Acórdão nº 1074/21.6JAPDL.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-07-13

Ano2023
Número Acordão1074/21.6JAPDL.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, após Audiência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa,

Relatório

No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo e nº 1074/21.6JAPDL, que corre termos no Juiz 1 do Juízo Central Cível e Criminal de ..., do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, foi o arguido
AA, casado, encarregado operacional, nascido a 22.12.1960, na freguesia de ..., filho de ... e ..., residente na ...,
condenado, como autor material, na forma consumada, de:
- 2 (dois) crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos art.ºs 171º nº 3, al. a) e 177º nº 1, al. b) do Cód. Penal, um na pessoa de BB e o outro na pessoa de CC, na pena de 1 (um) ano de prisão para cada um;
- 1 (um) crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos art.ºs 171º nº 1 e nº 2 e 177º nº 1 al. b) do Cód. Penal, na pessoa de CC, na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão;
- 1 (um) crime de violação agravada, p. e p. pelos arts. 164º nº 2, al. b) e 177º nº 1 al. b), 177º, nº 7 e 177º, nº 8 do Cód. Penal, na pessoa de BB, na pena de 6 (seis) anos de prisão.
Operado cúmulo jurídico de penas ficou o arguido condenado na pena única de 7 (sete) anos e 3 (três) meses de prisão.
Mais foi condenado na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período de 10 (dez) anos – art.º 69º-B, nº 2 do Cód. Penal; e na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por um período de 10 (dez) anos – art.º 69º-C, nº 2 do Cód. Penal.
E foi condenado, ao abrigo do disposto no art. 82º-A, do Cód. Proc. Penal e art.º 16º, nº 2, da Lei 130/15, de 4.09, no pagamento ao ofendido BB da quantia reparatória de € 2.000,00 (dois mil euros) e ao ofendido CC da quantia reparatória de € 1.000,00 (mil euros).
*
Sem se conformar com a condenação o arguido interpôs o presente recurso, pedindo que sejam declaradas as nulidades do acórdão recorrido que suscitou, remetendo-se o Processo para novo julgamento; ou, caso assim não se entenda, que seja alterada a matéria de facto indicada e revista a decisão de direito, absolvendo-se o recorrente dos crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos art.ºs 171º nºs 1 e 2 e 177º nº 1, al. b) do Cód. Penal, na pessoa de CC e pelo crime de violação agravada, p. e p. pelos arts. 164º nº 2, al. b) e 177º nº 1, al. b), 177º, nºs 7 e 8 do Cód. Penal, na pessoa de BB; ou, se assim não for, que seja alterada a medida da pena aplicada para quantum não superior a cinco anos, suspensa na sua execução, mas sempre, conhecendo-se e declarando-se as nulidades e inconstitucionalidades que invoca.
Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem:
1. O presente Recurso tem por Objecto e circunscreve-se:
- À Nulidade do Acórdão Recorrido por Falta de Exame Crítico da Prova;
- Ao Erro de Julgamento da Matéria de Facto submetida a apreciação do Tribunal a quo;
- À violação dos Princípios da Presunção da Inocência e In Dubio Pro Reo referente à Condenação do Recorrente pelo Crime de Tráfico de Estupefacientes Agravado;
- À Inconstitucionalidade da Norma constante do Artigo 127.º do Código de Processo Penal na dimensão normativa com que foi aplicada pelo Tribunal a quo no Acórdão Recorrido;
- Ao exacerbado quantum da Medida da Pena aplicada ao Recorrente.
2. O Recorrente foi condenado em cúmulo jurídico das penas parcelares impostas, e nos termos do disposto no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 7 (sete) anos e 3 (três) meses de prisão.
3. Venerandos Desembargadores, entende o recorrente que o acórdão condenatório proferido nos presentes autos, não pode manter-se nos termos em que se encontra, sendo que consubstancia uma solução que não está em harmonia com a justa e rigorosa interpretação e aplicação das normas legais ora aplicadas, com os princípios jurídicos subjacentes à causa em apreço e, bem assim, aos direitos constitucionais como são os da ressocialização, dignidade da pessoa humana, da igualdade constitucional e processual e da legalidade.
4. Ao invés, o acórdão ora recorrido, no modesto entender do ora recorrente, deu ao presente caso uma solução que, com a devida vénia, não pode deixar de se considerar atentatória dos essenciais princípios da justiça, da legalidade, da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da proporcionalidade e do espírito ressocializador ínsito à matriz do nosso estado de direito democrático e às finalidades das penas - “Fins das penas”.
5. Na verdade o Tribunal a quo não especifica em termos minimamente aceitáveis o motivo pelo qual entendeu que as Declarações do Arguido, em determinado segmento, são desprovidas de credibilidade, sejam por si sós, sejam por confronto com a restante Prova existente no Processo e produzida em Audiência de Julgamento.
