Acórdão nº 00332/12.5BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelLu
Data da Resolução05 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: M.

(residente em (…), França), interpõe recurso jurisdicional do decidido pelo TAF de Braga na presente acção administrativa comum ordinária intentada contra o Centro Hospitalar (...) E.P.E.

(Estrada (…)), julgada parcialmente procedente, sendo o réu condenado “no pagamento, à Autora, de uma indemnização, pelos danos morais sofridos pela sua mãe, no valor de €10.000,00, sobre a qual acrescem juros de mora à taxa legal de 4%, a contar da data da presente decisão atualizadora, até efetivo e integral pagamento”, que por sua vez interpõe recurso subordinado.

A autora dá em conclusões do seu recurso: A.

RESULTANDO DOS AUTOS - de forma irrebatível, porque absolutamente pacífica, já que, em momento algum, posta em causa por qualquer outro meio de prova - quer da prova documental, da testemunhal e da pericial, QUE: 1.- A paciente, mãe da Autora, apresentava uma oclusão intestinal, logo no 1º dia em que foi para o Hospital Réu, dia 20 de Agosto de 2010 2.- Tal oclusão intestinal era perfeitamente visível na radiografia que o médico mandou lhe fosse feita nos serviços do hospital.

  1. - Tal médico, que a observava - tal como declarou em audiência de julgamento - “nem lhe deu valor”, “nem a valorizou.” 4.- Em vez disso, tal médico, diagnosticou-lhe uma infecção urinária, ministrando-lhe antibiótico e vitaminas, mandando a paciente para casa 2 horas e 20 minutos, após a sua entrada no Hospital.

  2. - Uma oclusão não tratada conduz, necessariamente, à morte.

  3. - Que essa morte, a qual pode ocorrer a todo o momento, horas um, dois ou três dias, ou até no trajecto para a intervenção cirúrgica; [01:41:09] JUIZ - Uma oclusão intestinal pode levar à morte em quanto tempo, se não for diagnosticada? [01:41:13] T - Srª Drª, até se for operada também.

    [01:45:15] JUIZ - Até? desculpe… [01:41:16] T - Até se for operada, também. Até pode ser no trajeto… 7.- A paciente não apresentava ou possuía qualquer outra patologia, IMPÕE CONCLUIR-SE QUE, A morte da paciente, mãe da Autora se ficou a dever a tal oclusão intestinal.

    B.

    TENDO O MÉDICO QUE ASSISTIU A PACIENTE DITO: [01:43:30] VM: Vª Excª permite? Ó sr. Dr. J., quando o sr. Observou a radiografia, que conclusão é que tirou? [01:43:42] T: sr. Dr., nem lhe dei valor.

    [01:43:45] VM: está respondido! Muito bem! [01:43:47] T: eu já o tinha dito. Não dei valor, EM VEZ DISSO, diagnosticando-lhe uma infecção urinária, mandando a paciente para casa, duas horas e vinte minutos depois de haver chegado ao Hospital, medicada com antibiótico e vitaminas.

  4. - Em consequência disso, a paciente foi colocada na rota da sua própria morte, podendo morrer, como referiu a dita testemunha, no mesmo dia, a todo o momento e em qualquer sítio: IMPORTA CONCLUIR QUE, Foi manifesto o erro grosseiro, negligente, culposo – como salienta a sentença recorrida - cometido pelos serviços clínicos do Réu, porquanto, o médico que a assistia, perante uma radiografia que ele mandou fazer, na qual era evidente a existência de uma oclusão intestinal, tal médico - conforme afirmou - nem lhe deu valor, colocando a paciente na rota da sua própria morte.

    C.

    TENDO A SENTENÇA RECORRIDA DECLARADO: “ Resulta provado que no dia 22/08/2010, houve falhas na avaliação do estado de saúde da mãe da Autora, nomeadamente quanto à valorização das suas queixas, dos seus antecedentes pessoais, e do exame objetivo da doente, bem como da radiografia do abdómen de pé, radiografia essa que obrigava – de acordo com as leges artis – a considerar o diagnóstico de uma oclusão intestinal alta, pelo que, pela Equipa Médica de Cirurgia do Réu, devia ter sido equacionada a possibilidade de uma intervenção cirúrgica, ou pelo menos, deveria ter determinado internamento da doente para vigilância e controlo da situação, o que não foi feito, nem prescrita qualquer terapia para aquele diagnóstico; CONCLUI-SE QUE, A paciente ficou, a partir desse diagnóstico totalmente errado e mandada para casa com medicação errada, definitivamente à mercê daquilo a que conduz uma oclusão intestinal não tratada, MAIS PRECISAMENTE à espera da morte.

    Como, disse e repetiu o médico que a assistiu, a morte podia acontecer qualquer momento, horas ou poucos dias após.

    De resto, o que aconteceu 2 dias depois, na sala de urgências do Hospital Réu.

    D.

    COM TODO O RESPEITO, QUANDO O TRIBUNAL RECORRIDO DECLARA “ Ou seja, entre o dia 22/08/2010, até ao dia 24/08/2010, o Tribunal desconhece se outros acontecimentos ocorreram que possam ter, esses sim, conduzido à morte da mãe da Autora.

