Acórdão nº 07P031 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelSORETO DE BARROS
Data da Resolução08 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

1.

AA, fundando-se naquilo que apelidou de flagrante e confessada omissão do dever de julgar, requereu se instaurasse inquérito, (1) denunciando factos que, na sua perspectiva, integrariam a prática do crime de denegação de justiça, p. e p. pelo art. 369.º, n.º 1, do Código Penal, por parte do "magistrado judicial do 1.º Juízo Liquidatário, 4.º Juízo, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto".

Realizado Inquérito (2) foi, a final, lavrado despacho de arquivamento.

(3).

1.

1 Dissentindo do seu teor, aquele - entretanto constituído assistente (4) -, requereu a abertura da Instrução, (5) invocando, no capítulo epigrafado "dos factos", que: "28. No âmbito do processo n.º 678-A/95, pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, 1.º Juízo Liquidatário, 4.º Juiz, correspondente a autos de execução de sentença, a Arguida nos presentes autos proferiu um despacho através do qual foi decretada a suspensão da instância por 6 meses, com fundamento em que a prevista aprovação da revisão do PDM convalidaria a obra cujo licenciamento fora decretado nulo pela sentença exequenda.

29. Com tal despacho a Arguida, agindo livremente, desaplicou o direito vigente, que conhecia, decidindo deliberadamente contra este, e furtou-se ao dever de julgamento estabelecido nos arts. 3.º/2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais e 156.º/1 do Código de Processo Civil".

Terminou afirmando que "os factos descritos consubstanciam a prática, em autoria material, pela Arguida, de um crime de denegação de justiça e prevaricação, previsto e punido pelo art. 369.º do CP".

1.

2 No Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Juiz Desembargador Relator declarou aberta tal fase processual e, não tendo sido requeridas, nem julgadas necessárias, quaisquer diligências probatórias, procedeu a Debate Instrutório, (6).

findo o qual proferiu Despacho de Não Pronúncia.

(7).

1.

3 Inconformado, o assistente interpôs recurso para este Supremo Tribunal, (8).

condensando as razões da sua discordância nas conclusões da motivação de recurso, aqui reproduzidas.

"Conclusões: 1.ª Ao interpretar o despacho objecto de denúncia no sentido de este ter tido por fundamento por um lado, a especial ponderação que, no caso concreto, a execução da sentença aconselha e, por outro, a necessidade de possibilitar às partes a prévia averiguação da identidade de contra-interessados, o Tribunal a quo cometeu um erro notório na apreciação da prova, julgando, nessa medida, erradamente a matéria de facto relevante.

  1. Correctamente apreciada a prova disponível nos autos, nomeadamente o próprio despacho objecto de denúncia, no seu contexto processual, e, assim, correctamente julgada a matéria de facto relevante deveria ter-se dado como provado que a Arguida decretou a suspensão da instância por 6 meses, com fundamento em que a prevista aprovação da revisão do PDM convalidaria a obra cujo licenciamento fora decretado nulo pela sentença exequenda, tendo em vista evitar a aplicação do direito vigente, bem conhecendo o sentido da decisão que este impunha e determinada pela vontade de não decidir nesse sentido.

  2. Julgada a matéria de facto no sentido precedente deveria ter sido pronunciada Arguida, nos termos do disposto no art. 308.º do CPP, pela prática do crime de denegação de justiça e prevaricação previsto no art. 369.º do CP, por estarem preenchidos, o respectivos tipo de ilícito objectivo e tipo de ilícito subjectivo".

    1.

