Acórdão nº 1533/19.0T9PTM.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA FILOMENA SOARES
Data da Resolução12 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal (1ª Subsecção) do Tribunal da Relação de Évora: I [i] O processo de inquérito com o nº 1533/19.0 T9PTM, que correu termos na Procuradoria da República da Comarca de Faro, Departamento de Investigação e Acção Penal, 2ª Secção de Portimão, teve origem na queixa apresentada pelo denunciante RFSP que se constituiu assistente nos autos, destinando-se a investigar factos eventualmente cometidos pela denunciada SMSP susceptíveis de integrar a prática, em autoria material, de crime de devassa da vida privada, p. e p. pelo artigo 192º, do Código Penal ou de crime de devassa por meio informático, p. e p. pelo artigo 193º, do mesmo diploma legal

[ii] Findo o inquérito, o Digno Magistrado do Ministério Público proferiu despacho de arquivamento por insuficiência de indícios da verificação dos elementos típicos dos mencionados crimes e ainda, por verificação de uma causa de exclusão da ilicitude, no que importa ao por si investigado crime de acesso ilegítimo, p. e p. pelo artigo 6º, nº 1, da Lei nº 109/2009, de 15.09, tudo nos termos do preceituado no artigo 277º, nº 1, do Código de Processo Penal

[iii] Inconformado com a decisão de arquivamento, o assistente requereu a abertura de instrução, alegando que a prova recolhida em inquérito e bem assim aquela cuja realização solicita conduzirá à prolação de despacho de pronúncia contra a denunciada pela prática dos factos/crimes supra mencionados

[iv] Por despacho proferido em 30.09.2020, o Mmº Juiz de Instrução [do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Instrução Criminal de Portimão, Juiz 2] rejeitou, ao abrigo do disposto nos artigos 283º, nº 3, alínea b) e 287º, nº 2, do Código de Processo Penal, por inadmissibilidade legal, o requerimento para a abertura de instrução

[v] Inconformado com tal despacho, o assistente dele recorreu, extraindo da respectiva motivação de recurso as seguintes conclusões: “ 1 Normas jurídicas violadas: - Arts. 287, nos. 2 e 3, do c.P.P.; - Arts. 4.°, do C.P.P. e 6.°, n.º 2, do C.P.C

- Princípios da regularização da instância e da adequação formal

2 Da análise do despacho do MM. Juiz "a quo", o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo recorrente foi liminarmente rejeitado porque, em suma, não apresentou uma acusação crime contra a autora dos factos

3 O recorrente discorda de tal entendimento, porque, na verdade, no seu requerimento de abertura de instrução não se limitou apenas a dizer as razões de facto e de direito porque não concordava com o despacho de arquivamento, apresentou, embora em separado, uma acusação crime contra a denunciada

4 O recorrente fê-lo em separado pela simples razão de ter considerado extensa as razões de facto e de direito da discordância do arquivamento e actos de instrução a levar a cabo, com 14 páginas, e para um melhor tratamento e simplificação do trabalho, deduziu a acusação particular em separado, referindo no fim do requerimento de abertura de instrução que junta a acusação particular e pedido de indemnização civil. Inclusivamente a paginação da acusação particular segue a paginação das razões de facto e de direito porque se requereu a abertura de instrução

5 O despacho em recurso viola o disposto no art. 287, n.º 2, do C.P.P. porque esta norma refere que o requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais e o MM. Juiz "a quo" indeferiu aquele requerimento por incumprimento de uma formalidade

6 O requerimento de abertura de instrução apresentado pelo recorrente contém as razões de facto e de direito de discordância relativamente ao despacho de arquivamento, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, contendo, embora em separado, uma acusação crime contra a denunciada, identificando-a e cumprindo as exigências prescritas no art. 283. n.º 3, alíneas b) e c), do C.P.P.

