Acórdão nº 1455/18.2T8GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelVÍTOR AMARAL
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório AA, com os sinais dos autos, intentou ação declarativa comum condenatória contra “F..., S. A.

”, também com os sinais dos autos, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia global de € 342.200,00 ([1]), a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de acidente de viação, acrescida de juros moratórios, à taxa supletiva legal, desde a citação e até integral pagamento.

Alegou, para tanto, em síntese, que, em consequência de acidente de viação, de que foi responsável o condutor de veículo automóvel seguro na aqui R., o A. (condutor de outro veículo, embatido no acidente) sofreu diversos danos, que identifica e valoriza (os quantificados no petitório), danos esses que importa reparar integralmente, cabendo a responsabilidade para o efeito àquela R., na vigência de contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel ao tempo do sinistro.

Citada, a R. contestou, defendendo-se por impugnação – designadamente, quanto à gravidade dos danos e grandeza das quantias peticionadas – e concluindo por dever a ação ser julgada conforme a prova a produzir a final.

Invocou desconhecer a dinâmica do acidente, sendo que, em providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, o A. e a R. transigiram, devendo ser atendidos os valores já pagos nesse âmbito, sem esquecer que o acidente foi simultaneamente de viação e de trabalho, tendo o A. recebido valores da seguradora do trabalho, não podendo haver dupla reparação do mesmo dano, termos em que requereu a intervenção principal da seguradora “C A S..., S. A.

”, também com os sinais dos autos, para se associar ao A..

Admitida tal intervenção principal, a Chamada/Interveniente associou-se ao A., imputando a responsabilidade pelo acidente ao segurado da R., alegando que, na qualidade de seguradora da entidade empregadora do A., assumiu a transferência da responsabilidade pelo salário base, com inerentes pagamentos, e encaminhou o lesado para os tratamentos necessários, assistindo-lhe o direito de regresso contra a R., não só pelas prestações já efetuadas, como por quaisquer outras que se vencerem, em montante a liquidar em incidente próprio.

Concluiu, assim, pela condenação da R. a pagar-lhe a quantia já líquida de € 76.597,79, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento, bem como as quantias que se vencerem e a Chamada vier a pagar na pendência da presente ação.

A R., contestando, manteve o seu posicionamento anterior, impugnando os montantes alegados pela Interveniente e concluindo por dever o peticionado ser julgado conforme a prova a produzir.

Realizada a audiência prévia, saneado o processo, definidos o objeto do litígio e os temas da prova, procedeu-se depois à audiência final, tendo a Interveniente requerido então a ampliação do seu pedido, em mais € 13.653,76 – quantia alegadamente paga ao A., a título de pensões, desde a data da sua intervenção até maio de 2021 –, o que lhe foi admitido, enquanto o A., por sua vez, veio declarar que opta pelo recebimento da indemnização decorrente da responsabilidade civil, em detrimento da indemnização do âmbito laboral.

Após o que foi proferida sentença (datada de 02/07/2021), julgando a ação parcialmente procedente, nos termos do seguinte dispositivo condenatório: “

  1. Condena a ré a pagar ao autor: a. Pela perda da capacidade de ganho, uma indemnização no valor de 118.167,14€ (…); b. Pelos danos emergentes decorrentes do auxílio de terceira pessoa, uma indemnização no valor de 13.400,00€ (…); c. Pelos danos emergentes decorrentes das despesas acrescidas na execução de atividades agrícolas, uma indemnização no valor de 22.500,00€ (…); d. Pelo dano biológico (com exclusão da perda da capacidade de ganho), uma indemnização no valor de 70.000,00€ (…); e. Pelos danos de natureza não patrimonial, uma compensação no valor de 80.000,00€ (…); b) Condena a ré a pagar ao autor os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde a citação e até efetivo e integral pagamento, sobre as indemnizações fixadas em a)a., b., c. e d., e os juros de mora vincendos, à taxa legal em vigor, até efetivo e integral pagamento, sobre compensação fixada em a)e.; c) Condena a ré a pagar ao autor a indeminização que se liquidar em sede de incidente de liquidação, em execução de sentença, relativamente aos danos futuros peticionados (despesas) com as deslocações para as sessões de fisioterapia, (despesas) com a substituição das canadianas e os demais alegados no artigo 143º da petição inicial; d) Condena a ré a pagar à seguradora interveniente a quantia de 90.251,55 (…), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.”.

