Acórdão nº 1759/21.7T8TMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2024-01-11

Ano2024
Número Acordão1759/21.7T8TMR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora






Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Tomar, AA demandou Forch Portugal, Unipessoal, Lda., pedindo a declaração de licitude da resolução do seu contrato de trabalho, e a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 168.379,78 e nos demais valores que se vierem a apurar face à junção dos recibos e respectivos explicativos por parte da Ré, acrescida de juros vencidos e vincendos.
Na sua contestação, a Ré impugnou a matéria de facto alegada pelo A. e deduziu reconvenção, no sentido deste ser condenado a pagar-lhe a quantia de € 10.000,00, acrescida de juros, a sua condenação como litigante de má-fé, em multa e indemnização de valor não inferior a € 5.000,00.
Após julgamento, a sentença decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência:
1) Declarou que o A. fez cessar o contrato de trabalho com justa causa, condenando a Ré a pagar-lhe a quantia de € 20.511,14 de indemnização pela cessação do contrato por justa causa, acrescida de juros à taxa legal, contados desde 12.10.2021, até integral pagamento;
2) Condenou a Ré a pagar ao A. a quantia de € 27.740,13, a título de créditos salariais em dívida, acrescida de juros legais contados desde a data de vencimento de cada uma das quantias devidas e até efectivo e integral pagamento;
3) Condenou a Ré como litigante de má-fé, em 50 UC de multa, perfazendo a quantia de € 5.100,00, e no pagamento ao A. de indemnização no valor de € 5.000,00;
4) Absolveu, no mais, a Ré do peticionado pelo A.; e,
5) Absolveu o A. do pedido reconvencional peticionado pela Ré e da sua condenação como litigante de má fé e em indemnização.

Ambas as partes interpuseram recurso da sentença.

As conclusões do recurso da Ré são as seguintes:
(…).
Por seu turno, as conclusões do recurso do A. são as seguintes:
(…)

