Acórdão nº 07P4197 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Abril de 2008

Data02 Abril 2008
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

No âmbito do processo comum colectivo n° 699/04.9GAABF, do 3° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira, foram submetidos a julgamento os arguidos: AA, solteiro, calceteiro, nascido a 26 de Dezembro de 1968, em Cabo Verde, filho de P. L. S. e de E. F., de nacionalidade cabo-verdiana, preso no EP de Vale Judeus, em cumprimento de pena à ordem do PCC nº 2011/04.8GBABF, do mesmo Juízo; e BB, nascido a 10 de Fevereiro de 1969, filho de C. M. V. de F. e de M. R. E., natural da freguesia de São Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, ambos com os demais sinais dos autos.

No início da audiência de julgamento foi ordenada a separação de processos com extracção de culpa tocante à co-arguida CC, pelo que a audiência prosseguiu para conhecimento de mérito somente quanto aos arguidos.

Por acórdão de 16 de Março de 2007 proferido pelo Colectivo do Círculo Judicial de Loulé, foi o arguido AA condenado, por autoria material de um crime de tráfico, previsto e punido pelo artigo 21°, n° 1, do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-A anexa, na pena de seis anos e seis meses de prisão.

Efectuado cúmulo jurídico da pena agora imposta, nos termos dos artigos 77° e 78° do Código Penal, com a pena de quatro anos e três meses de prisão aplicada ao mesmo arguido no processo comum colectivo nº 2011/04.8GBABF do mesmo 3° Juízo, foi condenado o arguido na pena única de oito anos de prisão.

Foram declaradas perdidas a favor do Estado todas as coisas apreendidas (sic).

E foi ordenada remessa de certidão do acórdão ao Processo Comum Colectivo nº 2011/04.8 GBABF do 3° Juízo.

Inconformado, o arguido Emílio Semedo interpôs recurso, apresentando a motivação de fls.518 a 527, rematando com as seguintes conclusões (em transcrição): 1- O arguido, ora recorrente foi condenado pelo Tribunal "a quo" como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena parcelar de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão, a qual, em cúmulo jurídico com a também pena parcelar de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses, já transitada em julgado no âmbito do Processo Comum Colectivo com o n.º 2011/04.8GBABF, que correu termos no 3° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Albufeira, foi graduada na pena única de 8 (oito) anos de prisão.

2- Inconformado com tal decisão, vem o arguido interpor o presente recurso, pretendendo que, na procedência do mesmo, se revogue o Douto Acórdão, reduzindo-se a pena parcelar de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão ora aplicada, para uma pena parcelar de 4 (quatro) anos de prisão, por considerar que a sua fixação se afigura excessiva, o mesmo considerando quanto à pena única de 8 (oito) anos de prisão, decorrente do cúmulo jurídico efectuado.

3- Mostrando-se assim, excessiva a sua fixação em 8 (oito) anos, até porque, tendo em consideração todas as circunstâncias atenuantes anteriormente expostas, o mínimo da pena a aplicar seria de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

4- Conforme estabelece o art. 21°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, "Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40°, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos".

5- De acordo com o previsto no art. 40°, n. ° 1 e 2 do Código Penal, a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegraçâo social do agente, sendo que, em caso algum, a pena poderá ultrapassar a medida da culpa.

6- Aquando da determinação da medida da pena, o Tribunal deverá seguir o plasmado nos art. 70° e 71 ° do Código Penal, ou seja, terá que ponderar o passado criminal do agente; o valor da acção e o resultado; o valor dos bens jurídicos em causa; o dano causado; a manutenção da conduta posterior lícita; a culpa do agente e as exigências da prevenção de futuros crimes.

7 - Atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que deponham a favor do agente, 8- Pelo que, sendo aplicável ao crime pelo qual o arguido foi condenado, pena de prisão, a fixar entre 4 (quatro) a 12 (doze) anos, esta determinação deveria, salvo o devido respeito, seguir os critérios supra mencionados.

9- Uma vez que o enquadramento fáctico-jurídico, prevê que a determinação da medida da pena, dentro dos limites mínimos previstos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências da prevenção.

10- Atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido.

11- Sendo que neste caso, milita a favor do arguido, o facto de este, aquando da realização da Audiência de Discussão e Julgamento, ter prestado ao tribunal os esclarecimentos solicitados, não ter antecedentes criminais à data dos factos e ter uma vida familiar estável, 12- Acrescendo ainda, o facto de que o ora recorrente é pai de 9 (nove) filhos.

