Acórdão nº 08S1871 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 19 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelBRAVO SERRA
Data da Resolução19 de Novembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I 1.

No Tribunal do Trabalho de Setúbal instaurou AA contra BBl, acção de processo comum, peticionando que fosse declarado que a autora "se despediu com justa causa" e que fosse o réu condenado a pagar a esta € 65.333,98 e juros desde a citação.

Aduziu, em síntese, que: - - ela, autora, foi, em Maio de 1974, admitida ao serviço do réu com a categoria de escriturária, possuindo, ultimamente, a categoria de tesoureira, pela qual auferia € 706,14, a título de vencimento mensal, € 74,15, a título de diuturnidades, € 3,50, a título de subsídio de refeição por cada dia útil de trabalho, e € 20,99, a título de abono para falhas; - em 2005, o réu somente em 11 de Maio pagou à autora o salário de Abril, assim como só pagou o salário de Maio em 14 de Junho e o de Junho em 5 de Julho, não vindo, até 12 de Setembro, a pagar o salário de Agosto, emitindo, nesta última data, uma declaração em que reconhecia que o salário de Agosto ainda se encontrava por pagar e que não era previsível o pagamento desse salário e dos salários vincendos no prazo de sessenta dias; - por isso, a autora, em 12 de Setembro de 2005, dirigiu ao réu uma carta em que o informava que fazia cessar o seu contrato de trabalho, com efeitos reportados a 22 desse mesmo mês; - o réu não procedeu ao pagamento da retribuição de Agosto de 2005, bem como dos vinte e dois dias de Setembro seguinte, do mês de férias e respectivo subsídio, e das partes proporcionais de férias, subsídio de férias e décimo terceiro mês daquele ano, tudo no valor de € 4.704,46, para além de não ter pago o "aumento salarial encapotado", traduzido no acordo, em vigor desde 1 de Janeiro de 1994 até Janeiro de 2003, de actualização salarial paga através de tickets de refeição, aumento esse a que corresponde o valor global de € 1.979,73; - o réu, não obstante ter sido condenado por decisão judicial transitada em julgado a reconhecer que a autora tinha a categoria de tesoureira, sendo-lhe devidas as respectivas diferenças salariais, no montante de Esc. 2.596.800$00, apenas pagou Esc. 1.000.000$00, ficando-lhe, pois, a dever 1.596.800$00, a que correspondem € 7.980,64; - o réu não procedeu ao pagamento à autora de trabalho suplementar por ela desempenhado e referente a 105 horas no período de Setembro a Dezembro de 1999, 680 horas no período de Janeiro a Dezembro de 2000, 655 horas no período de Janeiro a Dezembro de 2001, e 30 horas no período de Janeiro a Junho de 2002, tudo no montante global de € 14.390,41; - reclama a autora uma indemnização equivalente a quarenta e cinco dias de vencimento por cada ano de antiguidade - trinta e um anos e três meses -, o que equivale a € 36.278,68.

Após contestação do réu, que impugnou parte do alegado pela autora, veio a ser determinada a apensação à acção instaurada pela autora AA, uma outra acção, intentada por CC, na qual esta solicitava a condenação do réu a pagar-lhe € 27.098,50 e juros desde a citação.

Prosseguindo os autos seus termos, veio, em 8 de Junho de 2007, a ser proferida sentença que, julgando parcialmente procedentes as acções, condenou o réu a pagar à autora AA a quantia de € 4.074,46, acrescida de juros e, à autora CC, a quantia de € 2.863,30, acrescida de juros.

Inconformada, apelou a autora AA para o Tribunal da Relação de Évora, impugnando ainda, no recurso, a matéria de facto.

Este Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 15 de Janeiro de 2008, julgando parcialmente procedente a apelação, condenou o réu, para além da quantia constante da condenação levada a efeito pela sentença apelada, a pagar à autora AA o montante de € 18.141,74, acrescidos de juros, como indemnização de antiguidade, por ter resolvido o contrato de trabalho com justa causa.

  1. É desse aresto que, pelo réu, vem pedida revista, vindo a autora AA a interpor recurso subordinado.

    Finalizou o réu a alegação que produziu com o seguinte quadro conclusivo: - "A. Ao fundar a sua decisão recorrida em alegado abuso de direito que não fora antes invocado por nenhuma das partes, nomeadamente pela ora recorrida, sem que tivesse convidado o recorrente a pronunciar-se sobre essa questão, o Tribunal recorrido veio a proferir uma decisão-surpresa, notoriamente influente na decisão final e notoriamente prejudicial para o ora recorrente, sendo por isso nula a decisão recorrida nessa parte, não obstante se admitir que se trate de questão que possa ser suscitada oficiosamente.

    1. O Tribunal recorrido violou aqui o disposto no art. 3º. 4 do CPC, conduzindo à nulidade prevista nos art. 668º.1.d) e 201º.1 do CPC.