    4 Admitido o recurso (9).

    e notificados os intervenientes processuais, a arguida e o Ministério Público junto do Tribunal recorrido pronunciaram-se nos moldes respectivamente transcritos: (10) . Arguida "Ex.mos Senhores Juízes Conselheiros: Tudo visto, cumpre à arguida concluir a sua resposta pedindo seja mantida a decisão instrutória recorrida, assim se negando definitivamente a possibilidade de ver julgada a senhora juiz arguida por um crime de cuja prática não existe a menor prova. Tal é, ademais, de inteira JUSTIÇA!" . Ministério Público no Tribunal a quo "CONCLUSÕES: 1ª - O recorrente, o assistente, defende, em síntese, que, quando a arguida, na sua qualidade de magistrada judicial, do 1º Juízo Liquidatário do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, determinou a suspensão da instância, por seis meses, nos autos de inexecução de sentença nº 678-A/95 - de que é exequente o ora recorrente, sendo executados o Vereador do Pelouro do Urbanismo e da Reabilitação Urbana da Câmara Municipal do Porto e outros -, visou a arguida conscientemente evitar a aplicação do direito vigente, dando tempo a que fosse aprovada a revisão do PDM da cidade do Porto, porque esta revisão do PDM convalidaria a obra de construção do Shopping Center Cidade do Porto, cujo licenciamento fora declarado nulo pela sentença exequenda.

  3. - Logo, segundo o recorrente, na não pronúncia da arguida pelo crime de denegação de justiça e prevaricação, ter-se-ia errado notoriamente na apreciação da prova, quando se decidiu que a arguida determinou a suspensão da instância, por 6 meses, com fundamento, por um lado, na especial ponderação que, no caso concreto, a execução da sentença aconselhava e, por outro lado, para possibilitar às partes averiguarem a identidade dos contra-interessados, os mais de um milhar de adquirentes das fracções autónomas que compõem o edifício.

  4. - Em nosso entendimento, a pretensão do recorrente de que o contexto processual em que foi proferido o despacho que, segundo o assistente, consubstancia o crime de denegação de justiça e prevaricação, é suficiente para se concluir que a M.ma juiz a quo deferiu o pedido de suspensão da instância com os fundamentos neste pedido alegados (a convalidação do licenciamento ferido de nulidade pelo PDM revisto) carece de suporte fáctico.

  5. - Porque o despacho em análise está devidamente fundamentado e os fundamentos aduzidos para a suspensão da instância por 6 meses - por um lado, a especial ponderação que a execução da sentença a declarar a nulidade do licenciamento de um Shopping Center com mais de 1000 fracções autónomas, já todas pertencentes a terceiros que não eram partes no processo, exigia; por outro, dar às partes a possibilidade de averiguarem a identidades destes contra-interessados, cuja intervenção teriam de provocar - nada têm a ver com a revisão do PDM.

  6. - E, quando o recorrente defende que os fundamentos aduzidos para a suspensão da instância por 6 meses são meros obter dictum, porque o verdadeiro fundamento - embora não expresso no despacho - foi permitir a revisão do PDM, esquece o recorrente que os despachos são actos jurídicos formais, que têm de ser interpretados de acordo com o preceituado nos arts. 236º e ss., do CC, pelo que não lhes pode ser dado um sentido sem qualquer correspondência com o seu texto (art. 238º, nº 1, do CC).

  7. - Finalmente, quando o recorrente defende que o douto despacho de não pronúncia da arguida pelo crime de denegação de justiça e prevaricação enferma de erro notório na apreciação da prova, esquece que este vício de julgamento da matéria de facto tem de resultar patente do próprio texto da decisão em que foi cometido, 7ª - E que, a leitura do douto despacho de não pronúncia recorrido não revela qualquer erro patente, designadamente, quanto à motivação que levou a arguida a determinar a suspensão da instância dos autos de inexecução de sentença por 6 meses.

  8. - Ao decidir suspender a instância por 6 meses, nos autos de inexecução de sentença nº 678-A/95, do 1º Juízo Liquidatário do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, com os fundamentos da especial ponderação requerida pelo caso concreto, e de permitir às partes identificar os actuais titulares de direitos reais sobre as fracções autónomas que integram o edifício objecto da execução, para que lhes fosse dada oportunidade para se pronunciarem sobre as medidas de execução da sentença que declara nulo o licenciamento da construção do prédio em questão, a senhora juiz titular do processo e ora...

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