Acórdão nº 22/09.6GAPNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Janeiro de 2013

Magistrado ResponsávelFRANCISCO MARCOLINO
Data da Resolução09 de Janeiro de 2013
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso 22/09.6GAPNF.P1 *Acordam no Tribunal da Relação do Porto Nos autos de processo comum colectivo, antes indicados, do 1º Juízo Criminal de Paredes, acusado pelo MP, foi o arguido B…, casado, guarda da Guarda Nacional Republicana, nascido em 01/10/1979, filho de C… e de D…, natural …, Porto, e residente na Rua …, Entrada ., .º Dto., Penafiel, julgado pela prática, em autoria material, de um crime de denegação de justiça e prevaricação, p. e p. pelo art. 369º, nºs 1 e 2, do Código Penal, em concurso efectivo com um crime de denegação de justiça e prevaricação, p. e p. pelo art. 369º, nº 4, do Código Penal, e com um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, al. a), e nº 3, do Código Penal.

E… deduziu PIC contra o arguido, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 2.500,00, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação e até efectivo e integral pagamento.

Efectuado o julgamento, foi proferido acórdão, que assim decidiu: a) Absolveu o arguido B… da prática do crime de denegação de justiça e prevaricação, p. e p. pelo art. 369º, nºs 1 e 2, do Código Penal, e do crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, al. a), e nº 3, do Código Penal, de que se encontrava acusado; b) Condenou o arguido B…, pela prática de um crime de denegação de justiça e prevaricação, p. e p. pelo art. 369º, nº 4, do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, declarada suspensa n a sua execução por igual período; c) E condenou-o ainda a pagar à Demandante a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora desde a notificação do arguido para contestar o pedido cível e até integral pagamento, à taxa de 4%, ou outra que legalmente venha a estar em vigor.

Não conformado, o arguido interpôs recurso e extraiu da sua motivação as seguintes conclusões: 1. As expressões “deteria”, “detenção”, “detida” e “detenção ilegal”, constantes dos factos 8, 10, 17 e 20 dos factos provados são conceitos de direito ou conclusivos. De acordo com o disposto no artigo 4º do CPP, 646º, n.º 4 do CPC e 254º do CPP, devem considerar-se não escritas.

  1. Tomando por base o depoimento da Testemunha F… (15.34.31 a 16.22.14 – minuto 9.35 a 10.10) deve ser dado como não provado o segmento “mas que alguém lhos poderia trazer àquele local” do facto 9 dos Factos Provados.

  2. Não é do senso comum que um agente policial face à prática de uma contraordenação estradal não possa conduzir o infractor ao posto policial mais próximo para identificação. Trata-se de uma questão controversa quer na Doutrina quer na Jurisprudência, cujo conhecimento não é acessível ao cidadão comum tão pouco a um soldado da GNR. Deve o Facto 18 dos Factos Provados ser dado como não provado pois não é susceptível de prova com base em presunções naturais e regras do senso comum.

  3. Tomando por base o depoimento da Demandante E… (11.18.27 a 12.36.11, minutos 22.00 a 22.20, 25.50 a 26.52, 27.05 a 27.56 e 28.35 a 28.42), deve ser dado como não provado o Facto 19 dos Factos Provados.

  4. Tomando por base os depoimentos do Arguido/Recorrente (10.02.49 a 11.17.29, minutos 10.04 a 10.38) e da Testemunha F… (15.34.21 a 16.22.14, minuto 20.40 a 2 1.05) o segmento “para justificar a detenção da Demandante dos Factos 17 e 20 dos Factos Provados deve ser dado como não provado.

  5. Em lado nenhum ficou provado que o Arguido/Recorrente tivesse consciência de estar a praticar um acto ilegal. O Facto 22 dos Factos Provados é insusceptível de ser provado com base no senso comum e em presunções maturais. Deve por isso ser dado como não provado o segmento “sabendo que a sua conduta era proibida por Lei”.

  6. Alterando-se as respostas à matéria de facto acima referida deve o Arguido/Recorrente ser absolvido do crime em que foi condenado bem corno do pedido de indemnização cível.

    QUANTO AO DIREITO 8. O CPP, na sua sistemática, regula as medidas cautelares de Polícia (capítulo II, artigos 248 a 253 do Livro IV) em capítulo distinto da Detenção (capítulo III, art.ºs 254 a 261).

  7. O artigo 250, n° 6 do CPP enquadra a condução ao Posto Policial para identificação no leque das medidas cautelares de Polícia.

  8. As medidas cautelares de polícia são medidas cautelares provisórias e por isso antecipatórias e preparatórias de posterior investigação judiciária.

  9. O acompanhamento coactivo ao posto policial mais próximo, para efeitos de identificação do cidadão que não tenha sido devidamente identificado ou tenha recusado a identificar-se, não reveste natureza de privação de liberdade para efeitos do artigo 27, n° 2 e 3 da Constituição, precisamente porque não atinge um grau ou intensidade de constrição à liberdade individual que legitime tal qualificação.

  10. Trata-se tão só de uma medida de polícia de natureza coactiva, para obrigar ao cumprimento da obrigação de identificação, medida essa que comprime e restringe a liberdade individual, mas sem atingir um grau de intensidade tal que autorize a qualificá-la como medida de privação de liberdade.

