Acórdão nº 1425/19.3T9MTJ-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Dezembro de 2023
Magistrado Responsável | JORGE ANTUNES |
Data da Resolução | 05 de Dezembro de 2023 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora * I – RELATÓRIO 1. Decorrida a fase de instrução requerida pela assistente AA, e após realização de debate instrutório, veio a ser proferido, em 11 de março de 2022, despacho de pronúncia da arguida BB pela prática de 9 crimes de acesso ilegítimo, p. e p. pelo artigo 6º, nrs. 1 e 4, al. a), da Lei nº 109/2009, de 15 de setembro (na redação original), tendo tal decisão instrutória sido proferida com o seguinte teor: “Declaro encerrada a instrução
* DECISÃO INSTRUTÓRIA O Ministério Público, nos presentes autos, determinou o arquivamento como consta de fls. 44 e ss.
* Inconformada, a assistente AA veio requerer, por si e em nome da sua filha CC, a abertura da instrução alegando, em suma, que discorda da decisão de arquivamento
Culmina com a conclusão que deverá ocorrer prolação de despacho de pronúncia em relação a 9 crimes de acesso ilegítimo a dados confidenciais (8 na pessoa de AA e 1 na pessoa de CC), p.p. pelo artigo 6.º, n.º 1, al. a) e n.º 4 da Lei 109/2009 ou 9 crimes de acesso indevido, p.p. pelo art. 44.º, n.º 1 da Lei n.º 67/98 e actualmente art. 47.º, n.º 1 agravado pelo n.º 2 da Lei n.º 58/2019
* Foi aberta a instrução - fls. 100 - tendo sido determinada a produção de prova documental [tendo nalguma parte indeferida a sua junção], interrogatório da arguida, tomada de declarações da assistente e inquirição de testemunhas
* Procedeu-se à realização das diligências instrutórias e do debate instrutório, que decorreram com observância de todo o formalismo legal
* Cumpre proferir decisão instrutória, nos termos do art. 307.º, n.º 1 do Código de Processo Penal
* O Tribunal é o competente
Inexistem quaisquer nulidades, excepções ou questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer e que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa
* Consagra-se no art. 286.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em vista a submeter ou não a causa a julgamento
Trata-se de uma fase facultativa, em que é exercido um controlo jurisdicional sobre a decisão que pôs termo ao inquérito
Por forma a proceder a tal juízo, cabe ao juiz de instrução criminal levar a cabo os actos instrutórios que considere necessários, como prevê o art. 290.º, n.º 1 do CPP e, obrigatoriamente, proceder à realização de um debate instrutório, conforme dispõe o art. 297.º do CPP
No momento de encerramento do inquérito, o juízo de conformação do exercício da acção penal (orientada pelo princípio da legalidade – cfr. artigo 219.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa), a cargo do Ministério Público, pauta-se pela determinação concreta de indícios suficientes da verificação de crime, da identificação do agente e da sua responsabilidade (cfr. artigo 283.º do Código de Processo Penal)
Destinando-se, desta forma, o juízo de instrução na sindicância da decisão de encerramento do inquérito, cumpre averiguar da existência de indícios suficientes da prática pelo arguido do crime que lhe é imputado mediante os elementos probatórios carreados
O essencial desta fase (ou expediente) processual, de garantia e sempre facultativa (cfr. n.º 2 do artigo 286.º), consiste, portanto, na sindicância da decisão de encerramento de inquérito, o que se traduz in casu numa apreciação dos fundamentos da decisão proferida pelo Ministério Público no final do inquérito, tendo por objecto a análise dos factos recolhidos e constantes do processo
Importa atentar então no estabelecido no art. 308.º, n.º 1 do CPP que estabelece que “Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia.”; e ainda no art. 283.º, n.º 2 que dispõe que “Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança”
Revela-se, consequentemente, de grande importância, a definição do que são indícios suficientes
Várias são as posições doutrinais e jurisprudenciais a este respeito
Avançamos já que defendemos a designada teoria da probabilidade predominante
Não acompanhamos nem a teoria da probabilidade mínima por entendermos contender com o princípio in dubio pro reo, nem com a teoria da probabilidade qualificada por não entendermos que na presente fase não se pode exigir uma certeza de tal forma qualificada que como que se substituísse ao próprio julgamento
Ensina o Prof. Figueiredo Dias que “os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando, já em face dela, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição” (in Direito Processual Penal, I, 1974, p. 133). Sublinhando, todavia, que, “a falta delas (provas) não pode de modo algum desfavorecer a posição do arguido: um “non liquet” na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido”, como de resto o impõe o n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa - “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (…)”
