Acórdão nº 08P3168 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelARMÉNIO SOTTOMAYOR
Data da Resolução12 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA apresentou na Procuradoria-Geral Distrital de Évora uma denúncia criminal contra a juiz de direito Drª BB, imputando-lhe a prática, na acção de processo ordinário nº 667/03.8TBGDL do Tribunal Judicial de Grândola, de actos que, segundo a queixosa, são susceptíveis de integrarem os crimes de denegação da justiça ou prevaricação e de abuso de poder, p. e p. pelos arts. 369º e 382º do Código Penal.

Posteriormente, a queixosa constituiu-se assistente nos autos.

O inquérito veio a ser arquivado com fundamento em que "a participação apresentada não tem, pelas razões expostas, suporte factual que preencha aqueles tipos de ilícitos penais, sendo patente a omissão de articulação de factos concretos susceptíveis de suportarem as incriminações por aqueles ilícitos, com destaque para o elemento de índole subjectiva dos crimes. Assim, do material probatório recolhido não resultam indícios de que o comportamento denunciado integre qualquer crime, nomeadamente aqueles. Por isso também não se realizam outras diligências por não se vislumbrar qualquer utilidade para a averiguação e esclarecimento dos factos. Por tudo o exposto, de harmonia com o disposto no art. 277° do Código de Processo Penal, determinamos o arquivamento dos autos." Notificada deste despacho, a assistente requereu, no Tribunal da Relação de Évora, a abertura de instrução.

Todavia, a realização da instrução foi indeferida com o fundamento de "inadmissibilidade legal", previsto no nº 3 do art. 287º do Código de Processo Penal, conforme o seguinte segmento do despacho que se transcreve: É com este último fundamento de "inadmissibilidade legal" que se rejeita o requerimento da assistente para abertura da instrução, atendendo a que do mesmo não consta uma descrição factual, com a menção ordenada e sequencial, que permita delimitar o campo sobre o qual irá incidir a instrução, e bem assim integradora das disposições legais que permitam a imputação de prática de um ou mais crimes à citada magistrada.

Verifica-se que do requerimento de abertura da instrução não consta sequer a totalidade dos factos necessários ao preenchimento do tipo dos crimes imputados, não constando todos os elementos subjectivos e objectivos do tipo dos já citados crimes.

A instrução não se destina à simples impugnação do despacho de arquivamento do M.ºPº . Para esse efeito o meio adequado é a reclamação hierárquica. No requerimento para abertura da instrução, o assistente tem de indicar os factos que considere indiciados ou que pretende vir a fazer indiciar. Tal requerimento equivale à acusação, definindo e limitando o objecto do processo a partir da sua apresentação. Não descrevendo a assistente os factos que pretende imputar, qualquer descrição que se venha a fazer numa eventual pronúncia redunda necessariamente numa alteração substancial do requerimento, estando ferida da nulidade cominada no art. 309 do C.P.P .. " (Ac. da ReI. de Coimbra de 24/11 /93, Col. Jur., ano XVIII, 5,61).

Seguindo esta jurisprudência e doutrina e atendendo ao fim da instrução constante do artigo 286° do referido Código e às exigências do artigo 287° n.º 2 e 3, conjugado com o artigo 283°, n.3 aI. b) do mesmo Código, evitando ainda a prática de actos inúteis atento a que nestas condições uma eventual pronúncia estaria ferida de nulidade. A entender-se de outro modo resultariam violados os princípios do contraditório e do acusatório.

Ora pelo que já atrás ficou exposto se retira que não se entende que exista no requerimento de abertura da instrução uma mera irregularidade ou algo a aperfeiçoar, nos termos do disposto no artigo 123° n. 2 do C.P.P., é que a inadmissibilidade da abertura da instrução no caso concreto advém desde logo da não descrição objectiva de todos os factos constitutivos dos tipos dos crimes imputados ao arguido, faltando ainda os elementos subjectivos do tipo do crime. Por outro lado e conforme acórdão para fixação de Jurisprudência do STJ n.º 7/05 (DR Iª Série de 4/11) " Não há convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287°, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido". Também assim o entendeu o Tribunal Constitucional ao não julgar inconstitucional o preceituado nos artigos 287° e 283° quando interpretados no sentido da não obrigatoriedade da formulação de um convite ao aperfeiçoamento.

Nesta conformidade, verifica-se que o requerimento para abertura de instrução formulado pela assistente materializa as razões da sua discordância face ao despacho de arquivamento, mas não contém a descrição factual que permita a imputação da prática dos crimes referidos à referida magistrada.

