Acórdão nº 398/18.4T8VRS.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA ADELAIDE DOMINGOS
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora I – RELATÓRIO R.J. intentou ação declarativa condenatória, sob a forma de processo comum, contra MARINA DO GUADIANA, LD.ª pedindo a condenação da Ré a:

a) Proceder às necessárias reparações na embarcação e entregar a mesma ao Autor em condições de navegabilidade, ou, b) caso o não faça num período razoável a fixar em 30 (trinta) dias, a pagar ao Autor o custo das reparações a efetuar na embarcação no valor que se vier a liquidar em execução de sentença entregando a embarcação ao Autor; c) Pagar ao Autor a quantia de €6.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais resultantes da privação de uso da embarcação.

Para tanto alega, em síntese, que é proprietário da embarcação denominada «ELEPHANT VERT», com a matrícula FF287280.

A Ré, que tem como atividade, entre outras, a construção e reparação de embarcações, em data imprecisa do mês de novembro de 2016, foi contratada pelo Autor para reparar a referida embarcação.

Os serviços a realizar pela Ré consistiram em reparar o casco e a quilha, a hélice e o sistema elétrico, sendo que, para o efeito, a embarcação foi recolhida pela Ré que procedeu à colocação da mesma em seco nas suas instalações sitas em Praia da Areia s/n Vila Real de Santo António, em data imprecisa do mês de novembro de 2016.

Em data imprecisa, mas que o Autor crê ter sido 23 ou 24 de julho de 2017, após a Ré ter considerado que os trabalhos se encontravam concluídos, a embarcação foi colocada novamente a navegar no Rio Guadiana, por esta, através dos seus sistemas de elevação, transporte e carga.

Aquando da reposição da embarcação na água, deu-se um acidente com os elementos de elevação e transporte da Ré, tendo a embarcação tombado e caído no solo.

Pagou pela reparação o valor de €31.033,17, tendo o pagamento imediato da totalidade da fatura da Ré sido condição e exigência prévia feita por esta para recolocação do barco na água, não tendo o Autor tido oportunidade de experimentar a embarcação e verificar a boa execução dos trabalhos.

Também não foi possível verificar as consequências do embate da embarcação a seco no solo quando tombou e caiu, na altura da sua reposição na água por parte da Ré, já que imediatamente após a queda da embarcação a Ré prosseguiu com a reposição da mesma na água.

Após a entrega da embarcação e colocação desta a navegar por parte da Ré, verificou o Autor que a mesma não resistia à penetração da água para o interior e que ato contínuo, este comunicou à Ré o estado da embarcação, nomeadamente o facto se verificar uma entrada anormal de água, a má execução da reparação do guincho, a falta de fixação do mastro Mizzen, o qual estava arrancado nas barras da flecha.

Confrontada com os factos supra relatados, a Ré recolheu a embarcação nas suas instalações a fim de proceder à reparação devida.

Após a colocação da mesma em seco, foi possível ao Autor constatar que existiam fissuras no casco e base da quilha, danos esses que foram causados pelo sinistro verificado aquando da reposição da embarcação na água.

Desde o início mês de agosto de 2017 que a embarcação permanece nas instalações da Ré não tendo até à data sido entregue, tendo o Autor constatado no local, em dezembro de 2018, que a embarcação apresenta uma reparação incompleta.

Em Janeiro de 2018, foi surpreendido pelo pedido de pagamento por parte da Ré de uma elevada quantia, correspondente aos trabalhos alegadamente realizados para reparar os supra apontados danos, o qual foi recusado pelo Autor, tendo este intimado a Ré que efetuasse as necessárias reparações e procedesse à entrega da embarcação ao Autor com brevidade.

O custo da totalidade das reparações necessárias a levar a efeito ronda os €24.000,00, ao qual acresce o montante indemnizatório de €6.000,00 pela privação de uso da embarcação durante todo este tempo e pelo enorme transtorno e consternação, já que se viu privado de fazer uma viagem planeada com amigos e familiares.

Contestou a Ré, alegando, em suma, que o Autor contratou com a Ré a reparação da dita embarcação e que a Ré executou corretamente os trabalhos mencionados na fatura/recibo.

O Autor nunca denunciou quaisquer defeitos na reparação da embarcação e só agora vem invocar a «má execução da reparação», estando caducado o direito à eliminação dos alegados defeitos e à peticionada indemnização.

Alega ainda que advertiu o Autor da necessidade de outros trabalhos, como consta da fatura, mas este entendeu retirar a embarcação das instalações da Ré, no estado em que se encontrava, e pô-la a navegar, sem que se fizessem os demais trabalhos de reparação da embarcação.

A embarcação foi de novo recolhida nas instalações da Ré a pedido do Autor, com o propósito daquela nela executar outros trabalhos de reparação e que o Autor pretendeu que a Ré os fizesse suportando o custo respetivo fundando-se «nas fissuras no casco e base da quilha».

