Acórdão nº 01A1508 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Maio de 2002
Magistrado Responsável | GARCIA MARQUES |
Data da Resolução | 09 de Maio de 2002 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - AA e BB e mulher, CC, todos com os sinais dos autos, os dois últimos por si e em representação de seus filhos menores DD e EE, intentaram, no Tribunal Judicial da Comarca de Abrantes, acção declarativa com processo sumário contra a Companhia de Seguros F......., S. A., pedindo a sua condenação a pagar-lhes a quantia global de 19866558$00, sendo 11350000$00 para o autor AA, 7396558$00 para o DD e 1120000$00 para a EE, a que acrescem os juros vincendos à taxa legal desde a citação até integral pagamento, para o que alegaram, em síntese, o seguinte: a) No dia 24 de Março de 1993, pelas 13 horas e 20 minutos, na Rua de ....., em Cabrito, Abrantes, o veículo ligeiro ....-...-..., conduzido por FF, propriedade da firma A.... C....., Lda., e seguro na ré, despistou-se e foi embater no velocípede ...-....-....-...., conduzido pelo autor AA, que circulava pela sua mão, além de atropelar os menores DD e EE, que caminhavam pela berma; b) O condutor do BO apresentava uma taxa de alcoolémia de 0,75 gr/l; c) Em consequência do acidente, tanto o autor AA como o menor DD sofreram diversos e graves ferimentos, apresentando a menor EE um estado de excitação e nervosismo.
A ré contestou, impugnando os danos e os montantes pedidos, tendo chamado à autoria o condutor do veículo seu segurado, que foi citado, abstendo-se, porém, de tomar qualquer posição.
Saneada, instruída e discutida a causa, foi, em 7 de Janeiro de 2000, proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré seguradora a pagar ao A. AA a importância de 2078100$00 e aos AA. BB e mulher, CC, por si e em representação do filho menor DD, a importância de 2022980$00, acrescidas de juros moratórios de 7% desde a data da sentença até efectivo pagamento. Quanto ao mais foi a acção julgada improcedente e a ré absolvida dos pedidos formulados - cf. de fl. 212 a fl. 217 v.º Inconformados, apelaram os autores, tendo o Tribunal da Relação de Évora, por Acórdão de 19 de Dezembro de 2000, dado provimento parcial ao recurso, fixando os montantes das indemnizações devidas aos recorrentes AA e DD (este representado por seus pais) pelos danos de natureza não patrimonial sofridos, respectivamente, em 3500000$00 e 4000000$00 - valores actualizados à data da sentença proferida em 1.ª instância -, em tudo o mais se confirmando a sentença apelada - de fl. 256 a fl. 263 v.º Continuando inconformados, trazem os autores a presente revista, oferecendo, ao alegar, no essencial, as seguintes conclusões: «1 - Encontra-se plenamente demonstrado que a incapacidade genérica permanente parcial de que o recorrente AA é portador tem rebate profissional, implicando o desenvolvimento de esforços suplementares no exercício da sua profissão.
2 - Por isso, não fica vedada a sua valoração enquanto dano de natureza patrimonial, pois o mesmo tem consequências patrimoniais futuras.
3 - Às quais não obsta o facto de o ora recorrente se encontrar a receber uma pensão anual e vitalícia no montante de 104084$00, a título de incapacidade para o trabalho.
4 - Porquanto essa pensão anual e vitalícia foi calculada tendo por base uma incapacidade permanente parcial de 15% e não 20%.
5 - O que faz com que a incapacidade residual de 5% que exige esforços suplementares no exercício da sua profissão habitual não esteja a ser compensada.
6 - Daí que o montante peticionado a título de incapacidade genérica permanente e parcial não pretenda indemnizar os danos patrimoniais futuros que o coeficiente de desvalorização de 20% lhe acarretará mas somente os 5% de incapacidade não contemplados na fixação da pensão anual e vitalícia.
7 - Assim sendo, o recurso aos métodos normalmente utilizados, bem como ao juízo equitativo, revelam como justa e adequada a fixação de um montante indemnizatório de 1500000$00, a título de danos patrimoniais futuros.
8 - Visa a lei, nos danos não patrimoniais, proporcionar ao lesado uma compensação para os sofrimentos que a lesão lhe causou, contrabalançando o dano com a satisfação que o dinheiro lhe proporcionará.
9 - Mostra-se adequada a estas orientações a fixação de uma indemnização não inferior a 3250000$00 para um lesado com um quantum doloris elevadíssimo, clinicamente curado apenas um ano após o acidente, com uma convalescença lenta e dolorosa e com um prejuízo estético que não deixa de ser relevante.
10 - O menor DD ficou afectado de uma incapacidade genérica permanente parcial de 14%, o que implicará inevitavelmente, no futuro, o desenvolvimento de esforços acrescidos no que quer que venha a ser a sua actividade profissional.
