Acórdão nº 2129/15.1T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelMANUEL BARGADO
Data da Resolução12 de Junho de 2019
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO BB instaurou a presente ação declarativa contra CC - Companhia de Seguros, S.A.

, a qual entretanto mudou a sua denominação para CC - Companhia de Seguros, S.A.

, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de € 347.657,23 (trezentos e quarenta e sete mil, seiscentos e cinquenta e sete euros e vinte e três cêntimos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora contados desde a citação até integral pagamento.

Para tanto alegou, em síntese, que no dia 18 de Setembro de 2010 ocorreu um acidente de viação nas proximidades do Santuário de Fátima, perto da Igreja da Santíssima Trindade, na avenida D. José Alves C. da Silva, em que interveio o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …-CX-…, propriedade de “DD, Lda.” e conduzido por EE, o qual circulava com o dito veículo pela referida avenida no sentido Rotunda Sul – Rotunda Norte, a uma velocidade muito superior à permitida no local, que é de 50 quilómetros por hora, e com falta de cuidado e de atenção ao que se passava na via pública à sua frente, pelo que ao efetuar uma curva para a sua esquerda perdeu o controlo do veículo, o qual invadiu a berma e foi embater com a parte da frente do seu lado direito nos separadores do cimento amovíveis, do que resultou o rebentamento do pneu da frente do lado direito.

O CX continuou a sua marcha a roçar pelo separador de cimento acabando por atropelar a autora e a sua companheira de viagem FF, que caminhavam junto àquele separador (a autora atrás e a FF à frente), atento o sentido de marcha do veículo, de que resultaram para a autora as lesões que descreve e das quais se quer ver ressarcida, sendo que à data do acidente a responsabilidade civil por danos ocasionados pela circulação do veículo CX se encontrava transferida para a ré.

A ré contestou, invocando a exceção da prescrição do direito que a autora pretende fazer valer, sem prejuízo de aceitar que a responsabilidade pela eclosão do acidente se ficou a dever ao condutor do veículo CX. No mais, impugnou, por desconhecimento, as despesas alegadas pela autora e o nexo entre a necessidade de tais despesas com o acidente dos autos, acrescentando ainda serem excessivos os montantes peticionados a título de danos não patrimoniais.

Foi realizada audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador no qual se relegou para decisão final o conhecimento da exceção de prescrição, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, sem reclamação.

Instruído o processo, seguiram os autos para julgamento, sendo a final proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: «Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, decido: 6.1. – Condenar a ré CC - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

a pagar à autora BB, as seguintes quantias: 6.1.1. – A título de danos morais, € 40 000,00 (quarenta mil euros), acrescidos de juros de mora contados à taxa legal de 4% desde a presente data de prolação da sentença até integral pagamento; 6.1.2. – A título de dano biológico, € 60 000,00 (sessenta mil euros), de igual modo acrescidos de juros de mora contados à taxa legal de 4% desde a presente data de prolação da sentença até integral pagamento; 6.1.3. – A título de danos decorrentes da autora vir a ter necessidade de medicamentos regulares do foro psiquiátrico, analgésicos e anti – inflamatórios, de consultas regulares de psiquiatria e ocasionalmente de consulta de ortopedia e/ou fisiatria, € 7 500,00 (sete mil e quinhentos euros), acrescidos de juros de mora contados à taxa legal de 4% desde a presente data de prolação da sentença até integral pagamento; 6.1.4. – A título de danos patrimoniais decorrentes da necessidade de auxílio de terceira pessoa, € 40 000,00 (quarenta mil euros), acrescidos de juros de mora contados à taxa legal de 4% desde a presente data de prolação da sentença até integral pagamento; 6.2. – Condenar a ré CC - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

a pagar à autora BB a quantia que vier a liquidar-se em incidente de liquidação de sentença por danos patrimoniais com custos na operação que venha eventualmente a realizar-se ao tornozelo esquerdo.

6.3. – Absolver a ré CC - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

de tudo o demais contra a mesma peticionado pela autora BB.

» Inconformada, a ré apelou do assim decidido, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: «1. A ora Recorrente interpõe o presente recurso por entender que a Sentença enferma de várias nulidades, extravasou e violou o principio do pedido e errou na interpretação e aplicação do Direito.

  1. Os presentes autos têm a sua origem num conflito de interesses, cabendo às partes o enquadramento fáctico do processo e a alegação dos factos relevantes que serão tidos em conta (artigo 5º/1 e artigo 552.º/1/ al. d), ambos do CPC) e, como tal, seja por consequência do princípio do dispositivo ou do princípio do pedido, é nos articulados que os factos essenciais ao processo têm de ser alegados.