Essas omissões não podem ser supridas pelo tribunal em sede de instrução, mormente no âmbito da decisão instrutória de pronúncia, pois sempre redundariam numa alteração substancial dos factos constantes do requerimento para abertura de instrução formulado pelo assistente, proibida e cominada como nulidade pelo artigo 309º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Em face de quanto ficou exarado e considerando a falta dos requisitos legais que se deixaram expressos, o requerimento para abertura de instrução é nulo e, em consequência, legalmente inadmissível.

Pelo exposto, rejeito o requerimento para abertura de instrução apresentado pela assistente.

Inconformada a assistente recorreu ao Supremo Tribunal de Justiça, tendo sintetizado a sua argumentação nas conclusões que se passa a transcrever: 1º - A assistente requereu abertura de Instrução do despacho do MP que, junto do Tribunal da Relação de Évora, ordenou o arquivamento do inquérito respeitante ao processo crime instaurado a BB, em 7 de Março de 2007, a qual vem acusada dos crimes de "Denegação da justiça ou prevaricação" e "Abuso de poder", previstos e puníveis pelos arts. 3690 e 3820 do CP, solicitando simultaneamente a nulidade do inquérito, uma vez que, correndo este contra a ela, a mesma não foi constituída arguida, nem quando a participante se constitui em assistente e muito menos quando foi ouvida nos autos, sendo que, desta feita, a mesma foi testemunhar a seu favor, violando o disposto no art. 58º, bem assim o nº 4 do art. 68°, ambos do CPP, na redacção do D L nº 78/87/17/02.

  1. - Sucede que, a despeito do afrontamento à lei e de, nos termos da al. b) do nº 2 do art. 119° do CPP, a falta da constituição de arguido ser, na altura cominada de nulidade, a verdade é que o Tribunal a quo, resolveu fechar os olhos a todas estas arbitrariedades e decidiu, após há muito transcorrido o prazo instrutório, julgar nulo o requerimento para a abertura de instrução, observando no 3º& de fls.. 247 que o "formulado pela assistente não se extrai um quadro factual que contenha a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação à arguida de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo. se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que deva ser aplicada." 3º - Decidindo que de tal "requerimento apenas consta matéria conclusiva perante a discordância da assistente com a matéria de facto apurada pela juiz ora denunciada, pela forma como esta foi apurada e conduzido o processo, que terminou com decisão que lhe foi desfavorável e a prejudica, acrescentando ainda que assim agiu com intenção de a prejudicar, embora referindo que nem conhece a denunciada, pretendendo através da instrução que seja a denunciada constituída arguida e através da audição da mesma se apurem as razões porque actuou dessa forma", Ora, sem embargo do devido respeito, por certo não acompanhamos a decisão recorrida, visto o Tribunal de Instrução, a nosso ver, ter identificado erradamente o requerimento da assistente, em virtude deste ser compaginável com o art. 287º e als. b) e c) do nº 3 do art. 283º, ambos do CPP, e do tipo de crime de prevaricação não faz parte que o juiz possui inimizade com a pessoa prejudicada pela sua decisão 4º - Razão pela qual o requerimento instrutório obedece às disposições substantivas que o tornam idóneo à prossecução dos objectivos definidos naqueles preceitos, sendo jurisprudência do STJ exarada no Acórdão de 27/2/02, no Proc. nº 3153/01-3. que: "o requerimento do assistente parar abertura de instrução, no caso de arquivamento do processo pelo MP, é que define e limita o respectivo objecto do processo, a partir da sua formulação, constituindo, substancialmente, uma acusação alternativa, Assim, e além do mais, deverá dele constar a descrição dos factos que fundamental a eventual aplicação de uma pena ao arguido e a indicação das disposições penais incriminatórias", mas aquele requerimento vai mais longe e não só descreve os factos e a sua forma dolosa, como as circunstâncias de tempo e lugar, indicando as normas penais violadas, bem assim o modus faciendi, como se alcança de fls. 202 a 230, e sendo a acusada ouvida nos autos compreendeu toda a matéria acusatória, salientado que hoje voltaria a fazer o mesmo, patenteando inequivocamente compreensão dos delitos atribuídos 4º-Tanto mais que na base daquele requerimento, a juiz de instrução, a fls. 249, não só criticou a assistente por não haver recorrido da decisão judicial da acusada, como impugnou os crimes que lhe são imputados, bem assim decidiu não ser "suficiente para integrar os elementos dos tipos de crime imputados apenas a avaliação subjectiva da assistente da prova produzida ou...

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