    A realização de uma autópsia, com a determinação da causa de morte, ou pelo menos das circunstâncias em que a mesma ocorreu, seria o elemento-chave, para se poder estabelecer o nexo naturalístico entre as falhas do Réu, no dia 22/08/2010, e a morte da mãe da Autora”, NÃO ANDOU BEM, porquanto: Como prescreve o art. 342º do CC, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.

    Busca-se, com elas, criar no espírito do julgador, não a certeza absoluta da realidade dos ‘factos’ (se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça’ - A. Varela, RLJ, Ano 116, p. 339), mas antes produzir o que para a justiça é imprescindível e suficiente – um grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso e às regras da experiência da vida.

    A prova como demonstração efectiva (segundo a prudente convicção do juiz) da realidade de um facto não é certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica) - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 191.

    E.

    DADO POR PROVADO QUE: 1.

    - A paciente tinha uma oclusão intestinal; 2.

    - Tal oclusão intestinal era perfeitamente visível – POR SER ALTA – na radiografia que o médico que assistiu a paciente mandou efectuar, mas que depois, quando lhe foi entregue, “nem lhe deu valor”, “nem valorizou”, tendo diagnosticado patologia bem diferente, 3.

    - Os depoimentos das testemunhas e os registos clínicos da paciente, assim como os pareceres técnicos, É IMPERATIVO CONCLUIR-SE QUE, Independentemente da existência de autópsia, dispunha o Tribunal Recorrido de prova bastante, para declarar que a morte da mãe da Autora ocorreu em consequência dessa oclusão intestinal, O que sempre sempre acontece em estados clínicos semelhantes, os quais não tratados, determinam, como consequência directa, necessária e adequada, a morte da paciente.

    F.

    TENDO EM CONTA, 1.

    - A matéria de facto dada por provada; 2.

    - A prova documental, testemunhal, documental e pericial produzida; 3.

    - A inexistência de qualquer outra patologia, NÃO PODIA O TRIBUNAL RECORRIDO Trazer à discussão a possibilidade da existência de qualquer uma outra causa da morte - invislumbrável no histórico clínico da paciente ou aventada nos próprios autos, como possível ou provável - capaz de pôr em causa a força probatória da matéria carreada para os autos.

    G.

    TENDO EM CONTA AS ANTERIORES CONCLUSÕES, A MATÉRIA DE FACTO DADA POR NÃO PROVADA EM B) E C), deve dela ser retirada, passando a integrar a matéria de facto provada.

    H.

    A SENTENÇA RECORRIDA NÃO ARBITROU, Como podia e devia, as indemnizações peticionadas pela Autora, sempre tendo em atenção o princípio legal o grau de culpa tem influência para o apuramento do montante da indemnização, sendo que esta também contém um carácter de sanção, e por isso, quanto maior a culpa, maior a indemnização I.

    VOLVIDOS MAIS 10 ANOS SOBRE O FACTO DANOSO, O valor arbitrado na sentença recorrida - € 10.000,00 – a título de dano não patrimonial de modo algum contempla o efeito da inflação, entretanto ocorrida, devendo, no mínimo vencer a quantia peticionada de € 15.000,00, juros de mora a contar da citação do Réu para os termos da presente acção.

    J.

    A sentença recorrida violou o disposto nos artºs 342º, 483º, 496º, 562º, 563º, art° 566º, 805° e 806° do Código Civil. e artº 607º do CPC.

    TERMOS EM QUE, DEVE SER REVOGADA, PARCIALMENTE, A SENTENÇA RECORRIDA, SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE DETERMINE A RETITRADA DAS ALÍNEAS B) E c) DOS FACTTOS DADOS POR NÃO PROVADOS, INTEGRANDO-OS NA MATÉRIA DE FACTO DADA POR PROVADA, E JULGANDO A PRESENTE ACÇÃO TOTALMENTE PROCEDENTE, COMO É DE ELEMENTAR JUSTIÇA.

    Contra-alegou a ULS, pugnando pelo não provimento do recurso da autora e vindo com recurso subordinado, concluindo: 1. Começamos por referir que os factos dados como provados correspondem, realmente, à prova da prova documental e testemunhal produzida; 2. Já quanto aos factos dados como não provados sob as alíneas B) e C), e tendo presente, a fundamentação convocada pelo tribunal a quo e a impugnação deduzida pela Recorrente, o que resulta da análise da prova produzida, é que da mesma não é possível, de facto, concluir, com a necessária segurança, pela existência de qualquer erro de apreciação relativamente aos pontos de facto impugnados.

  5. Em termos de prova, não só ficou por demonstrar que em 22.08.2010 já se encontrava instalado um quadro de oclusão intestinal não diagnosticado pelos médicos da ULSAM, como não resultou demonstrado que o quadro de oclusão intestinal alegadamente existente, não diagnosticado e não tratado, tenha sido a causa da morte da D.ª M..

  6. Na emissão do seu parecer técnico-científico, o Colégio da Especialidade de Cirurgia Geral da Ordem dos Médicos ignorou, ostensivamente, a informação que podia, e devia, ter recolhido com a audição dos médicos envolvidos no primeiro recurso da paciente ao Hospital da Recorrida ULSAM.

  7. Efectivamente, não obstante refira que «houve falhas na avaliação da doente na primeira ida ao Serviço de Urgência» decorrentes da ausência de registo de dados que considera importantes, o Colégio da Especialidade de Cirurgia Geral da Ordem dos Médicos nada fez para, no cumprimento do determinado pelo tribunal a quo...

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