  2. Sendo que nos termos do artigo 609.º/1, do CPC “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”, prevalecendo no âmbito do direito processual civil o princípio da autonomia da vontade, compatibilizado com o princípio do dispositivo e sendo vedado que a Sentença condene em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir, sob pena de a mesma se revestir de nulidade.

  3. Compete às partes a definição do objeto do litígio, não cabendo ao juiz o poder de se sobrepor à vontade das partes, não sendo razoável que o demandado fosse surpreendido com uma condenação mais gravosa do que a pretendida pelo autor.

  4. In casu, pese embora o pedido pela Autora, a verdade é que o Tribunal a quo ao apreciar as questões que foram submetidas à sua análise e que lhe cabia solucionar, condenou em quantidade superior do pedido, pois julgou condenar a Ré no pagamento de €7.500,00, a título de necessidade de medicamentos, cremes para a pele seca e consultas regulares, de acordo com um juízo de equidade, sendo certo que a Autora apenas peticionou o valor de € 3.033,00 a título de medicamentos e de cremes para a pela seca (nada peticionando quanto a eventuais consultas).

  5. Os artigos 609.º/1, e 615.º/1/al. e), ambos do CPC ao proibirem condenações superiores ou distintas do pedido têm de ser entendidos como referentes a cada uma das parcelas que, individualmente consideradas, compõem o pedido global e não apenas ao limite do valor global.

  6. De outro modo, deixaria de fazer sentido e ter efeito prático a identificação e contabilização de pedidos individualizados, antes se bastando com a indicação dos danos (ou vários tipos de danos) e a atribuição de um valor global, deixando para a equidade (ou livre arbítrio) do Tribunal concretizar o que correspondente a cada parcela, permitindo ao julgador além de julgar possuir amplos poderes da configuração (ou reconfiguração) das ações e dos pedidos apresentados em Tribunal, o que origina um claro desequilíbrio de armas entre Autores e Réus.

  7. Desta forma, a Sentença recorrida é nula, nos termos e por força do disposto no artigo 615.º/1/e) do CPC, por condenar em quantia superior ao pedido, já que decidiu atribuir à Autora uma indemnização por necessidade de medicamentos, cremes e consultas regulares no valor de € 7.500,00, acima (em mais do que o dobro) do valor peticionado pela Autora.

  8. Por outro lado, na presente demanda, pese embora o pedido pela Autora, a verdade é que o Tribunal a quo ao apreciar as questões que foram submetidas à sua análise e que lhe cabia solucionar, condenou em objeto diverso do pedido, na medida em que julgou condenar a Ré no pagamento de €60.000,00, a título de danos decorrente do défice funcional da integridade físico-psíquica, sem que tal tenha sido peticionado pela Autora (o que inclusivamente é reconhecido pela Sentença recorrida).

  9. Note-se que a atribuição de indemnização pelo dano biológico nem sequer se encontrava contemplada em sede de pedido/valor parcelar dentro do valor global. E isto porque tal dano não foi, de todo, peticionado.

  10. In casu¸ a Autora em sede de PI peticionou a atribuição de uma indemnização por danos patrimoniais (auxílio de terceira pessoa, medicamentos, cremes e outras despesas) e por danos morais (no âmbito dos quais indica o quatum doloris, o dano estético, a IPP que lhe foi atribuída, entre outros), contudo, em momento algum do seu articulado a Autora peticiona uma indemnização por dano biológico.

  11. Assim, andou mal o Tribunal a quo ao entender in casu que a atribuição de uma indemnização a título de dano biológico se encontra dentro dos limites impostos pelo artigo 609.º/1, do CPC, quando, efetivamente, tal dano não foi peticionado pela Autora.

  12. No limite, tal interpretação levaria a deixar de ser exigível aos Autores subsumirem a realidade fáctica a determinada norma ou instituto jurídico, bastando-lhe apenas alegar os factos essenciais, indicar um pedido global e o Tribunal (salvo o devido respeito), faria o resto – em evidente desequilíbrio de armas entre Autor e Réu, manifesta violação do princípio da igualdade e chegando a configurar uma decisão surpresa para a ora Recorrente.

  13. Assim, a Sentença recorrida é nula, nos termos e por força do disposto no artigo 615.º/1/d) e e), do CPC, extravasando os poderes de pronuncia e condenando em objeto diverso, já que decidiu atribuir à Autora uma indemnização por dano biológico no valor de € 60.000,00, sem que tal tenha sido peticionado.

  14. No que diz respeito à prescrição julgou o Tribunal pela sua improcedência na medida em que se os factos em que se baseiam os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos forem suscetíveis de constituir um crime seria de aplicar o prazo alargado previsto no artigo 498.º/3, do CC, in casu, o prazo de cinco anos, considerando que o prolongamento do prazo de prescrição previsto no artigo...

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