Tal alegação não tem qualquer fundamento, razão pela qual não concluiu os aludidos trabalhos sem que o Autor se responsabilizasse pelo seu pagamento e pagasse os realizados, o que este não fez até à presente data, pelo que tem direito de retenção sobre a embarcação.

A convite do Tribunal, o Autor pronunciou-se sobre as exceções, alegando, em suma, que denunciou os defeitos verbalmente logo após o conhecimento dos mesmos, muito antes do prazo de 30 dias, pelo que o seu direito à reparação não se encontra caducado.

Foi realizada perícia tendo como objeto o apuramento dos trabalhos realizados na embarcação, por confronto com a fatura junta aos autos, e os danos atualmente existentes, bem como o custo de reparação.

Foi proferida sentença constando da parte dispositiva: «(…) julga-se a presente acção declarativa de condenação parcialmente procedente, por provada e consequentemente:

  1. Condena-se a Ré Marina do Guadiana, Lda. na reparação das fissuras existentes no casco e na quilha da embarcação denominada “ELEPHANT VERT”, com a matrícula FF287280, propriedade do Autor R.J., na fixação do mastro de mezena e na reparação integral do guincho, no prazo de 90 (noventa) dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão; b) Não sendo efectuadas pela Ré Marina do Guadiana, Lda. as reparações nos termos expostos em a), determina-se a redução do preço para o montante de €8.000,00 (oito mil euros), incluindo já impostos (IVA), correspondente ao custo dessas reparações, acrescida de juros de mora a contar desde a citação nesta acção até integral pagamento.

  2. Condena-se a Ré Marina do Guadiana, Lda. no pagamento ao Autor R.J. de uma indemnização por danos não patrimoniais por este sofridos pela privação do uso da embarcação, no montante de €550,00 (quinhentos e cinquenta euros, acrescido de juros de mora a contar desde a data desta decisão até integral pagamento.

  3. Absolve-se a Ré do restante peticionado.» Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação apresentando as seguintes CONCLUSÕES: «1. O tribunal “a quo”, pelas razões que se deixaram aduzidas na alegação, julgou mal a matéria de facto vertida nos pontos 26 e 27 dos factos provados.

    1. Deve assim revogar-se a decisão do tribunal no que tange à matéria dos artigos 26 e 27 dos factos provados, julgando-se os mesmos como não provados.

    2. Assim sendo, não se poderá concluir, como se faz na sentença em crise, que as fissuras no casco e na quilha da embarcação do A. “são consequências dos embates da embarcação em seco na rampa” e que “se tratam de defeitos de reparação cuja eliminação compete à Ré.” 4. Devendo assim, e em consequência, revogar-se a sentença recorrida na parte em que condenou a R. na reparação das fissuras existentes no casco e na quilha da embarcação denominada “ELEPHANT VERT”, propriedade do A.

      Mesmo que assim não se considere, sempre devia a R. ter sido nessa parte absolvida do pedido.

    3. É aplicável ao caso “sub judice” o disposto no DL nº 201/98, de 10.07.

    4. Dispõe o artigo 26º nº 1 do citado DL: “O dono da obra deve, sob pena de caducidade dos direitos conferidos nos artigos seguintes, comunicar ao construtor os defeitos da construção dentro dos 30 dias posteriores ao seu conhecimento.” 7. Andou mal o tribunal “a quo” na interpretação que faz da lei.

    5. A a existirem defeitos na reparação da quilha e do casco da embarcação do A., os mesmos sempre seriam aparentes (o que aliás a sentença reconhece).

    6. Executada a obra, cabe ao dono da obra denunciar os defeitos sob pena de caducidade dos direitos que a lei lhe confere, a saber o direito à eliminação dos defeitos, redução do preço, resolução do contrato e indemnização.

    7. O prazo para a referida denúncia conta-se a partir do conhecimento dos defeitos.

    8. “A não comunicação dos vícios ao empreiteiro dos eventuais defeitos, faz afastar a responsabilidade do empreiteiro pelos não denunciados defeitos aparentes.” 12. Ora, no caso vertente, os aludidos “defeitos” sempre seriam aparentes.

    9. É facto reconhecido na sentença que tais “defeitos” no casco e na quilha da embarcação não foram denunciados pelo A. no prazo de trinta (30) dias.

    10. Assim sendo, e ao contrário do decidido, caducou o direito do A. pedir a condenação da R. na sua eliminação (que, aliás, em bom rigor, não pede limitando-se a peticionar, de modo genérico, a condenação daquela “a proceder às necessárias reparações na embarcação e entregar a mesma ao Autor em condições de navegabilidade”).

    11. Deve assim a R. ser absolvida da condenação “na reparação das fissuras existentes no casco e na quilha do barco.” 16. Por último a sentença é nula por violação do disposto no artigo 615º nº 1 al. e), do CPC.

    12. O A. peticionou a condenação da R. a “proceder às necessárias reparações na embarcação e entregar a mesma ao Autor em condições de navegabilidade, ou, em caso de que não...

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