  11. Não é pelo facto da conduta do cidadão a identificar configurar contra-ordenação ou crime que a sua condução ao posto policial para identificação deixa de ser considerada como uma medida cautelar de polícia.

  12. Independentemente da situação que motivou a condução ao Posto poder ser considerada como crime ou contra-ordenação, a intenção primeira e última do Arguido/Recorrente ao actuar foi sempre a de através de um mecanismo processual (condução ao Posto) executar uma medida cautelar de Polícia (a identificação) e não privar a condutora/Demandante da sua liberdade.

  13. Não se verifica, por isso, o elemento típico do crime p. e p. no artigo 369, n.º 4 do C.P “medida privativa da liberdade”.

    Por outro lado, 16. O disposto no artigo 369, n.º 4 do C.P. tem de ser conjugado com o disposto no n.º 1 do mesmo artigo ou seja que “O funcionário que, no âmbito de inquérito processual, processo jurisdicional, por contraordenação ou disciplinar”, isto é a medida privativa da liberdade a que alude o n.º 4 do artigo 369º, n.º 4 do C.P. tem de ocorrer já no âmbito de um processo (no caso de contra-ordenação).

  14. Como refere Germano M. da Silva, os actos de identificação não são ainda actos processuais, sendo que corno resulta dos autos que a identificação da condutora visava precisamente iniciar tal processo e por esta razão também não se verifica a factualidade típica do artigo 369, n.º 4 do C.P.

    Acresce que, 18. Da conjugação das disposições previstas nos artigos 2 e 3 da Lei 5/95 de 21 de Fevereiro, 48-A e 49 do Dec-Lei 433/82, de 27 de Outubro, 28º da Lei 53/2008 de 29 de Agosto e 250º do CPP, mesmo que por mera hipótese se considerasse que o Arguido/ Recorrente executou medida privativa da liberdade, tal execução sempre teria que ser considerada executada de forma legal.

  15. Estando em causa uma contra-ordenação ao telemóvel, nos termos do artigo 49 do Dec-Lei 433/82 de 27 de Outubro, o arguido/Recorrente poderia exigir ao agente da contra-ordenação a respectiva identificação.

  16. E ao dispor o n.º 2 artigo 48°-A do dito Decreto-Lei n° 433/82 que “Na medida em que o contrário não resulte desta lei, as autoridades policiais têm direitos e deveres equivalentes aos que têm em matéria criminal” não sendo a condutora portadora de nenhum documento de identificação, nem tendo feito menção de comunicar com uma pessoa que apresentasse os seus documentos de identificação ou manifestando vontade de se deslocar, acompanhado pelos órgãos de polícia criminal, ao lugar onde se encontram os seus documentos de identificação ou finalmente manifestar a vontade de ser reconhecida a sua identidade por uma pessoa identificada que garantisse a veracidade dos dados pessoais indicados pela condutora, nos termos do n.º 6 do art. 250 do CPP estava o Arguido/Recorrente legitimado a poder conduzir a condutora ao posto policial mais próximo e compeli-la a permanecer ali pelo tempo estritamente indispensável à identificação, em caso algum superior a seis horas.

  17. O não acatamento de ordens de identificação, implica o cometimento do crime de desobediência do artigo 348° n.º 1 b) do Código Penal e logo legitimam o procedimento de identificação previsto no art. 250, n.º 6 do CPP pelo que mesmo admitindo por hipótese que o Arguido/Recorrente executou uma medida privativa de liberdade a mesma sempre teria sido executada de forma legal tendo desta forma violado o acórdão recorrido o disposto nas normas conjugadas dos artigos art.ºs 2 e 3 da Lei 5/95, de 21 de Fevereiro, art.ºs 48º-A e 49º do Decreto-Lei n.º 433/82, art.º 28º da Lei n.º 53/2008 de 29 de Agosto (Lei segurança interna) e 250º do CPP.

  18. Falha por isso também um dos aspectos da factualidade típica do art.º 369 n.º4 do CP ou seja a execução “de forma ilegal”.

  19. Pelas razões de facto e de direito atrás explanadas deve também o Arguido/Recorrente ser absolvido do crime pelo qual foi condenado bem como do pedido de indemnização cível em que foi condenado.

    Não obstante, 24. Se por hipótese se viesse a entender ter incorrido o Arguido/Recorrente em responsabilidade civil, o montante indemnizatório (€2.500,00) arbitrado à Demandante a título de indemnização sempre seria manifestamente exagerado. Violou por isso o acórdão recorrido o disposto nas disposições conjugadas dos art.ºs 494º, 496º, n.ºs l e 3, 570º e 572 do CC.

  20. TERMOS EM QUE, revogando-se o douto Acórdão recorrido e proferindo-se Acórdão que acolha as Conclusões precedentes, SE FARÁ JUSTIÇA Respondeu o MP com as seguintes conclusões: 1. O Tribunal “a quo” fez correcta apreciação dos factos, enquadrou-os legalmente de forma acertada, aplicando o direito vigente; 2. Não se verifica erro na apreciação da prova, mostrando-se, em consequência, inviolado o disposto no nº 2 do artº 410º do CPP; 3. A sentença recorrida fez correcta apreciação da prova produzida em julgamento, com estrita obediência à Lei, fazendo apelo à regra da livre apreciação da prova e com recurso às regras de experiência...

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