13- Neste caso em concreto e, tendo em conta, entre outros factos, há também que ter em consideração, que apenas ficou provado que o recorrente vendeu heroína a apenas duas pessoas e em pequenas quantidades, nomeadamente, vendeu uma dose de 0,568 gramas e uma outra dose, com o peso de 0,627 gramas, não se podendo, de forma alguma, comparar a actuação do arguido/recorrente a, por exemplo, uma operação de tráfico de estupefacientes em larga escala, 14- Não podendo, portanto, ser indiferente perante a lei, o facto de o arguido ter traficado apenas as duas doses de heroína supra descritas, com o peso total de 1,295 gramas.

15- Pelo que, e não obstante as fortes exigências de prevenção geral, deveria e, salvo o devido respeito, fazer toda a diferença e ter bastante relevância, aquando da determinação da medida da pena, a quantidade de produto estupefaciente, envolvida no delito.

16- Por outro lado, e tendo em conta o estabelecido no art. 40°, n.º 1 do Código Penal, a pena tem uma vertente ressocializadora e visa a reintegração do arguido na sociedade, não podendo ultrapassar a medida da culpa, 17- Sendo a primeira função do sistema penal, a ressocialização do delinquente, 18- E, como se sabe, as prisões estão longe de ser o local ideal para a ressocialização ou reabilitação, tratam-se sim, do local que melhor instiga à criminalidade.

19- Havendo também que ter em conta que o arguido/recorrente se encontra preso desde Agosto de 2004 e ainda tem pela frente vários anos da sua vida na prisão, facto este, que vem certamente restringir as suas hipóteses de reintegração na sociedade.

20- Razão pela qual, e salvo o devido respeito, parece-nos na nossa modesta opinião, que a pena aplicada pelo Tribunal "a quo" se mostra superior à medida da culpa e vem, em grande parte, restringir a reintegração do ora recorrente na sociedade, 21- Pelo que, e considerando a idade do arguido (trinta e oito anos), a interiorizarão do desvalor dos actos e a sua situação familiar, tais factos, fundamentam um juízo de prognose favorável.

22- Pelo que, afigura-se, salvo o devido respeito por diversa opinião, suficientemente adequada às finalidades da punição e da prevenção geral, a redução da pena parcelar de prisão de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses, aplicada pelo Tribunal "a quo", para 4 (quatro) anos de prisão.

23- Para além disso e, conforme dispõe o art. 77°, n.°1, do Código Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes, antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado na pena única, sendo nesta considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Dispondo o art. 78° do Código Penal que, se depois de transitada em julgado uma condenação, mas antes do cumprimento da respectiva pena estar cumprida e, mostrando-se que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro crime, são aplicáveis os critérios do art. 77° do Código Penal.

Estabelecendo este art. 77° do Código Penal, no seu n.°2 que, a pena aplicável terá como limite máximo, a soma das penas concretamente aplicadas e, como limite mínimo, a mais elevada das penas aplicadas.

24- Mostrando-se assim, adequada a aplicação em cúmulo jurídico, da pena parcelar de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, com a pena parcelar de 4 (quatro) anos de prisão, a condenação do ora recorrente numa pena única a fixar entre 4 (quatro) anos e 3 (três) meses a 5 (cinco) anos de prisão.

25- Considerando-se assim, na nossa modesta opinião, que a condenação do arguido, ora recorrente, nesta pena de prisão se mostrará suficiente para garantir que este não voltará a reincidir e suficientemente adequada para satisfazer as necessidades de prevenção, quer geral, quer especial.

26- Podendo ainda, ser de conceder ao ora recorrente uma última oportunidade que este certamente irá aproveitar.

27 - Pelas razões amplamente deduzidas, não tendo o Tribunal "a quo" considerado todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor do arguido, na aplicação da medida concreta da pena aplicada ao arguido, foram violadas as disposições dos art. 40°, 70°, 71 ° e 77° do Código Penal.

Pede seja dado provimento ao recurso, com a revogação da decisão recorrida, no que concerne à redução da pena parcelar de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão aplicada ao arguido, a qual em cúmulo jurídico com a pena parcelar de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, foi graduada na pena única de 8 (oito) anos de prisão, substituindo-a por uma pena parcelar, de 4 (quatro) anos de prisão e, consequentemente, a proceder à redução da pena única, a qual em cúmulo jurídico, deverá ser fixada numa pena única situada entre 4 (quatro) anos e 3 (três) meses a 5 (cinco) anos de prisão.

* O recurso foi admitido por despacho de fls. 530, mas mandado subir apenas em 10-10-2007, por ter ficado a aguardar transcrição da prova...

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