - Todas as obras sobre o mesmo realizadas, foram-no com materiais fornecidos gratuitamente pela empresa de que seu pai e irmãos eram gerentes.
Tal como as máquinas e ferramentas utilizadas eram propriedade da família do R. e da referida sociedade, e a mão-de-obra foi realizada pelo R. e seus irmãos.
Concluiu assim que as benfeitorias não foram suportadas pelo ex-casal antes configuram uma doação da família do R. ao mesmo; - No mais impugnou a factualidade alegada pela A., incluindo a relativa à aquisição originária da propriedade.
Termos em que concluiu pela total improcedência da acção.
A fls. 176 foi proferida sentença que julgou a acção “totalmente improcedente, por não provada” com a consequente absolvição do R. do pedido.
Inconformada, a A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de …, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.
Por acórdão de fls. 331 foi alterada a decisão relativa à matéria de facto e, consequentemente, reapreciada a decisão de direito. A final foi proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de … em julgar parcialmente procedente a apelação.
Em consequência e revogando parcialmente a decisão sob recurso decidem: I - Condenar o R. a reconhecer à aqui A. o direito ao valor correspondente a ½ do valor aportado ao imóvel de sua pertença e referido em 2) dos factos provados, por força dos acabamentos nele executados após finalizado o esqueleto, conforme referido em 21) dos factos provados.
II - Valor este a liquidar em incidente posterior.
III - Quanto ao mais mantém-se a absolvição do R. do pedido.
IV - Custas da ação e do recurso na proporção de ½ para a A. e ½ para o R. (sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido).” 2.
Vem o R. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: 1. A Autora, na sua petição inicial, além do mais que para o presente recurso não releva, depois de alegar o matrimónio com o Réu, proceder à descrição do prédio em questão nos autos, e de pugnar pela sua natureza comum (quanto ao património do casal que outrora formara, por via do matrimónio, com o Réu), expõe a sua causa de pedir nos artigos 6º, 7º, 9, 10º, 11º, e 12º.
2. A causa de pedir alegada pela Autora como suporte ao pedido que a final formula quanto às benfeitorias (além do matrimónio e existência do prédio) encontra-se nos artigos nos artigos 6º, 7º, 9º,10º, 11º, e 12º.
3. Ou seja, a Autora confessa expressamente que o único custo que suportou com a edificação da casa foi com o respectivo material (e mesmo assim com a exclusão de toda a telha) e simultaneamente pede que lhe seja reconhecido o direito a metade do valor das benfeitorias, sem qualquer discriminação (o qual, naturalmente excede em muito o mero custo do material).
4. Até final, a Autora não ampliou ou alterou, de qualquer forma processualmente admissível, a causa de pedir vinda de transcrever.
5. Foi assim perante esta causa de pedir, e nenhuma outra, que o Réu, como parte passiva, organizou a sua defesa, e norteou a sua conduta e estratégia processuais norteado pela contradita e contraprova da concreta factualidade que integrou a causa de pedir vinda de referir.
6. Em sede de apelação, veio a Relação inverter parcialmente o entendimento acolhido pela primeira instância, decidindo que Autora e Réu suportaram ambos os custos de material e de mão-de-obra dos acabamentos executados no prédio - ou seja, uma vez finalizado o esqueleto.
7. A final, em consequência dessa (e de outras, conexas mas não essenciais) alterações da matéria de facto de primeira instância, acabou por condenar o Réu a reconhecer à Autora a metade do valor aportado ao imóvel por força dos acabamentos nele executados, após finalizado o esqueleto.
No entanto: 8. 0 Tribunal decidiu não só para além, como contra a própria causa de pedir da Autora.
9. A Autora alega - assim confessando - que a construção da casa (não discernindo entre "esqueleto" e acabamentos), foi feita pela CC (empresa da família do Réu) - artigo 9- da p. i„ 10. A Autora alega - assim confessando - que toda a mão-de-obra sem distinção entre "esqueleto" e acabamentos) foi prestada pelo Réu e seu irmãos - art. 10º da p.i 11. A Autora não alega, em ponto algum da petição inicial ou articulado subsequente, ter suportado o custo de qualquer mão-de-obra.
12. A Autora alega - assim confessando - que a CC ofereceu a maquinaria e a telha para toda a edificação do imóvel - não discernindo entre fase estrutural e acabamentos - art. 11º da p. i..
13. A Autora alega especificadamente ter pago, com o Réu, todo o material usado na edificação do imóvel - art. 12º da p. i..
14. A Autora alega - assim confessando - que todo o material por si pago foi adquirido na empresa DD - art. 12º da p. i..
15. No entanto, o que resulta da decisão de segunda instância é que veio a ser dado como provado: "18) As máquinas e ferramentas utilizadas nos trabalhos de remodelação do prédio, no que ao esqueleto concerne, eram propriedade da CC." "19) A mão-de-obra dos trabalhos de remodelação no prédio, foi realizada pelo próprio Réu e seus irmãos no que ao esqueleto concerne." "20) A CC forneceu pelo menos a maquinaria e a telha." "21) Dos trabalhos de remodelação operados no prédio referido em 2) dos factos provados, A. e R. suportaram os custos de material e mão-de-obra referente aos acabamentos que no mesmo foram executados, após finalizado o esqueleto, em valor não apurado." DO PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO 16. 0 actual regime processual civil continua a consagrar, como basilar, o princípio do dispositivo no direito adjectivo civilístico, essencialmente plasmado no actual art. 5º do CPC" 17. Do número 3 do dito artigo, e a contrario, retira-se cristalinamente que o juiz, no que diz respeito aos factos, está limitado pelas regras previstas nos números anteriores, de onde se retira que os factos que constituem a causa de pedir e as exceções têm de ser alegados por estas.
18. "No fundo, é um princípio que estabelece os limites de decisão do juiz - aquilo que, dentro do âmbito de disponibilidade das partes, estas lhe pediram que decidisse. Só dentro desta limitação se admite a decisão" - MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil", in Scientia Iuridica, 2013, ponto 1.
19. 0 art. 552º do CPC é inequívoco ao dispor que o autor, na petição inicial, deve "expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação".
20. Factos essenciais esses que configuram, no essencial, a causa de pedir - e sem a qual a petição seria, de resto, inepta nos termos do art 186º do CPC.
21. É assim consagrado o princípio da auto-responsabilidade das partes quanto aos factos essenciais da acção.
22. E tanto assim é que o actual artigo 573º e 574º do CPC dispõem expressamente que o réu deve concentrar a sua defesa na contestação, aí tomando "posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor." - art. 574º, nº 1.
23. Pelo que, pelo actual regime, tão-pouco a via do aperfeiçoamento está ao dispor do autor para alterar ou ampliar a factualidade essencial em que assenta a sua causa de pedir.
24. E muito menos pode fazê-lo em sede de declarações de parte, como ostensivamente, perante a deficiência patente da factualidade vertida na sua petição inicial, a Autora procurou fazer nestes autos.
25. Compulsados os autos, constata-se também que nem na enunciação dos temas de prova, nem na delimitação do objecto pericial, a Autora, de alguma forma, deu indícios de querer alterar (ampliando ou modificando) a causa de pedir por si elaborada.
26. Pelo que a defesa do Réu sempre se norteou pelo que na petição inicial a Autora alegara.
27. "Em síntese, o regime de alegação de factos em processo civil é o seguinte: — factos principais devem ser alegados na fase inicial; — factos instrumentais podem ser alegados ou...
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