Acórdão nº 08S2463 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Junho de 2009

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução25 de Junho de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 23 de Outubro de 2003, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 5.º Juízo, AA intentou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra FARMÁCIA C... - SOCIEDADE UNIPESSOAL, L.da, pedindo que se declare a ilicitude do seu despedimento e se condene a ré a reintegrá-lo no respectivo posto de trabalho, sem prejuízo de optar por indemnização substitutiva da reintegração, bem como a pagar-lhe € 6.225,62, respeitantes à retribuição do mês de Novembro de 2002 e de 9 dias do mês de Dezembro de 2002, € 3.032,99, pertinentes à retribuição de 19 dias de férias não gozadas em 2001, € 4.788,94, referentes ao subsídio de férias de 2001, € 4.788,94, correspondentes à retribuição das férias de 2002, € 4.788,94, concernentes ao subsídio de férias de 2002, € 4.788,94, a título de subsídio de Natal de 2002, € 9.577,88, relativos a retribuições vencidas e não pagas, e € 2.012,47, atinentes ao valor da reparação da viatura que lhe estava atribuída, a tudo acrescendo juros de mora, às taxas legais, desde a data do respectivo vencimento, até integral pagamento.

Alegou, em resumo, que foi admitido ao serviço da ré, em 1 de Março de 2000, como gestor/supervisor, categoria que manteve até 30 de Setembro de 2000, e que, a partir de 1 de Outubro de 2000, a ré atribuiu-lhe a categoria de farmacêutico adjunto substituto, sendo que, em 9 de Dezembro de 2002, foi despedido pela ré, com a alegação de justa causa, na sequência de um processo disciplinar adrede instaurado.

Mais aduziu que: procedeu à transferência da atinente retribuição para a sua conta bancária, unicamente por tal lhe ter sido comunicado pela ré; não se apropriou de quaisquer documentos e imprimiu as listagens necessárias ao seu trabalho, não o tendo feito à revelia ou contra a vontade da ré, pelo que o despedimento é ilícito, por inexistência de justa causa; a capota da viatura que lhe estava atribuída partiu-se, tendo a mesma sido reparada na oficina C..., S.A., mas quando apresentou a respectiva factura à ré, esta não lhe pagou o valor da mencionada reparação.

A ré contestou, alegando que, em 18 de Outubro de 2002, o autor transferiu para a sua conta o vencimento próprio relativo ao mês de Outubro de 2002, contra os procedimentos habituais; em 23 de Outubro de 2002, o autor extraiu do sistema informático da ré listagens de vendas mensais e de inventários e, também por essa altura, contactou fornecedores da ré, designadamente a «A...U...», a quem solicitou, abusivamente e em nome daquela, o envio imediato, por fax, de listagens de facturas e extractos de conta, que recebeu, com a intenção de se apropriar desses documentos, sendo que, no próprio dia 23 de Outubro de 2002, dirigindo-se em voz alta à gerente da ré e aos demais trabalhadores, disse: «os senhores ainda vão ver a honestidade desta senhora e da sua família»; e enquanto falava ao telemóvel, em voz alta e no mesmo circunstancialismo, disse: «ela vai falar é em tribunal». No dia 30 de Outubro de 2002, em voz alta, perante funcionários e clientes, o autor asseverou, dirigindo-se à gerente, «és trapaceira e impostora». Assim, o despedimento do autor foi efectuado com justa causa e na sequência de processo disciplinar.

Acrescentou, doutro passo, que pagou ao autor o subsídio de férias de 2001 e a remuneração de férias e o subsídio de férias de 2002, que se recusou «a pagar ao A. a "mesada" correspondente ao aparente salário de Novembro, 9 dias de Dezembro e subsídios de Natal», e que o uso do telemóvel, tal como a atribuição de automóvel, era uma mera tolerância da ré, não constituindo retribuição do autor.

Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 10.137,88, relativa às retribuições de Novembro de 2002 e 9 dias de Dezembro de 2002 e ao subsídio de Natal de 2002, acrescida de juros de mora, à taxa de 7% até 2003-04-30 e à taxa de 4% desde 2003-05-01, contados desde a data de vencimento de cada uma das retribuições e até efectivo e integral pagamento.