6. O Tribunal a quo, além do mais, deu sinais no teor do Acórdão Recorrido de ter efectuado uma apreciação probatória manifestamente tendenciosa e pró versão que pretendeu fazer vingar em sede de Decisão, isto é, a Acusação, o que para lá de ilegal é refractário da Prova produzida.
7. O mesmo se diga acerca da valoração das Declarações do Recorrente, porquanto, resulta da fundamentação do Acórdão Recorrido que em determinado segmento as Declarações proferidas pelo Recorrente em sede de Julgamento foram consideradas totalmente credíveis, servindo inclusive para fundamentar determinados factos provados, porém quando refractárias dos factos que se queriam dar por provados levaram com o anátema da descredibilidade.
8. O Tribunal a quo, a bem de ver, limitou-se a dar como provados determinados factos enunciando em seguida, relativamente a alguma dessa factualidade, qual a Prova de que se terá socorrido para dar como demonstrados esses factos ignorando (injustificadamente) por completo a fundamentação probatória das remanescentes factualidades que considerou assentes (provadas), não especificando, nomeadamente, quanto aos poucos factos que o fez, o motivo pelo qual, em termos minimamente lógicos, essa Prova difere, contraditando-a ou atestando-a, da restante.
9. Certo é que se impunha, em vista do exame crítico das Provas a que se refere a última parte do N.º 2 do Artigo 374.º do Código de Processo Penal, que se explicitasse de modo concreto e objectivo, designadamente, as razões que levaram o Tribunal a quo a descredibilizar, e porquê, as Declarações do Arguido, bem assim, como a considerar mais relevante as Declarações para Memória Futura dos Ofendidos e das Testemunhas, as quais, não têm conhecimento directo dos factos. Nesta parte, e como tal, o Acórdão Recorrido viola o que se encontra preceituado no N.º 2 do Artigo 374.º do Código de Processo Penal razão pela qual, atento o que dispõe a alínea a) do N.º 1 do Artigo 379.º do Código de Processo Penal, está ferido de Nulidade. Que ora se invoca e argui com as legais consequências daí advenientes.
10. Assim, o presente recurso tem por objeto, adiante melhor delimitado, a discordância absoluta do recorrente relativamente à aplicação do Direito efetuado, que considera, uma pena manifestamente excessiva, desadequada, desproporcional e absolutamente injusta
11. O Recorrente chegou a Julgamento acusado em autoria material, na forma consumada e em concurso efetivo, de 2 crimes de Abuso Sexual de Crianças Agravado p.p pelos art.ºs 13.º, 14.º n.º 1, 26.º 1.ª parte, 171.º nºs 1 e 2 e 177.º n.º 1 al. B), todos do CP
12. Efectuado o Julgamento e produzida a Prova que suportava a querela do Ministério Público, e também a que abonava o seu carácter, optou o Recorrente – em Consciência, de forma livre, sem reservas e de modo pleno - por, uma vez mais, dar palavra ao que se arrazoou contra si, confessando os factos que perpetrou e repudiando aqueles que não lhe diziam respeito.
13. Este é na verdade um Processo de Convicções. Numa altura em que se fala diariamente nos crimes de abusos sexuais cometidos ao longo de décadas pela igreja, quer-se vincar de forma errada e cruel na pessoa do Recorrente, que tais comportamentos devem ser severamente punidos…e deverão seguramente…mas não no caso em apreço...pelo menos, na forma como o foi.
14. O Recorrente, não é e não pode ser o “bode expiatório” de todos os males que durante décadas foram cometidos por padres, sacerdotes...enfim...toda uma série de pessoas incapazes de dizerem e verbalizarem um simples discurso entre muros, quanto mais, uma missa.
15. E também, não pode o Recorrente ser vítima de todo um processo mediático que tais casos ocupam hoje na nossa sociedade, não pode e não deve ser o mesmo culpabilizado por tal mediatismo.
16. Dizendo de outra forma e não descurando a gravidade de tais actos, o arguido não pode ver recair sobre si actos que não praticou, porque, hoje e como é do domínio público as atrocidades que foram cometidas ao longo de décadas por elementos da Igreja, estão escarrapachadas nas paragonas dos jornais, e bem, e por isso mesmo, mal qualquer pessoa.
17. Quanto às declarações do Arguido, o mesmo confessou os factos insertos nos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 16 da douta acusação pública, pois são estes que na realidade não merecem qualquer contestação por parte do mesmo.
18. Quanto ao demais, o Arguido esclareceu os acontecimentos em causa, e fê-lo de forma escorreita, límpida e cristalina.
19. Muito menos, qualquer instinto sexual para com menores, nomeadamente do sexo masculino.
20. A Prova entranhada nos Autos e toda aquela cuja produção se realizou em Julgamento revelam - claramente - que o Recorrente nada, absolutamente nada, tem instintos libidinosos; e excluíram-se dela outros essenciais e suficientes para atestar a Inocência do Recorrente quanto ao acervo condenatório em que acabou condenado.
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