7 Encontrando-se a acusação crime junta e não estando o requerimento de abertura de instrução sujeito a formalidades especiais, entende o recorrente que preencheu os requisitos legais constantes no art. 287, n.º 2, do C.P.P. e por essa razão não deverá o requerimento de abertura de instrução ser rejeitado

8 Entende o recorrente que o MM. Juiz "a quo" no seu despacho violou o disposto no art. 287, n.º 3, do C.P.P., em virtude de o requerimento de abertura de instrução só poder ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução. No caso em apreço, nenhum daqueles requisitos para o requerimento de abertura de instrução ser liminarmente indeferido se verifica e, portanto, teria que o MM. Juiz "a quo" receber o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo recorrente

9 Conforme supra se referiu, do que se entende do despacho do MM. Juiz "a quo", o requerimento de abertura de instrução foi indeferido por incumprimento de uma formalidade que consiste na acusação crime não se encontrar no seguimento dos actos de instrução a levar a cabo e meios de prova, mas ter sido apresentado em separado

10 O disposto no art.º 4.°, do C.P.P., prevê a aplicação subsidiária das normas do processo civil. Nesse seguimento, o disposto no art. 6.°, n.º 2 do C.P.C., contém os princípios da regularização da instância e da adequação formal, ou seja, o juiz através desta norma e princípios deve providenciar pelo suprimento dos pressupostos processuais e sanação da instância, determinando a realização de determinados actos ou convidando as partes a praticá-los de modo a regularizar, ou a adequar a instância

11 No caso em apreço, verificando o MM. Juiz "a quo" que a acusação crime tinha sido apresentada em separado das razões de facto e de direito porque se requereu a abertura da instrução e actos a levar a cabo, deveria ter usado mão do disposto no art. 6.°, n.º 2, do C.P.C. e princípios subjacentes e convidar o recorrente a regularizar o requerimento de abertura de instrução de modo a este conter a acusação crime e não a mesma em separado. O que o recorrente, como é bom de ver, faria

Nestes termos e nos demais de Direito deverão V. Ex.as julgar procedente o presente recurso e na sequência disso ordenar que o requerimento de abertura de instrução seja aceite, como foi apresentado, ou através da regularização do mesmo de modo a estar ínsita a acusação, e os autos prosseguirem os seus termos

Contudo, V. Ex.as farão a acostumada Justiça!”

[vi] O recurso interposto foi admitido

[vii] Notificado, o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, apresentou articulado de resposta, alegando nos termos seguintes: “(…) Porém, não lhe assiste razão

* COM EFEITO, a realização de um convite por parte do Tribunal de Instrução criminal, como pretende o ora recorrente, sempre redundaria na obnubilação do dever legalmente imposto no nº 3 do artigo 4º do DL 28/92 e na implosão do prazo que é peremptório de 20 dias para requerer a instrução previsto no artigo 287º nº 1 do Código de Processo Penal. Tal procedimento, sempre acabaria por desequilibrar sem razão (e não pode constituir razão o esquecimento ou o desconhecimento do requerente) os interesses em conflito que presidem ao processo penal

Por outro lado e em síntese, como bem entendeu o Mmo Juiz “a quo” no seu despacho ora em análise “… a instrução no presente processo é inadmissível por falta de objecto (artigo 287 nº 3 do Código de Processo Penal) a rejeição impondo-se a rejeição do requerimento de abertura de instrução.” Por fim, para que mais dúvidas não existissem, cita o Mmo Juiz “quo” o teor do Acordão de Fixação de Jurisprudência nº 7/2005 que fixou já jurisprudência no sentido de não haver lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de aberta de instrução apresentado nos termos do artigo 287º nº 2 do Código de Processo Penal, quando for omisso quanto à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido não se proferirá tal despacho e bem conclui que, por tal razão o RAI em causa tem de ser forçosamente liminarmente rejeitado

* Tais foram, além de outras, as considerações efectuadas pelo Mmo Juiz de Instrução Criminal ao proferir a decisão ora em recurso

Nessa decisão teve o Mmo Juiz “a quo” a preocupação de explicar as razões de ser da sua convicção para se decidir pela rejeição do requerimento de abertura de instrução, baseando bem a sua decisão nos elementos do processo e bem interpretando a as supra referidas normas, tanto do Código de Processo Penal como do Código de Processo Civil

O despacho recorrido não violou assim qualquer preceito legal, não assistindo razão ao recorrente

TERMOS EM QUE deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se integralmente a decisão recorrida, fazendo-se assim a adequada JUSTIÇA.”

[viii] Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no qual afirma, em suma, “(…) Acompanha-se, na sua essencialidade, a argumentação explanada na supra aludida resposta e o sentido decisório nela preconizado. (…) De outro lado, não cabe, no caso, formular convite...

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