  1. Inconformados, o autor e a ré interpuseram recurso de apelação, sendo o primeiro independente e o outro subordinado, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado improcedentes os dois recursos, sendo contra esta decisão que a ré e o autor agora se insurgem, mediante recursos de revista, em que formulam as conclusões seguintes, explicitadas na sequência de convite dirigido aos recorrentes, nos termos do n.º 4 do artigo 690.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à conferida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, aqui aplicável, para completarem as conclusões com as especificações previstas no n.º 2 do mesmo artigo: RECURSO DA RÉ: «A. Os factos apurados pelas instâncias a quo, maxime: - Os factos 3, 5, 28, 30, 31, 32, 34, 35, 66; - O "salário" de € 4.407,69 para a categoria de farmacêutico adjunto, por confronto com os factos 63 e 66; - Factos 12 e 42 (por confronto com o facto 43); - Factos 16 e 17, por confronto com o 46; - Facto 26; - Factos 36, 37 e 38; - Factos 54 a 58; - Factos 39 e 40; - Factos 47, 64, 70, 71 e 72, [b]em como o teor da fundamentação das respostas aos quesitos e nos termos da qual o Apelante era tido como dono ou co-dono da entidade patronal por empregados, clientes e pelo próprio pai, revelam indubitavelmente que a relação estabelecida entre recorrente e recorrido e sob apreciação nestes autos, não tem natureza jus-laboral; B. Só a relação marital existente entre a então sócia única e proprietária da farmácia, pode constituir causa justificativa da existência de uma relação que se apresenta com as vestes jus-laborais e tal causa não deve ser julgada válida pelo Direito, autorizando e validando com o facto jurídico relevante [sic] aquilo que aparenta, em detrimento daquilo que é; C. Tal relação impõe a desconsideração da personalidade jurídica da R., apenas para esse limitado efeito: o de apreender a substância da relação real e da causa das atribuições patrimoniais feitas sob a capa de uma relação laboral; D. A instauração de processo disciplinar ao ora recorrido deve ser valorad[a] como uma actuação da ora recorrente destinada a acautelar a eventualidade de decair numa acção de impugnação de despedimento como a sub judice - caso o tribunal viesse a qualificar como jus-laboral a relação estabelecida - apenas porque omitiu o procedimento disciplinar escrito; E. Mas a ora recorrente sempre ressalvou a sua posição com a invocação da inexistência de causa (juridicamente válida) para uma relação jus-laboral; F. Prestações como as praticadas na relação sub judice e a relação de marido/mulher então existente impõem a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade comercial R. para os efeitos dessa mesma relação estabelecida e para os desta acção; G. O acórdão a quo erra ao julgar improcedente o recurso com fundamento na suposta constituição de caso julgado formal no despacho saneador que, formularmente, afirma não haver excepções ou nulidades ..., pois que, sempre que a acção prossiga para além do saneador, só se concebe que o despacho proferido constitua caso julgado, para as partes que dele não hajam recorrido, quanto às decisões relativas a questões concretas suscitadas na acção; e não houve decisão quanto a esta concreta questão; H. Erra, igualmente, ao julgar que se verificou uma omissão de pronúncia que não foi objecto de arguição; I. Mas o que está em causa é o poder-dever dos tribunais de valorarem e qualificarem, sem estarem penhorados pelas alegações das partes, os factos julgados provados; e tais factos impõem a qualificação da relação sub judice como não laboral; J. Valorar a instauração de procedimento disciplinar como um facto jurídico susceptível de tornar a alegação de falta de causa jus-laboral para a relação entre A. e R., como quase raiando a má fé, não obstante a alegação de que a sua instauração foi-o por mera cautela formal, é um raciocínio viciado em termos intelectuais e, portanto, inapto como fundamento para a manutenção da qualificação, posto que equivaleria a, desde logo, qualificar como não laboral a relação estabelecida por aqueles, em condições semelhantes às de qualquer trabalhador por conta de outrem, que emitem recibos verdes e depois vêm reclamar o reconhecimento da relação jus-laboral; representa, em certa medida, uma violação do direito do art. 664 do CPC, pois que como que abdica da liberdade indagatória e interpretativa do direito; um argumento que serve uma tese a contrária [sic] não é válido; K. A valoração dos factos apurados pelas instâncias é matéria de direito, por consistir no necessário e indispensável acto judicatório da determinação da relevância jurídica das acções e omissões de um sujeito apuradas (como factos jurídicos, porque consequentes à luz do Direito) na discussão da causa; L. A factualidade supra aludida constitui um acervo de factos jurídicos que valorada à luz do Direito: - do C. Civil, nos seus [artigos] 236/1 (sentido das declarações negociais), 237/2 (maior equilíbrio das prestações), 239 (integração da vontade das partes de acordo com os ditames da boa fé e que se impõem como a melhor solução), 398/2 (interesse do credor em beneficiar de prestações - "salário" quádruplo do usual, negócios só explicáveis no quadro da relação marital, regalias inusuais, inusitadas e excepcionais, etc. - cujo conteúdo não é digno de protecção legal à luz do direito laboral constitucional consagrado no art. 59/l-a) da CRP), 334 (abuso de direito que determina a caducidade do direito, quando o seu exercício exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé - invocação da subordinação quando exercia, afinal e a coberto do estatuto de marido da então dona o de direcção, impondo-se, por isso, desconsiderar o obstáculo constituído, então, pela personalidade jurídica colectiva da recorrente e cuja...

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