Acórdão nº 95/17.8JASTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 10 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelANA BACELAR
Data da Resolução10 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora I.

RELATÓRIO No processo comum n.º 95/17.8JASTB do Juízo Central Criminal de Setúbal [Juiz 2] da Comarca de Setúbal, mediante acusação pública, foi pronunciado (...), pela prática de vinte e seis crimes de abuso sexual de crianças agravado, previstos e puníveis pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal.

Não foi apresentada contestação escrita.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Coletivo, após comunicação de alteração não substancial de factos e de alteração da qualificação jurídica constante da decisão instrutória de pronúncia, por acórdão proferido e depositado em 5 de junho de 2020, foi, entre o mais, decidido: a) absolver o arguido (...) do cometimento de 6 (seis) crimes de abuso sexual de crianças agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal – tendo por ofendidas as menores (…); b) condenar o Arguido (...) pelo cometimento, em autoria material, concurso efetivo e na forma consumada, de 20 (vinte) crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.º 1 (cedendo a qualificativa prevista no artigo 177.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal) – tendo por vítimas as menores (…) – na pena, por cada um dos crimes, de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; c) proceder ao cúmulo das penas parcelares indicadas em b), condenando-se o arguido na pena única de 8 (oito) anos de prisão efetiva; d) condenar o arguido na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou atividades, designadamente no domínio da docência, cujo exercício implique o contacto regular com indivíduos menores de idade, que se fixa pelo período de 10 (dez) anos – artigo 69.º-B, n.º 2, do Código Penal; e) condenar o Arguido no pagamento das custas e encargos penais do processo, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC’s, aqui considerando a circunstância de ter sido requerida a abertura da instrução – cfr. artigos 513.º, n.º 1, 514.º, n.º 1 e 524.º do Código de Processo Penal, e artigos 8.º, n.º 5 e 16.º do Regulamento das Custas Processuais.

Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]: «1 - O recorrente foi condenado pela prática de 20 (vinte) crimes, de abuso sexual de crianças, p.p. pelos artigos 171º n.º 1 do C.P., porquanto, terão sido vitimas de tal ato as suas alunas (…) - Cfr. acórdão, nomeadamente factos provados de 3 a 11; 2 – Dá-se como assente o ponto 1, 2, 3, 12 a 28 in principie, 29 a 32, 34 a 36, 38, 40 a 43 da matéria dada como provada e constante do acórdão ora recorrido. – Cfr. pág. 10, 11, 13 a 17 do acórdão ora recorrido.

3 – Impugna-se os pontos 4 a 11, 28 in fine, 33, 37 e 39 da Matéria de Facto dada como provada, por se entender que estes foram incorretamente julgados, atenta a prova produzida. – Cfr. fls. 11 a 13, 15 a 17 do acórdão ora recorrido.

4 – Entende o ora R. existir erro de julgamento por ter sido incorretamente julgada prova produzida e que conduziu a que se desse como assente os pontos 4 a 11, 28 in fine, 33, 37 e 39 da Matéria de Facto dada como Provada. – Cfr. pág. 11 a 13, 15 a 17 do acórdão ora recorrido.

5 - O tribunal A Quo valorou as declarações do arguido que se encontravam fora do objeto do processo, não o podendo fazer. – Cfr. pág. 62 e 63 do acórdão ora recorrido.

5.1 – O arguido remeteu-se ao silêncio, durante a audiência de discussão e julgamento, podendo o tribunal reproduzir o depoimento por este prestado em sede de 1º interrogatório como o fez. – Cfr. ata com refª 8483079 de 19/10/2017 e 89748140 de 28/01/2020.

5.2 – Porém, não podia o Tribunal A Quo utilizar as declarações deste, na parte que diziam respeito a filmagens encontradas na sua residência, aquando da busca domiciliária, realizada em momento anterior ao seu interrogatório de 19/10/2017.

5.3 – Uma vez que, a detenção de tais filmagens, á data poderia, eventualmente, corresponder á prática do crime de gravações e fotografias ilícitas, previsto e punido pelo artigo 199.º do Código Penal – Cfr. fls. 191 a 222 dos autos.

5.4 – Porém, aquando da dedução da douta Acusação Pública, foi igualmente proferido despacho de arquivamento quanto ao referido crime, nos seguintes termos: …” Do crime de gravações e fotografias ilícitas, previsto e punido pelo artigo 199.º do Código Penal – cfr. Fls. 191 a 222.

(…) O ilícito eventualmente em causa, reveste como é consabido, natureza semipública, o que equivale por dizer que, em primeira mão, depende de queixa do ofendido o desencadear do procedimento criminal respetivo, nos termos do disposto nos artigos 199.º, n.º 3 e 198.º do Código Penal, em conjugação com o artigo 113.º, n.º 1 do mesmo diploma legal e com o disposto nos artigos 48.º e 49.º, nº 1 do Código de Processo Penal.

A ser assim, tal equivale por dizer, que caso essa queixa não exista, carece o Ministério Público de legitimidade para desencadear o procedimento criminal respetivo.