Assim, e em harmonia com o acórdão do Tribunal da Relação do Porto que refere que “será de considerar que existem indícios suficientes quando em julgamento seja maior a probabilidade de condenação do que de absolvição. De acordo com esta interpretação, que se pode designar por «teoria da probabilidade predominante», não basta que a condenação tenha um mínimo de probabilidade mas também não é necessário que essa probabilidade seja manifestamente superior à de absolvição. O que tem é de predominar a probabilidade de condenação sobre a probabilidade de absolvição. A seguinte afirmação de Germano Marques da Silva sintetiza bem esta teoria: «probabilidade razoável é uma probabilidade mais positiva do que negativa»” cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 07-12-2016, no âmbito do processo n.º 866/14.7PDVNG.P1, em que foi relator Manuel Soares, disponível em www.dgsi.pt
* Note-se ainda que o juiz de instrução criminal encontra-se substancial e formalmente limitado pelo requerimento de abertura da instrução na medida em que define e limita o processo, o seu objecto. A presente decisão abordará a questão de saber se (in)existe prova indiciária bastante que preencha o tipo legal dos crimes em apreço, e, em caso positivo, se deve ser a arguida pronunciada
* Com interesse para a decisão instrutória, consideram-se suficientemente indiciados os seguintes factos: 1. A arguida é enfermeira de profissão e, no período entre 30.10.2018 e 30.11.2018, exerceu a sua actividade no ….
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No exercício das suas funções a arguida pode aceder à plataforma RSE (Registo de Saúde Electrónico) do Portal SNS e Portal da Saúde gerido pelo Serviço Nacional de Saúde/Ministério da Saúde aos dados pessoais e registos clínicos dos utentes aos quais preste cuidados de enfermagem e/ou esteja envolvida no plano terapêutico dos mesmos ou para efeitos de vacinação
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A assistente AA e a sua filha CC nunca foram utentes da arguida e, em Novembro de 2018, encontravam-se inscritas no Centro de Saúde de …
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A assistente AA, à data dos factos, vivia em união de facto com o ex-marido da arguida, DD
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Sem qualquer razão legítima, a arguida acedeu indevidamente no e a partir do …, à área de utente da assistente AA na plataforma RSE do Portal SNS e Portal de Saúde gerido pelo Serviço Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, de onde constam dados pessoais e a ficha clínica da assistente
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E, no que respeita à assistente AA fez tais acessos nos seguintes dias e horas: a. 30.10.2018, pelas 14:44:52; b. 02.11.2018, pelas 11:01:36; c. 08.11.2018, pelas 10:17:20; d. 12.11.2018, pelas 10:55:49; e. 14.11.2018, pelas 11:10:05; f. 16.11.2018, pelas 14:37:34; g. 19.11.2018, pelas 09:10:57; h. 21.11.2018, pelas 15:07:16; 7. No que respeita da CC, a arguida acedeu aos dados desta em 21.11.2018, pelas 15:04:13
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A arguida acedeu indevidamente aos dados pessoais e ficha clínica da assistente constantes da referida plataforma RSE sem que estivesse envolvida em qualquer plano terapêutico daquela e sem qualquer fundamento ou motivo válido para o efeito
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Pelo que a arguida utilizou abusivamente o seu estatuto de enfermeira, meios e equipamentos públicos para ter acesso privilegiado à vida íntima da companheira do seu ex-marido, agindo por razões meramente pessoais
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A arguida não estava autorizada a aceder aos dados pessoais da assistente AA e da sua filha CC
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A arguida bem sabia que o acesso aos dados clínicos de utentes aos quais não presta nem está envolvida em quaisquer cuidados de enfermagem requerem sempre o consentimento ou autorização dos mesmos
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A arguida quis, como conseguiu, aceder e divulgar dados pessoais e clínicos da assistente AA e da filha CC através da plataforma RSE na base de dados do Portal da Saúde, bem sabendo que, desse modo, devassava a vida privada e os dados pessoais da assistente, bem como sabia que não podia ser livremente acedida por terceiros, e que o fazia sem o consentimento ou autorização e contra a vontade dos seus legítimos titulares, o que não a impediu de agir do modo descrito
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A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei
* Factos não suficientemente indiciados: A - Ao ter acesso aos dados da assistente a arguida obteve a informação de que aquela estava grávida e deu conhecimento desse facto ao seu ex-sogro, à revelia da assistente
* Importa então conjugar a prova indiciária recolhida
Compulsados os autos, verifica-se que os elementos indiciários de prova relevantes para a decisão a proferir, recolhidos em sede de inquérito e nas diligências instrutórias e constantes dos autos [pois...
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