11 - Não podendo a falta de concreta demonstração dessas dificuldades futuras obstar à atribuição de uma indemnização por danos patrimoniais futuros, pois estamos perante uma criança de 4 anos de idade, que obviamente não desempenhava à data do acidente qualquer actividade nem se poderia prever qual a que iria desempenhar no futuro.
12 - Mas o que é certo e sabido é que, na entrada no mundo laboral, o DD iniciá-lo-á numa posição de desvantagem em relação aos seus colegas.
13 - Essa desvantagem não poderá deixar de se reflectir negativamente na sua esfera patrimonial, porquanto implicará perdas patrimoniais até ao final da sua provável vida activa em montante não inferior a 3000000$00, de acordo com os critérios expendidos para o recorrente AA.
14 - Em conformidade com os critérios já enunciados, a que acrescerão a tenra idade do menor e a sua inerente sensibilidade, o que lhe acarretará um maior sofrimento, devem os danos não patrimoniais por si sofridos merecer uma compensação não inferior a 3500000$00.
15 - A menor EE, de 9 anos de idade, apercebeu-se do acidente, sentiu o veículo passar junto de si e atropelar duas pessoas, uma das quais seu irmão.
16 - Por isso, sentiu medo e ansiedade, bem como um estado de grande nervosismo, tendo ainda sido transportada ao serviço de urgência do Hospital Distrital de Abrantes, onde foi observada.
17 - Ora, sendo o n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil aplicável quer a danos não patrimoniais decorrentes de lesões corporais, quer de outros, desde que objectivamente graves, impõe-se, atendendo às circunstâncias do caso e características do próprio lesado, compensação não inferior a 1000000$00.
18 - Porque os juros moratórios não constituem uma actualização da indemnização, mas sim uma indemnização por forma a castigar o devedor relapso que não pagou no momento devido, os mesmos podem ser contabilizados juntamente com a actualização monetária sobre o mesmo montante indemnizatório.
19 - Desde que a actualização da indemnização e a contabilização de juros de mora não sejam aplicados num mesmo espaço temporal, devendo estes ser contabilizados a partir do momento final daquela.
20 - Daí que sobre o montante global da indemnização deve incidir a sua actualização em função dos valores da inflação no período que vai desde a data do acidente até à data da distribuição da acção.
21 - Contabilizando-se a partir da data da citação e até efectivo e integral pagamento juros moratórios, igualmente sobre o montante global da indemnização fixada.
22 - O douto acórdão recorrido violou os artigos 494.º, 496.º, 562.º, 564.º, 566.º e 805.º, n.º 1, todos do Código Civil.» Contra-alegando, a Companhia de Seguros recorrida pugna pela manutenção do julgado - fl. 284.
Recebido o recurso neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmo. Conselheiro relator anterior, apercebendo-se de que uma das questões jurídicas que constituíam o respectivo objecto ia ser submetida a julgamento ampliado, já agendado, no recurso de revista n.º 1861/00 - 7.ª Secção, sobrestou na decisão - cf. despacho de fl. 290.
Considerando, porém, que o conhecimento ampliado daquele recurso não se chegou a concretizar em virtude de razões de natureza formal, o Exmo. Conselheiro relator tomou então a iniciativa de, em conformidade com o artigo 732.º-A do Código de Processo Civil (CPC), sugerir, neste processo, a concretização do inviabilizado julgamento alargado, proposta que mereceu o acolhimento de S. Ex.ª o Presidente deste Supremo Tribunal, que, para tanto, ordenou a intervenção do plenário das secções cíveis (cf. despachos de fls. 293 e 296).
Colhidos os vistos legais e cumprido o disposto no artigo 732.º-B, n.º 1, do CPC, mediante a emissão do parecer pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, cumpre decidir.
II - Questão prévia. - Não tendo sido impugnada nem havendo lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se, em conformidade com o disposto pelos artigos 713.º, n.º 6, e 726.º do CPC, para a factualidade dada como assente pela decisão da 1.ª instância - para a qual o acórdão recorrido também remeteu -, a qual aqui se dá por reproduzida - cf. fls. 212 v.º a 214.
Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do CPC), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas - e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso -, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras - artigo 660.º, n.º 2, também do CPC.
Na presente revista são colocadas as questões relativas à determinação da composição e do valor das indemnizações a atribuir aos recorrentes João Horta e aos menores DD e EE e ainda a questão da cumulação, ou não, da actualização da expressão monetária da indemnização no período compreendido entre a citação e o encerramento da discussão, por um lado, e o pagamento de juros correspondentes ao mesmo lapso de tempo, por outro.
Vejamos, pois, começando pela indenmização devida ao autor AA. 1 - Para uma melhor compreensão das questões suscitadas, entende-se conveniente reproduzir os pontos mais relevantes da matéria de facto dada como provada, tendo como critério de referência o âmbito objectivo da presente revista, no que ao recorrente em apreço diz respeito. Assim: O acidente de viação em causa - que ocorreu no dia 24 de Março de 1993, pelas 13 horas e 20 minutos -, foi simultaneamente...
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