In casu, como acima referimos, não existe nos autos queixa validamente apresentada.

Em face do exposto, decidindo, determino o arquivamento dos presentes autos, nesta parte, nos termos e ao abrigo o disposto no artigo 277.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, por ser legalmente inadmissível o procedimento”. – Cfr. fls… dos autos.

5.5 - Consta do Acórdão ora recorrido, em sede de motivação, no domínio declaracional, o seguinte: …”A adoção de alteração comportamental foi igualmente reconhecida pelo arguido quando confrontado com a descoberta, no interior da sua habitação (aquando da busca concretizada nestes autos) de filmagens contemplando a exibição de corpos femininos de jovens, e planos aproximados de zonas especificas (rabo…), com roupagem diminuta, em contexto de frequência de piscinal ou praia, que se apressou a dizer nada terem a ver com as jovens do colégio, reportando-se a período temporalmente anterior (em alguns anos), registos face aos quais afirmou “não se orgulhar de ter” (utilizando ainda, neste enquadramento, ter-se imposto prometer que não o voltaria a fazer), acrescentando ter apenas visto uma ou duas vezes, e tendo-se esquecido de apagar”…. – Pág. 22 e 23 do acórdão ora recorrido.

5.6 – E em sede de análise crítica da prova: … (…) Não se deixar ´de considerar, em plano de aferição enquadratória dos factos, e bem assim para a definição dos traços comportamentais do arguido, a deteção, no interior da habitação do arguido, e sob a disponibilidade deste, aquando da concretização da busca domiciliária de que se revelou ser destinatário, de material videográfico de teor e conteúdo comprometedor, no qual o arguido fez recolher registo de imagem, a mais das vezes em plano de aproximação de objetiva, dos corpos de várias jovens do sexo feminino de pouca idade (nenhuma das quais aqui ofendidas), em contexto de roupagem diminuta (em praia ou piscina), sendo ali em especial visadas partes corporais mais sexualizadas (os seios, rabos).

E confrontado com tais registo, em plano de 1º interrogatório judicial, o arguido apressando-se ab initio a afastar as visadas de tais filmagens como correspondendo a qualquer aluna do Colégio de (…) (designadamente com correspondência a qualquer uma das jovens identificadas nestes autos) – o que naturalmente se concede – não deixa de denotar no que á posse de tais registos e verbalização de um conflito interior, alternando entre a afirmação de que “não se orgulhar de os ter” com a afirmação, pouco crível, de que os teria apenas visto por uma ou duas vezes, esquecendo-se após de os apagar(…).

Ora, tal postura evidencia do arguido uma clara noção do correto do incorreto, do comportamento inocente ou sexualizado, consciência que cremos ter sempre alimentado a sua atuação no plano dos presentes autos, afastando a inocência e candidez com a qual procurou “mitigar” o comportamento aqui em referencia, e à qual não se pode, naturalmente, conceder crédito…”. Cfr. pág. 62 e 63 do acórdão ora recorrido.

5.7 - Não podia o tribunal A Quo, valer-se das declarações do arguido, ora R., nesta parte, por estarem as mesmas fora do objeto do processo, delimitado com a douta Acusação Publica e posterior despacho de pronúncia que manteve, na íntegra, a Acusação proferida. – Cfr. arts.ºs 141º, 283º, nº 1 do art.º 345, al. c) do nº 1 do art.º 374º e nº 1 do art..º 379º todos do CPP.

5.8 – O que conduziria a que, não pudesse ter sido realizado o enquadramento dos factos dados como assentes e definição dos traços comportamentais do arguido, da forma como o foram.

5.9 - Do que decorre terem sido violados os art.ºs 141º, 283º, nº 1 do art.º 345, al. c) do nº 1 do art.º 374º e nº 1 do art.º 379º todos do CPP.

6 – Foi valorada a crítica (juízos de valor) de culpabilidade, e sobre a vida sexual do arguido, constantes do relatório social, que as técnicas de reinserção social realizaram indevidamente, e que, de acordo com a Lei, somente ali podiam fazer constar as condições económicas e sociais deste, quanto aos crimes em apreço, com inerente violação do princípio da presunção de inocência. – Cfr. fls. 1226, 1227, 1259 a 1261 dos autos, pág. 18, 63 e 64 do acórdão ora recorrido e nº 1 do art.º 32 da CRP.

6.1 – Assim, consta do Acórdão, aquando da análise critica da prova, o seguinte: …”quer a postura declaracional assumida pelo arguido, quer o relato da sua atuação dada pela ulterior prova (a analisar melhor infra), vistas á luz do próprio relatório social quanto a si elaborado, fazem transparecer do arguido um postura a espaços “infantilizada”, de identificação no plano do sexo oposto com raparigas de pouca idade, o que se evidencia não só dos comportamentos assumidos em contexto de sala (aos quais cremos ser inegável uma dinâmica sexualizada) mas igualmente da aferição do comportamento assumido em contexto de recreio ou especo lúdico, o qual, não obstante, nos termos das noções infra a explanar, não se interpretar em contexto...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT