Acórdão nº 645/21.5T8TMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelMÁRIO BRANCO COELHO
Data da Resolução13 de Julho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo do Trabalho de (…), em acção declarativa com processo comum que AA propôs contra BB, realizado o julgamento, a sentença julgou: 1. improcedentes os pedidos do A. de que seja declarado que “insubsiste e não é válida a invocação de justa causa, feita pela Ré, nas circunstâncias em que o fez, para declarar a resolução do contrato de trabalho que mantinha com o A., por não se verificar o fundamento legal em que pretendeu basear-se, e por ter agido em manifesto abuso de direito, sendo nula e de nenhum efeito aquela declaração”, deles absolvendo integralmente a Ré; 2. parcialmente procedente o pedido reconvencional da Ré, declarando que fez cessar com o A. o contrato de trabalho com justa causa e, em consequência, condenando-o a pagar a quantia de € 15.300,00 de indemnização pela cessação do contrato por justa causa, acrescida de juros à taxa legal, contados desde 30.06.2020 até integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado.

Inconformado, recorre o A. e conclui: 1º Os depoimentos das testemunhas CC e DD não podem ser tomados à letra, pois que as incoerências que os envolvem e as contradições que encerram, retirando-lhes toda a credibilidade, numa análise crítica norteada pelas regras da experiência comum, essas incongruências e contradições levam à fundada conclusão de que, na medida em que ocultam, mais do que revelam, o acordo de que resultou a entrada da Ré-Reconvinte ao serviço do Cartório Notarial da CC foi estabelecido antes de a Apelada ter declarado a resolução do contrato, em 30 de Junho de 2020, devendo ser julgado provado o facto de que a Apelada e a CC se concertaram no sentido de aquela ir trabalhar para o Cartório desta, antes de 30 de Junho de 2020; 2º São particularmente significativas as afirmações da CC, ao referir ter dito, quando a testemunha DD lhe falou da Ré-Reconvinte: “Eu não sei quanto é que a sua colega, a sua amiga, recebe, mas eu não posso pagar muito”; 3º Afirmação esta que não se coaduna com o facto de, supostamente, a Ré já não estar a trabalhar no escritório do Autor, pois não faz sentido questionar-se, numa efectiva situação de desemprego, quanto é que a pessoa desempregada recebe, ao contrário, levando subentendido que a pessoa candidata está a trabalhar, recebendo um salário, pois, de contrário, a testemunha, ..., apenas diria, com pleno cabimento, mas eu não posso pagar muito”; 4º Relativamente à testemunha DD, cabe sublinhar que referiu, primeiro, o mês de Junho como sendo aquele em que começaram as conversas que conduziram depois à contratação da Apelada para o serviço do Cartório da CC, “corrigindo” para Julho, a oportunas instâncias do Senhor Procurador; 5º Deve, pois, aditar-se à matéria de facto provada uma nova alínea, declarando que a Apelada concluiu com a CC o acordo que a levou a ir trabalhar para o Cartório, antes de 30 de Junho de 2020; 6º Independentemente, porém, desse facto, a matéria já assente é por si suficiente para permitir concluir que a Apelada agiu em abuso de direito, ao apresentar a resolução do contrato nas circunstâncias, nos termos e pelo modo como o fez, tornando ilegítimo o exercício do direito que exerceu, pois que, ao agir como agiu, de sopelão, violou o dever de actuar de boa fé, que se lhe impunha, quer pela lei, quer pela consideração de um trato de 30 anos de trabalho, no qual o A. sempre atendeu as suas solicitações, com excepção de uma, que era injustificável, sendo de destacar que aceitou reduzir-lhe o período de trabalho, em atenção às suas necessidades familiares, nomeadamente, para poder ir buscar a filha, que é afilhada do A., quando ela andava ainda, segundo disse, no infantário; 7º Mas tendo sobretudo em linha de conta que, além de ter sido o A. a mencionar-lhe essa possibilidade, de se despedir com justa causa, numa conversa havida duas ou três semanas antes de 30 de Junho de 2020, não ignorava a Ré que, depois disso, o A. não obstaria a que o fizesse, e não ignorava também, particularmente, que o A., como nessa conversa ficara bem claro, apenas pretendia que, saindo a Ré do seu serviço, essa saída fosse consensualmente concretizada, em boa harmonia, 8º Harmonia que se não compaginava, como a R. bem sabia, com a surpresa que lhe fez, movida pelo exclusivo objectivo de se posicionar o melhor possível, egoística, calculística e friamente, para reclamar a indemnização à qual supunha ter direito, 9º Razão pela qual, em momento algum, como confessou, foi capaz de dizer ao A. que estava a trabalhar no Cartório Notarial, 10º Porque, na verdade, a pessoa do A. lhe era indiferente, tendo tido o topete de se apresentar no escritório do A., acompanhada pelo seu marido, no dia 9 de Setembro, estando desde há mais de um mês a trabalhar no Cartório, e não tendo, confessadamente, começado por dizer isso mesmo ao A., porquanto, ao que vinha, era apenas por dinheiro; 11º Deve, pois, a declaração de resolução do contrato ser julgada ilegítima, por abuso de direito, ao abrigo do disposto no art. 334º do Cód. Civil, por ter sido declarada em ostensiva ofensa do princípio da boa fé; 12º Como é facto notório, a situação de pandemia, iniciada ainda em Fevereiro de 2020, implicou uma quase total paralisação das actividades correntes, e, muito particularmente, do funcionamento dos Tribunais, com a consequente queda das receitas dos Advogados, em geral, factualidade em função da qual não pode deixar de ser reconhecido que a falta de pagamento pontual das retribuições, de Fevereiro até Junho de 2020, que foi causada pela situação excepcional que então se viveu, não é imputável ao A. a título de culpa, 13º Sendo de sublinhar que, mesmo nessa conjuntura difícil, o A., conforme se provou, pagou à Ré um valor mensal médio de € 780,00 (setecentos e oitenta euros), em valor líquido, que é muito mais do que o montante que a Ré passou a receber pelo seu trabalho no Cartório, conforme consta dos autos, nos documentos juntos com a douta contestação-reconvenção; 14º A douta sentença recorrida violou, por conseguinte, as normas do art. 334º do Código Civil e 394º, nº 3, al. c), do Código do Trabalho.