O A. respondeu ao recurso da Ré, pugnando pela sua improcedência.
Já a Ré não respondeu ao recurso do A..
Produziu a Digna Magistrada do Ministério Público o respectivo parecer, o qual foi notificado às partes.
Cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto:
Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, como previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, continua a vigorar o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz – art. 607.º n.º 5 do mesmo diploma, ao dispor que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.”
Deste modo, a reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova[1].
Por outro lado, o art. 662.º do Código de Processo Civil permite à Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Trata-se de uma evolução em relação ao art. 712.º da anterior lei processual civil, consagrando uma efectiva autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto, competindo-lhes formar a sua própria convicção, podendo, ainda, renovar os meios de prova e mesmo produzir novos meios de prova, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.
Deste modo, na reapreciação da matéria de facto o Tribunal da Relação deve lançar mão de todos os meios probatórios à sua disposição e usar de presunções judiciais para obter congruência entre a verdade judicial e a verdade histórica, não incorrendo em excesso de pronúncia se, ao alterar a decisão da matéria de facto relativamente a alguns pontos, retirar dessa modificação as consequências devidas que se repercutem noutra matéria de facto, sendo irrelevante ter sido esta ou não objecto de impugnação nas alegações de recurso[2].
Ponderando, ainda, que o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640.º do Código de Processo Civil, “não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado; nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação e, que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica”[3], proceder-se-á à análise desta parte dos recursos, no uso da referida autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto.
*
- Factos 24 a 192 da matéria de facto provada:
Entrando na apreciação da matéria de facto impugnada pela Ré, pretende esta que os factos constantes dos pontos 24 a 192 sejam dados como não provados, argumentando que os recibos de vencimento assinados pelo A. têm valor probatório pleno, motivo pelo qual a sentença não poderia concluir que não estavam pagos os valores remuneratórios pelos quais foi condenada, e que respeitam a parte da retribuição do mês de Julho de 2015 (€ 350,11), a subsídios de férias e de Natal vencidos desde 2013, e ainda férias não gozadas no ano de cessação do contrato (no valor global de € 26.115,66) – bem como € 1.274,36 a título de formação não ministrada.
Esta Relação de Évora já observou que “os recibos de vencimento assinados pelo trabalhador, valem como declaração de quitação das importâncias neles referidas. Tais documentos particulares não possuem força probatória plena quanto ao efectivo gozo de férias, relativamente aos dias pagos a título de férias gozadas constantes dos recibos.”[4]
Mas o que está em causa nestes pontos do elenco fáctico provado é a circunstância da Ré processar nos recibos de vencimento importâncias diversas daquelas que informava previamente ao A. serem-lhe devidas.
Com efeito, resulta dos pontos 22 e 23 – que a Ré não impugnou – que a Ré remetia ao A., para explicar o valor pago, documentos explicativos dos valores de vencimento e comissões apurados, os quais enviava por correio interno. E que desde Outubro de 2013, com respeito aos factos descritos em 24 a 180, a Ré efectuou o pagamento do valor mensal, que apelidou de “fixo”, indicado nos explicativos dos recibos de vencimento e comissões, mas nos recibos de vencimento, discriminou as quantias devidas, distribuindo-as, pelo vencimento base, subsídio de Natal, subsídio de férias e comissões, sem correspondência com o acordado com o A. e mencionado nos explicativos.
Os pontos 24 a 192 são mero desenvolvimento desta matéria – a mencionada discrepância entre os valores acordados com o trabalhador e constantes dos explicativos que lhe eram remetidos, e aqueles que a Ré fazia lançar nos recibos de vencimento.
Note-se que o recibo de vencimento destina-se a efectuar o cumprimento da obrigação legal, imposta à empregadora pelo art. 276.º n.º 3 do Código do Trabalho, de entregar ao trabalhador “documento do qual constem a identificação daquele, o nome completo, o número de inscrição na instituição de segurança social e a categoria profissional do trabalhador, a retribuição base e as demais prestações, bem como o período a que respeitam, os descontos ou deduções e o montante líquido a receber.”
Trata-se, pois de mero documento particular ao qual a lei não confere um valor probatório especial, e há a ponderar que, estando em causa direitos indisponíveis vencidos na pendência da relação laboral – como o direito à retribuição e a auferir subsídios de férias e de Natal – há que analisar toda a prova produzida, inclusive testemunhal, para aquilatar se a empregadora efectivamente pagou ao trabalhador os valores com este acordados.[5]
Ponderando, ainda, que decisão recorrida funda a sua convicção não apenas na prova testemunhal, mas ainda na análise da prova documental recolhida nos autos – os mencionados documentos explicativos remetidos mensalmente ao trabalhador – pelo que se pode afirmar que os mesmos constituem um contra-documento que serve de princípio de prova àquela que o tribunal lançou nos pontos de 24 a 192 do elenco fáctico, decide-se julgar nesta parte improcedente a impugnação de facto deduzida pela Ré.
*
- Facto não provado da al. e): “A partir de 2014, o A. passou a ter isenção de horário de trabalho”:
Argumenta o A. que trabalhava com isenção de horário de trabalho, e que tal foi confessado pela Ré, quer ao processar valores relativos a essa isenção, quer no art. 61.º da sua contestação, onde aceita que o A. trabalhava nesse regime.
Assim é, o art. 61.º da contestação é impressivo – a Ré aceita expressamente o alegado pelo A. de exercício das suas funções com isenção de horário de trabalho, faz apenas uma correcção quanto à existência de um vendedor de zona em Coimbra e Leiria – pelo que não acompanhamos a sentença quando dá este facto como não provado.
A questão da ausência de acordo escrito titulando a isenção de horário de trabalho é matéria de direito, que adiante será discutida a propósito da validade da declaração negocial das partes.
Ponderando, também, que o A. apenas reclama valores a este título vencidos desde o ano de 2014 – art. 95.º da sua petição inicial – decide-se aditar ao elenco fáctico provado o seguinte: “Pelo menos desde 2014, o A. trabalhava com isenção de horário de trabalho.
*
- Facto 14 da matéria de facto provada:
Argumenta ainda o A. – nas suas conclusões 7 e 25 a 28 – que este facto se encontra incorrectamente provado, porquanto o valor do subsídio de refeição não era de €
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