    2. Não pode vincular o recorrente o documento, constante nos autos, que lhe é atribuído, assinado apenas por uma Directora, onde esta Directora faz constar expressamente que age a título individual, só «na qualidade de tesoureira e membro» da Direcção do Sindicato, e não em representação do Sindicato, nomeadamente porque essa declaração envolve responsabilidade financeira e os Estatutos do Sindicato no art 29º impõem que para o obrigar são necessárias «as assinaturas de dois membros do Secretariado (=Direcção), sendo uma delas obrigatoriamente a do secretário para os assuntos financeiros (...) quando os documentos envolvam responsabilidade financeira».

    3. Não constitui abuso de direito na modalidade de «venire contra factum proprium» que o Sindicato, recorrente, invoque a invalidade de tal documento em juízo, nomeadamente quando do documento não lhe foi dado conhecimento antes; quando a Directora que o assinou não validou o seu conteúdo, nomeadamente não verificou os saldos bancários no sentido de saber se era verdade o que declarou; e quando essa declaração foi assinada por aquela Directora, sozinha, mas por indicação da própria trabalhadora, declaratária, que não era uma trabalhadora qualquer, mas era sócia do Sindicato há mais de 20 anos, havia sido Directora até pouco mais de dois meses antes e era precisamente a tesoureira do Sindicato, competindo-lhe lidar com as questões de natureza financeira e documentação respectiva, nomeadamente o processamento dos salários, sendo-lhe assim, por isso e para isso, exigível não apenas que conhecesse os Estatutos, nomeadamente o art. 29º, mas também que, perante o conteúdo da dita declaração e nomeadamente da qualidade em que a subscritora assinou, tivesse tomado todos os cuidados e precauções para se assegurar da validade da dita declaração.

    4. De resto, para haver abuso de direito, era preciso, nomeadamente, que houvesse contradição entre o comportamento posterior (ainda actual) do Sindicato (alegando a irregularidade formal) e uma declaração sua anterior adequada a criar na declaratária uma expectativa de confiança irreversível de que era verdadeiro o declarado antes e que era válida a forma ou, não o sendo, que não fosse exigível à declaratária o conhecimento do vício e o conhecimento da falsidade da declaração, o que aqui não ocorre.

    5. Quando alega aquela irregularidade o recorrente não está a fazer clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante; nem está, designadamente, a destruir uma expectativa de confiança que tenha sido justificadamente adquirida antes pela declaratária com base em atitude de quem agora invoca a seu favor uma irregularidade que nem sequer sabia ter sido cometida, pelo que a decisão recorrida fez interpretação errada do disposto no art. 334º do Código Civil.

    6. Está demonstrado que, tanto no dia em que foi assinada a declaração - dizendo que não era possível pagar um ordenado vencido 12 dias antes - como no final do mesmo mês, o Sindicato tinha dinheiro depositado em bancos bastante para pagar esse vencimento atrasado, existiam além disso receitas a haver (quotização) que aumentariam aquele montante depositado e não se provou que a entidade patronal tivesse dívidas vencidas para pagar, não obstante ser verdade que o Sindicato passava por sérias dificuldades económicas, pelo que - com conhecimento da trabalhadora - não é verdade que não pudesse ser pago o ordenado em atraso, nem é verdade que fosse previsível que se não pudessem pagar os ordenados da trabalhadora nos 60 dias seguintes, isto é, não é verdadeiro o conteúdo da declaração assinada em 12.09.2005.

    7. Aliás, era ao Sindicato que competia fazer a gestão financeira dos seus recursos, apesar das suas dificuldades económicas, no caso de ter de distribuir os meios financeiros por mais do que um credor, que nem se provou haver, assistindo-lhe por isso o direito de tirar das contas bancárias o dinheiro que fosse necessário para evitar que o ordenado da trabalhadora atingisse um atraso de 60 dias.

      1. Assim fosse ou não, e sem prescindir, o não pagamento pontual da retribuição ocasionado por dificuldades económicas não pode considerar-se fundamento de justa causa de resolução por parte da trabalhadora, como, de resto, se há-de tirar do próprio comportamento da mesma quando remete à entidade patronal uma carta, declarando a resolução do contrato de trabalho, mas apenas para produzir efeitos 10 dias mais tarde, a demonstrar assim - contra o que se impõe na invocação de motivo imputável culposamente à entidade patronal - que não havia razões de facto para uma ruptura imediata da relação de trabalho, o que, por ser (ter sido) possível de a manter por mais algum tempo, afasta um fundamento sério para a resolução e transforma a carta enviada não numa declaração de resolução mas numa verdadeira denúncia.

    8. Não se verificando o disposto no art. 308º do Regulamento do [Código do] Trabalho, é inaplicável ao caso em apreço o nº 1 do art. 441º do Código de Trabalho (por remissão também ao art. 396º do mesmo), que em todo o caso estaria interpretado erradamente, nem é devida à recorrida a indemnização prevista no art. 443º ainda do Código do Trabalho, contra o que erradamente, a nosso ver, decidiu o Tribunal da Relação.

      " 3.

      De seu lado, a autora, no seu recurso subordinado, formulou as seguintes «conclusões»: - "1ª)- A recorrente não se conforma com a douta decisão do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, na parte em que fixou uma...

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