A resposta sustenta a manutenção do julgado.

Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.

Impugnação da matéria de facto Consignando que o Recorrente cumpriu os requisitos da impugnação fáctica prescritos nos n.ºs 1 e 2 do art. 640.º do Código de Processo Civil, pretende que se adite ao elenco fáctico uma nova alínea, com a seguinte teor: “A apelada concluiu com a CC o acordo que a levou a ir trabalhar para o Cartório, antes de 30 de Junho de 2020”.

Sustenta que o acordo de que resultou a entrada da Ré ao serviço do Cartório Notarial da CC foi estabelecido antes da resolução do contrato, e que tal resultaria dos depoimentos de CC e DD.

De acordo com o art. 662.º n.º 1 do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Como vimos defendendo nesta Relação de Évora, esta norma não se basta com a possibilidade de uma alternativa decisória, antes exige que o juízo efectuado pela primeira instância esteja estruturado num lapso relevante no processo de avaliação da prova.

[1] Na apreciação da impugnação fáctica, a Relação não deve atender, apenas, aos meios de prova indicados pelo recorrente ou pelo recorrido, pois detém poderes de investigação oficiosa – art. 640.º n.º 2 al. b) do Código de Processo Civil –, devendo apreciar a globalidade da prova produzida, analisando criticamente as provas e retirando as ilações que se mostrarem necessárias, como o determina o art. 607.º n.º 4 do mesmo diploma.

Adianta-se, desde já, que não se detecta na sentença recorrida qualquer lapso relevante na apreciação da prova que imponha decisão diversa a esta Relação, devendo afirmar-se que, ao contrário do que alega o Recorrente, a prova produzida não sustenta a alteração fáctica por ele pretendida.

Notando que o A. admite na sua petição inicial que a Ré começou a trabalhar no Cartório Notarial da CC apenas no início de Agosto de 2020, nada nos autos nos permite concluir que o acordo de admissão ao serviço ocorreu antes de 30.06.2020 – as testemunhas CC e DD não o admitiram, e aquilo que o Recorrente aponta como indícios, não tem a virtualidade suficiente para estabelecer uma base sólida que permita estabelecer uma presunção judicial do facto.

Reforçando que a Ré permaneceu todo o mês de Julho de 2020 sem emprego, devemos afirmar que a prova produzida não impõe que se considere provado o facto pretendido pelo Recorrente, motivo pelo qual improcede a sua impugnação fáctica.

A matéria de facto provada assim se mantém: 1. Entre o A., como entidade empregadora, e a Ré, como trabalhadora, foi celebrado um contrato de trabalho, sem termo, no dia 1 de Agosto de 1990, mas considerando-se expressamente como iniciado no dia 1 de Julho de 1990 (Cláusula Segunda), mediante o qual a R. foi admitida ao serviço do A, com a categoria profissional, então atribuída, de dactilógrafa do 1º ano.

  1. Embora, na verdade, com essa categoria profissional, a Ré tivesse iniciado a prestação ao A. da respectiva actividade uns dois ou três meses antes – não mais do que isso, em regime de contrato a prazo, cuja data de início não é possível precisar, mas que se aceita ter sido o dia 1 de Março de 1990, e nunca antes dessa data.

  2. Visto que a Ré veio ocupar o lugar deixado vago pela anterior colaboradora do A., EE, que foi, aliás, quem indicou e apresentou a Ré ao A., e que saiu para ir trabalhar para a então ..., no mês de Fevereiro de 1990, em data que também não é possível precisar.

  3. Deste modo, a partir do dia 1 de Março de 1990, a Ré trabalhou ao serviço do A., sob as suas ordens, instruções...

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