    Da sentença, vem a R., inconformada, interpor recurso, apresentando alegação e as seguintes Conclusões: «A. Vem o presente recurso interposto da, aliás douta, sentença do Juízo Central Cível e Criminal da Guarda – Juiz 2, que condenou a R./recorrente a indemnizar o A. AA nos montantes ali identificados; B. A recorrente entende, com o devido respeito que o douto Tribunal recorrido deu como provados factos que deveriam ter sido considerados não provados, não tendo – salvo melhor opinião – apreciado correctamente a prova produzida; C. E considera não ser admissível, nas circunstâncias concretas dos presentes autos e tendo em conta a materialidade de facto em apreço, a condenação nos específicos montantes identificados na sentença, por não suficientemente provados ou manifestamente exagerados; D. O presente recurso incide sobre os seguintes aspectos: • impugnação da matéria de facto e suas consequências; • contestação dos montantes indemnizatórios fixados ao A./recorrido pelo Tribunal a quo; E. Por razões de simplificação e economia processuais, dão-se por integralmente reproduzidos os factos considerados provados na douta sentença recorrida e enumerados em 5. supra; F. Embora sem esquecer que as decisões dos Tribunais se encontram abrangidas pelo princípio da livre apreciação da prova, não deixa de ser verdade que, como resulta da lei, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (artigo 662º, nº 1 do referido diploma – negrito e sublinhado nossos); G. No caso dos autos, afigura-se à recorrente existir erro na apreciação da prova por parte do julgador, uma vez que, salvo o devido respeito por entendimento diverso, a prova produzida impõe que se considere não provado que: • “A atual entidade empregadora não tem outro posto de trabalho disponível onde possa colocar o Autor a trabalhar” (ponto 44. dos factos provados); • “A mulher do Autor teve que abandonar a atividade que exercia para se dedicar à recuperação do marido” (ponto 50. dos factos provados); • “A D. BB fazia limpezas em várias casas e, no conjunto, auferia cerca de 400,00€ por mês” (ponto 51. Dos factos provados); • “Dinheiro esse que deixou de auferir” (ponto 52. dos factos provados); • o A. “Deixou de se envolver nas atividades que a Comissão de Festas de ..., a localidade de residência, à qual pertenceu nos últimos anos, desenvolve, mas a que, com as atuais debilidades físicas, perdeu vontade de pertencer” (ponto 71. dos factos provados); • “E deixou de poder exercer determinadas atividades na agricultura, como fazia antes, em terreno cedido pelo sogro, onde plantava batatas, apanhava azeitona, amêndoas, fazia sementeiras de alface e batatas” (ponto 72. os factos provados); • “As atividades acima descritas que o Autor exercia na agricultura eram para consumo próprio” (ponto 77. dos factos provados); • “Perante a impossibilidade de o Autor fazer esse trabalho, foi forçado a contratar terceiros para que o ajudassem nas atividades supra descritas” (ponto 78. dos factos provados); • “No que gasta cerca de 1.500,00€ por ano” (ponto 79. Dos factos provados).

    H. Ponto 44., da matéria de facto provada: • O douto Tribunal recorrido deu como provado que “A atual entidade empregadora não tem outro posto de trabalho disponível onde possa colocar o Autor a trabalhar”, o que assumiu relevância essencial quando da fundamentação e justificação das indemnizações calculadas por perda da capacidade de ganho, por danos não patrimoniais e por dano biológico; só que, com o devido respeito, a referida conclusão plasmada no ponto 44. dos factos provadas não se encontra fundamentada, nem, muito menos, demonstrada nos autos, nada se dizendo, a esse respeito, na sentença recorrida; na verdade e • Por um lado, ficou provado, através das duas perícias médico-legais realizadas, que “As sequelas de que [o A.] ficou portador, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual (de motorista), sendo de admitir […] a sua compatibilidade com outras profissões da área da preparação técnico-profissional do autor” (ponto 94. dos factos provados – negrito e sublinhado nossos); por outro, • Não existe qualquer prova – por exemplo, documental ou testemunhal – que corrobore a afirmação em causa, resultante de alegação do A. na respectiva petição inicial, onde também havia referido – mas não o demonstrou (e não foi, obviamente, considerado provado) – que “Ao Autor ainda nada foi comunicado pela sua ainda entidade empregadora, mas o seu contrato de trabalho terá que se dar como caducado, naturalmente, dada a incapacidade superveniente do Autor para prestar o respectivo trabalho”; • Bem se compreende, pois, que o douto Tribunal a quo nada refira acerca das razões que teriam levado a dar como provada a matéria em causa, sendo certo que • O que se provou foi (em sentido bem distinto) que “O Autor não mais vai poder exercer a atividade que exercia, nem na última entidade empregadora, nem em qualquer outra” (negrito e sublinhado nossos); • Mas não se...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT